風邪

- An... Onde... Onde estou? -

Abri meus olhos e tentei com fracasso me levantar de onde estava deitado, desnorteado, via apenas algumas luzes de relance e uma voz me pedindo para continuar deitado, não tinha força para lutar contra esse pedido, meu corpo todo doía e falei mais uma palavra antes de perder a consciência outra vez. - Nagini... -

Não sabia quanto tempo tinha se passado desde que eu estava apagado, mas dessa vez meus olhos abriam com facilidade e meus reflexos pareciam apurados novamente, o suficiente para quase pular da cama em busca de minha amiga. - NAGINI!!! - Um grito de angústia saía de minha voz, meu corpo ainda um pouco adormecido me fazia cambalear e perder o equilíbrio, por pouco não despencava da maca.

- Se acalme Shikatsu... Sua cobra está segura, você está no hospital.

- Onde ela está?

Minha voz desesperada diminuía bastante, não era a minha primeira vez naquele hospital, uma saúde tão ruim quanto a minha era digna de várias visitas ali, o suficientes para os médicos saberem que eu tinha uma boa quantia de dinheiro e que era um shinobi não tão popular assim.

- Ela está em minha sala. Vamos trazê-la para você.

Não me lembrava como tinha ido parar no hospital, talvez fosse acometido pela praga que circundava pelas vielas da areia, se não fosse o dinheiro certamente estaria morto agora, como vários estavam naquele lugar superlotado.

Uma longa conversa se iniciava, minha paciência não estava das melhores, visto que me entregaram Nagini dentro de um caixote. Doutor Yanai me incentivava a seguir para o país das fontes termais em busca de uma cura milagrosa para a minha condição, dizia ouvir boatos sobre o estudos medicinais que estavam fazendo em cima de uma planta que só crescia lá, que talvez isso pudesse melhorar meu quadro.

Era o mesmo papo toda vez e eu não estava tentado a seguir uma espécie de palpite, pista, ou seja lá o que fosse, não deixaria meu posto na vila por algo assim. O médico há tempos estava solicitando um pedido de missão para irem até o país das fontes termais, não é que ele tinha conseguido isso?

- Dessa vez é uma ordem rapaz, tenho duas missões para você. Vai acompanhar um mercador até o país da geada, em seguida vai até as fontes termais e trará o conhecimento dos estudos que estão fazendo por lá.

Foi assim que acabei onde estou agora, dentro de uma carroça, em uma viagem cansativa e tediosa, com um mercador que adora cantarolar, ou seja, zero discrição, muito menos amor pela própria vida.

O mundo estava um caos, cheiro de morte espalhava pelo ar e diversas vezes via corpos em decomposição pelo caminho. O que me parecia era que o mundo todo tinha se tornado o próprio inferno, e nem mesmo os ladrões de mercadoria comuns tinham estômago para aguentar escondidos atrás de moitas encharcadas de sangue seco. Isso me fazia repensar sobre meu colega de viagem, ou melhor, aquele que eu devia servir de proteção, sua cantoria poderia ser uma prece aos mortos.

" A guerra continua – não dá para entender.
Quando é que o ódio vai finalmente acabar?
É sequer preciso falar de ódio, neste processo histórico?
Quando vai se deixar de confiar o destino dos povos a uma gente
Que enxerga a humanidade como meio de ascensão? "

Seguia o homem com seu lamento por boa parte da viagem, enquanto eu ficava em silêncio, não tinha homenagens a prestar, poderia ser um dos mortos ali, afinal... O campo de batalha era meu lugar.

A viagem seguia, uma distância longa era percorrida, eu jamais tinha ficado tão longe de casa assim, diversos momentos precisamos parar em algum lugar para passar a noite, em um mundo quase desértico eramos apenas dois viajantes que não encontraram problemas na viagem. Finalmente, após semanas... Meses? Estavamos finalmente no país da geada, o pobre mercador que tivera o azar de ter como guarda costas um cara quieto e estranho como eu.

Curvei meu corpo ao homem, em uma despedida eterna prevendo que não o encontraria mais.

Passei por diversos países até chegar ali, mas nada me encantava o olho tanto quanto as dunas douradas de Suna, devia admitir um certo bairrismo meu, uma apreciação incondicional de onde eu chamava de lar... Mesmo que estivesse tão prejudicada quanto os cenários de massacre vistos pelo caminho.

- Sim, eu sei... - Respondia para Nagini enquanto caminhava rumo ao nosso próximo destino, as fontes termais.

[...]

Por sorte, minha busca por Nox era rápida, um lugar pouco voltado para a ciência de plantas ter alguém assim tornava numa presença de fácil reconhecimento popular.

- Doutor Nox? - Falei ao ver um sujeito saindo de dentro da tenda que me indicaram. - Você deve ser... O Shinatsu. -  

- Shikatsu, doutor.

- Meu bom amigo me disse que mandaria um shinobi que carregava uma cobra. Nós só temos um problema Shinatsu, venha comigo, venha. - Apontou para o leste e continuou andando enquanto eu o seguia.

- Então... Eu tive um imprevisto e vou precisar ir até o país do ferro para dar conclusão aos meus estudos, acredito que o clima frio seja importante para esse tratamento. - Escutava atentamente as informações, já notava o enorme problema em precisar de climas frios... Suna era o total oposto disso.

- É, ele me disse que você era um pouco calado, então, enquanto você vinha para cá, continuei trocando cartas com Yanai, ele me disse que você estava a minha disposição e que esses estudos eram importantes para ele e seu vilarejo, então... Acredito que você virá comigo para o país dos lendários samurais, você tem roupas de frio?

Como ficaria Nagini? Seria bom para ela levá-la comigo para este lugar? Sendo uma cobra do deserto , sobreviveria à um clima de extremo frio? Provavelmente a preocupação estava estampada em meu rosto e o doutor tinha percebido isso.

- Yanai informou que você é bastante apegado à essa criaturinha, projetei uma gaiola térmica para ela, você pode levá-la, mas receio que sua amiga não poderá passear por lá.

- Obrigado. - Respondi enquanto curvava meu corpo.

- Me diga... Você trouxe roupas de frio?

[...]

Após uma longa viagem de barco, sendo essa a primeira que eu fazia na vida, estava em um vilarejo de samurais, literalmente do outro lado do mapa. Precisava admitir que estava. Encantado com aquele lugar, vários samurais grandiosos trajando armaduras que eu nunca tinha visto na vida. Como eu era um acompanhante do doutor Nox, tinham me dado livre acesso por ali e sem dúvida a minha maior atração era assistir os treinos dos samurai, me recordava de minha infância, quando eu praticava incessantemente com uma espada de brinquedo, faziam anos que eu não tocava uma katana.

Uma semana tinha se passado desde que chegara ali. " Vamos ficar por aqui um longo tempo... Busque se distrair com algo.. " As palavras que Nox tinha me dito antes de adentrar em uma casa, ecoavam em minha mente, em uma motivação para o que eu estava prestes a fazer. Me levantei e caminhei até um velho samurai que treinava, era realmente impressionante as suas habilidades com a espada, ainda mais pela idade.

- Boa tarde, o senhor poderia me emprestar uma katana? - Falei esbanjando toda a humildade de uma criança órfã.

- Você é um shinobi, certo? Acho que você sabe usar uma dessas. - O senhor caminhou até uma das espadas e a lançou para mim.

Era difícil manejar a espada usando o monte de roupas pesadas que o Doutor Nox tinha me dado, os movimentos eram claramente travados com tantas vestimentas, mas ainda sim fiz jus a anos de treinamento pesado que eu havia me submetido da infância para a adolescência. Consegui ver no rosto enrugado do samurai que ele estava surpreso ao ver a maestria com que eu movia a espada.

- Olha só, não é que você sabe mesmo usar uma katana, shinobi! - Ele falava empolgado, diferente do descaso de outrora. Apenas balancei positivamente minha cabeça e continuei o meu treinamento, além de ter passado anos sem uma espada, eu nunca tinha utilizado uma tão leve quanto aquela, tinha ouvido falar que as espadas do país do ferro eram as melhores do mundo, mas jamais imaginaria que eram tão superiores as de Suna.

Continuei indo até o Samurai, Hachira Tokuso, durante semanas, os estudos de Nox durariam meses e boa parte do tempo passei junto do senhor que me contava diversas histórias sobre suas conquistas e me surpreendia cada vez mais. Quando tinha me aproximado do homem, nunca imaginaria que ele fosse alguém tão renomado quanto descobri ser.

De todos os combates realizados entre mim e Senhor Hashira, nenhuma das vezes fui capaz de vencer, passei a praticar com ele durante dias e nada parecia mudar em meu progresso, até o Samurai revelar para mim onde estava nossa diferença.

- Você é um exímio espadachim Shikatsu, mas eu sou um Samurai, minha espada e eu somos um só.

Todos os movimentos que eu fazia, Hashira-sama conseguia realizar de maneira mais limpa e com uma precisão impecável sem demonstrar dificuldade alguma. Meu desejo de aprender aquela arte era cada vez maior, até que ele me mostrou o Iaido, meus olhos só faltaram saltar de meu rosto, tamanho encanto que fiquei ao ver aquela habilidade, tinha certeza absoluta que era a técnica de mais alto nível no mundo, me ajoelhei imediatamente encostando a testa na neve congelante.

- Por favor, me ensine, seja meu mestre Senhor Hashira-sama! - Eu não tinha o que oferecer à aquele Samurai, tinha certeza que meu dinheiro não significava nada, um Samurai só estaria interessado em meu coração.

- Por que você deseja seguir a trilha dos Samurai? - Olhava-me nos olhos ao questionar, como se pudesse enxergar a minha alma. Convicto de minhas razões, respondi:

- Quero tornar minha vila grandiosa! - Não havia ganância em minhas palavras, meus objetivos não eram por mim, mas sim por Suna, era movido pelo desejo de ver a vila da Areia ser a maior de todas e não desejava derramar nenhum sangue inocente.

Hashira-sama devia ter visto algum valor em mim, abria um grande sorriso e decidia ser meu mentor. Mais meses se passaram, carreguei Nagini em minhas costas durante diversos treinamentos, usando a caixa térmica como uma mochila, se a espada devia se tornar parte de mim, então jamais poderia deixar Nagini fora disso, ela também era uma parte de mim, afinal.

Os meses passavam, os treinos eram diversos, mas sem dúvida o mais recompensador era quando Hashira-sama consertava minha postura, analisando cada mínimo detalhe em meus golpes para me aperfeiçoar.

[...]

- Desde o primeiro dia você carrega com si esta caixa nas costas, pode me dizer o que tem aí? -

Sinalizei que sim com a cabeça e coloquei a espada cravada na neve, enquanto retirava a caixa de minhas costas e segurando-a na frente de meu corpo abria uma pequena porta deixando que Nagini ficasse aparente.

- Nos encontramos quando eu tinha 8 anos, Doutor Nox criou esta caixa para que ela pudesse vir comigo,  eu jamais a deixaria para trás. Seu nome é Nagini. - Tive certeza de ver um brilho de lágrima aparecendo nos olhos daquele Samurai, um homem que já havia guerreado sabia o valor da amizade.

- Você tem valor, rapaz.

Em seguida, começou um ainda mais intenso treino para aprender o Iaido, aquele país era severamente diferente do meu e minha saúde não me ajudava, fazendo-me adoecer diversas vezes durante todos esses meses, minha determinação havia sido posta em prova por muito tempo até que finalmente o treinamento tivesse conclusão.

Mais algumas semanas se passaram até que finalmente Doutor Nox fosse até mim, sinalizando que nossa longa estádia no país do ferro havia terminado. Certamente levaria aquele lugar no meu coração, como uma segunda casa e em meu último encontro com Hashira-sama, ele me presenteava com a espada que eu estive treinando por todo esse tempo.

- Escolha um nome para ela, sei que a tratará com respeito. - Foram as últimas palavras que ouvi de meu sensei.

[...]

Minha segunda viagem de em uma embarcação era para voltar ao país das fontes termais. Durante o caminho ele me explicava sobre a importância do clima frio para preservar uma espécie se bactéria que serviria para melhorar a imunidade dos corpos, uma vacina. Infelizmente, para os habitantes de Suna, era impossivel que o medicamento sobrevivesse ao clima quente do deserto, sendo necessário mais estudos sobre para que chegasse a este nível,  Suna continuaria a sofrer com a praga.

Ainda na viagem, Doutor Nox aplicava em meu braço a sua criação, me fazendo como o paciente 1 daquela nova invenção, meu corpo adormeceu e acordei outra vez em uma cama, agora já no país de origem de estudo do doutor. Desta vez, sem desespero, Nagini estava pacificamente deitada em minha barriga.

Precisei ficar por mais vários dias ali, sendo alvo de estudos, para que o doutor pudesse ver o progresso de sua criação e anotar qualquer tipo de reação que sua vacina pudesse me causar, passei bastante mal durante os primeiros dias, febre, dificuldade para respirar, até finalmente me estabilizar e sentir meu corpo mais forte que nunca. Claro que eu recebi alguns esporros sobre ter treinado tanto no país do ferro. - Shinatsu, demos sorte que você não morreu lá, eu teria perdido meu objeto de estudo!

Quando recebia a alta daquele tratamento, estava finalmente finalizada a minha jornada, tinha perdido a conta de quanto tempo passara fora de Suna, mas voltava mais forte.

Perguntas de como a vila estaria após todo esse tempo pesavam sobre minha cabeça, era nítido que Suna estava em péssimo estado e a possibilidade de estar pior me agoniava.

- Estamos voltando para casa -

Olhei para Nagini que repousava após acabar de engolir a sua refeição.

O retorno era pacifico, pegava carona com comerciantes e viajantes em suas carroças para voltar ao país do vento, onde me restava apenas repassar todo o conhecimento adquirido sobre essa vacina em minha viagem, como uma forma de garantir a veracidade das cartas de Doutor Nox.

Estava satisfeito em poder viajar sem carregar Nagini em um caixa novamente e certamente a serpente se sentia igual. Após outra longa viagem de volta, finalmente enxergava Sunagakure no fim do horizonte.

Olhei para trás outra vez, como se pudesse ver através de toda paisagem e atravessar meus olhos por kilometros refazendo meus passos.
- Realmente foi incrível! - Comentei acariciando Nagini, enquanto sentia os ventos do deserto batendo em minha pele outra vez.

Estava em casa.

HP: 160/160 | CH: 160/160 | ST: 04/04 | Sanidade 140