Contratos feitos, respectivamente: Proteção do traficante

Um traficante está testando novos guardas e decidiu que seria uma boa pagar alguém para testar a capacidade de luta de seus guarda costas.

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Roubo

"Foi descoberto que uma empresa rica recebeu uma carga valiosa e ela está em um galpao prestes a ser transportada, deve ser extraida rápida"

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O deserto costumava trazer para Shizue sempre as mesmas pessoas ou então oportunidades muito similares, senão nos mesmos lugares. Tinha mudado recentemente o vilarejo onde estava atuando, nele e nas redondezas, mas mesmo em pouco tempo criara hábitos ali, adotando o bar da área como ponto de maior frequência. Tanto o clima agradável de bêbados cantando e dançando, gritando por vezes, quanto as conversas sempre em voz alta que deixavam escapar informações ou pistas importantes sobre o que acontecia no momento. Próximo ao fim da tarde, pediu água, sempre água, odiava ter seus sentidos entorpecidos pela bebida, portanto optava sempre por refrescar-se. Claro, o ato em si sempre vinha acompanhado do dono do estabelecimento casualmente oferecer um contrato. Daquela vez não foi diferente. Instruções breves e discretas. Shizue cresceu o olho — isso significava um pagamento bom, acima das costumeiras tarefas enfadonhas. Apesar de tudo, o aumento no pagamento por vezes vinha acompanhado do aumento da complexidade. “Que seja”, falou, aceitando o trabalho e bebendo os últimos goles com pressa. O homem a apontou para seu destino: no fim da vila, o casarão. O mesmo casarão que tinha ido anteriormente, oferecer seus serviços. Ela assentiu, indo até lá, se certificando de bater a areia das roupas e limpar a sujeira do rosto. Estar apresentável deveria contribuir um pouco em sua confiabilidade.

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Uma caminhada breve e Shizue chegou diante dos portões do casarão no fim da vila. Embora estivesse descrito no contrato, junto de uma explicação de quem ele era e o que ele fazia, Shizue preferia não saber nada a respeito de seu contratante. Isso não mudaria o resultado final, tampouco ela gostaria de lidar com as possíveis implicações de trabalhar para alguém cuja alçada estivesse muito acima dela.

Seu trabalho parecia simples. Treinar os guarda-costas do homem para que se saíssem bem no deserto e pudessem proteger o homem de outros bandidos e os demais sobreviventes que vagavam debaixo do sol infernal do País do Vento. Fazia sentido, Shizue pensou, contratar justamente uma criminosa para ensinar aos seus guarda-costas como pensar como tais. Ela disse que aceitava, aproveitando para pedir ao homem que levasse ela até os tais guardas, que não estavam na sala de estar onde ela foi recebida. Shizue foi guiada até um pátio externo, nos fundos do casarão, protegido ao longe por uma cerca viva três cabeças acima dela, ladeada por um jardim. Shizue mediu ambos com os olhos: grandes, fortes e intimidadores. Mas a pele branca e sem cicatrizes denunciava que eles tinham sido trazidos de outro canto, o que levou ela a esboçar um sorriso malicioso de canto de rosto. Com confiança estampada, ela anunciou que faria seu melhor para ensinar a eles até mesmo os segredos que garantiam sua sobrevivência no deserto.

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Acompanhando a expressão da dupla, Shizue percebeu que eles provavelmente esperavam encontrar uma pessoa mais forte e ficavam encarando fixamente as diversas cicatrizes que ela tinha nos braços. A isso, ela respondeu que era o sol e que eles em breve teriam de se acostumar com cicatrizes iguais àquelas, sorrindo ironicamente e deixando que a imaginação da dupla fizesse o resto do trabalho.

Primeira lição, anunciou, se dirigindo a eles de forma quase solene. Descansem durante o dia e façam a travessia do deserto durante a noite. Não, não usem as dunas, usem as sombras das dunas para passarem despercebidos. Vocês não vão querer lutar em meio a montanhas de areia, sem saber o que espreita na escuridão, abaixo de seus pés ou nas suas costas: se ninguém matar vocês, o deserto fará isso com sede, com fome, com abutres prontos para devorarem as carcaças de vocês.

Shizue sentia-se ensinando crianças. Onde diabos o homem tinha encontrado uma dupla de brutamontes tão burra? Músculos não resolviam metade das tarefas ou imprevistos que podiam surgir no deserto. Ao menos aquele tamanho todo poderia servir de algo. Ela mostrou a eles a pequena bolsa marrom que levava presa na coxa esquerda, abrindo e mostrando a eles as tiras de pano que usava para que as armas metálicas não tilintassem. Armas de ninja, disse, jogando uma kunai para cada um deles.

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As ferramentas pareciam pequenos brinquedos de metal naquelas enormes mãos nodosas, que decerto conheciam o ofício de matar, embora o conhecessem em locais diferentes, onde tais habilidades eram úteis. Porém, no deserto tudo se tornava obsoleto se encarado pela perspectiva de quem vinha de fora. Shizue chamou um deles para lutar, um combate direto e desarmado, caminhando até o centro do pátio e ficando afastada tanto do outro guarda-costas quanto de seu empregador. Uma luta como aquela parecia suicidio, pois apesar de todos os ensinamentos e a sabedoria que Shizue tinha além deles, era fraca e franzina, praticamente uma criança em termos físicos.

Quando ele se aproximou, ela revelou num movimento rápido o par de armas que empunhava parcialmente escondidas, com a mão direita rente ao ventre e a canhota espreitando acima da própria cabeça, como a cauda de um escorpião. Ela voltou a esconder ambas as armas e então convidou o segundo guarda, confiando que ele procuraria pelo mesmo truque. E foi o que ele fez. Dessa vez, por mais simples que fosse, Shizue apenas inverteu a ordem dos golpes, trocando cada mão e sua respectiva posição, o que foi suficiente para surpreendê-lo.

Ela encerrou as lições avisando ao homem que se parassem por ali, não seria suficiente, se oferecendo para mais aulas na próxima semana. Ele riu, percebendo a intenção dela de ganhar mais dinheiro, porém aceitou mesmo assim.

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Na sua saída da casa, havia um rumor barulhento numa das saídas laterais da casa e enquanto caminhava junto de um dos guarda costas, perguntou de que se tratava. Shizue descobriu que um carga valiosa tinha chegado e seria guardada num dos galpões que a residência tinha acoplados nas laterais. Tratava-se de especiarias muito valiosas da região, retiradas da vegetação que surgia nos oásis e vendida com valores muito inflados para os países vizinhos. Então era assim que ele tinha tanto dinheiro, pensou. O homem, antes de terminar de conduzi-la até o portão que dava para a rua, ainda contou que junto das especiarias estava guardado um grande montante de dinheiro. Ela imaginava que seu suposto uso seria para subornar quem fosse necessário no momento de cruzar as fronteiras e também para afastar quaisquer bandidos que se contentassem em aceitar o dinheiro e lucrar mesmo sem ter algum esforço no fim.

Depois de ter presenciado em primeira mão o quão fraca era a segurança do local, ela estava decidida ela mesma a voltar ali e roubar tudo que lhe fosse possível.

Caminhou até a saída, fazendo uma expressão de quem dava àquilo a mesma importância que se dava para uma conversa qualquer, escondendo o semblante de interesse. Depois de sair, foi até o bar para sua costumeira reidratação, esperando que o dia chegasse ao fim.

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Ela espalhou o rumor das riquezas escondidas no interior do casarão pelo bar, pela feira e por vários locais onde passou dentro da vila. O rumor se espalhou como ervas daninhas no jardim do homem rico, o qual ela sequer se importava em saber seu nome, afinal, estava prestes a roubá-lo depois de já ter tirado muito dinheiro dele com suas aulas. Apesar de tudo, apesar da falsa honestidade que tinha passado para ele, deixou muitas coisas ocultas, fornecendo apenas o suficiente para que eles pudessem se iludir com a ideia de que conheciam Shizue o bastante para detê-la e outros como ela.

O rumor ajudaria a plantar muitas dúvidas tanto no homem em questão como em seus guardas-costas, o que faria Shizue estar fora de cogitação como uma provável suspeita quando isso de fato acontecesse. Ela pensava até mesmo em se colocar à disposição para achar o responsável uma vez que seu plano tivesse êxito.

Pensou que teria de esperar horas ou até mesmo o dia seguinte para agir, mas quando percebeu todos já sabiam do grande montante de dinheiro guardado no casarão. Deu uma última revisada em seus pertences, pediu água e bebeu tudo em goles longos e rápidos. A noite caiu e ela partiu com rumo certo, envolta pelo véu sombrio da escuridão do deserto.

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Noite caída. De longe, ela avistou o movimento na rua, a via que se alongava e se estreitava irregularmente, pelo simples fato de que ninguém nunca tinha se importado o suficiente para corrigir as imperfeições do deserto. Isso era parte da natureza, uma característica do lugar e alterar isso seria o mesmo que matar o deserto.

Por outro lado, não sentia o mesmo quanto às pessoas que estavam ali. A maioria estava de forma passageira, como ela, mas também haviam os que moravam ali e viviam do local. O homem que pretendia roubar era um destes, vivia das riquezas do deserto, o que parecia uma ironia quando se parava para observar a aridez e o calor mortal, um ambiente tão hostil que matava qualquer um que pisasse apenas um pouco fora da risca, subestimando a natureza. Aquele homem vivia de extrair o sumo do deserto.

Naquela mesma noite ainda, Shizue iria matá-lo e roubar seu dinheiro.

Caminhou na direção da propriedade luxuosa, trajando um manto escuro manchado de areia, evitando a luz lunar e dançando entre as sombras até chegar o mais próximo que podia e ainda assim estar longe do alcance da visão dos vigias noturnos. Evitou as patrulhas e contornou o casarão, encontrando uma entrada na lateral, um buraco grande suficiente para ela passar e assim entrou.

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O interior, como tinha visto anteriormente, carecia de guardas. A maior parte deles ficava em pontos chave, como na porta frontal do casarão e no interior dele, com todo o resto se limitando a patrulhar o perímetro para impedir que pudessem entrar, mas sem se preocupar com quem poderia estar dentro. Shizue aproveitou a fresquidão do ar noturno, respirando, acostumando-se a textura do piso de rocha lisa até estar segura de que não faria nenhum som para anunciar sua chegada.

Deslizou através das sombras e conseguiu entrar no pequeno galpão onde as mercadorias estavam guardadas. Era tão fácil que Shizue se perguntou se deveria mesmo fazê-lo: as tampas parcialmente abertas, as especiarias à mostra e o dinheiro guardado em grande bolsas de couro. Calculou que poderia carregar uma boa porção delas sem perder na furtividade e sem que se cansasse enquanto disparava pela saída. Depois ainda teria de caminhar até uma distância segura.

“Droga”, murmurou, percebendo que matar o homem não seria possível e ela teria de escolher entre uma coisa e outra. Optou ficar com o dinheiro e encaixou as valises sob o braço e sobre o ombro, carregando todas que pode até o lado de fora e escapando pelo mesmo buraco por onde havia entrado.

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