Lá estava a menina dando a última mordida em uma maçã que logo era jogada no lixo, mastigava aquela fruta como uma idosa sem pressa de fazer a vida correr. Sabia que hoje teria um dia cheio de coisas para fazer e todas elas seriam coisas desgastantes. ”Por que eu me propus a isso?” se questionava tomando o máximo de ar que seus pulmões conseguiam segurar. Sypha saia da cadeira que estava sentada e se dirigia à porta sem avisar seus pais onde iria, pois já era uma adulta e agora é responsável por todas ações que tomasse. Não que a kunoichi se importasse de fato com que eles pensassem e sentissem, mas sabia que leis existem e algumas delas devem ser respeitadas para que não lhe encha o saco.

”Aonde eu vou para conseguir achar essas pessoas… lembro mais ou menos de meu pai me levando para ver esse lado da família, mas não me lembro do local direito”. Olhava para o centro da vila sabendo que aquele local seria um bom começo para sua jornada de reconexão familiar. Caminharia calma na direção desejada, seus pensamentos se perdiam com lembranças do dia anterior por conta de Alex.

— Aquela Alex… tão subversiva, única. Eu quero ela —

Considerações:

Seus pensamentos eram tantos que andava em modo automático pelas ruas da vila, agia como uma civil por mais que tivesse o treino básico de um ninja. Gostava de se misturar entre os civis para não ser chamado em assuntos emergenciais ou ter que lidar com algo que seu cargo exige. Finalmente chegava a uma das praças centrais do vilarejo que sempre vinha com seu pai. Sypha via o mesmo escorregador de madeira seca, mas ainda sim muito resistente mesmo após todos esses anos, tocava na madeira enquanto olhava a sua volta em busca de uma pessoa específica.

A kunoichi lembrava-se de sempre ver o pai sentado em um banco próximo aos brinquedos acompanhado de alguém com uma bengala. ”Nós sempre vínhamos pai, eu sei que naquela época você ainda era ativo no clã… onde está aquela pessoa. Será que mudaram de localização depois que meu pai foi excomungado?” seu auto questionamento abria margem para outras questões consequentes do afastamento do meu com sua hereditariedade.

— Cadê você — saltava para o topo do escorregador para pegar uma visão mais privilegiada da área a sua volta. Depois de alguns bons minutos ela começava a notar a presença de alguém que até então não parecia estar lá, era quase como se aquela pessoa estivesse invisível para Sypha. Levantaria a mão acenando para o ser distante, se aproximaria.

— Me chamo Sypha Belnades, meu pai é o Horácio Kurama — sentaria no mesmo banco que o senhor de bengala, continuaria — eu vim aqui, porque quero saber mais sobre meu clã, sobre o sangue que corre em minha veias. Lembro do meu pai vir conversar com você sobre as coisas da família, ele sempre voltava estressado, mas eu me lembro.

O velho cuspia assim que ouvia o nome do pai da garota que logo entendia o sentimento que o velho carregava para com Horácio — você não devia falar esse nome por aí próximo dos seus, um excomungado é um esquecido e abandonado à própria sorte.

Considerações:

O velho ajeitava a bengala apoiando ambas as mãos, tomando uma postura mais ereta e altiva em relação a Sypha. Olha para ela com uma intenção não muito amigável — já sei o que você está buscando Sypha, te acompanho desde o seu nascimento. Permita-me fazer uma pergunta antes que possamos continuar — a intenção maligna ficava mais pesada a sua volta — você não sente nada pelos outros, certo? — ele sorria mostrando seus dentes amarelos.

Sypha não tomava reação alguma, apenas engolia a seco um pouco surpresa de ver que alguém conseguia ver além da máscara que criara e aperfeiçoará a anos para viver nesse mundo e passar despercebida. O ar pesado que sentia fazia com que suas pernas ficassem moles, entendia que naquele momento não conseguiria sair dali e apenas desistir. ”Aonde ele viu além da máscara, pensei que havia confeccionado essa persona tão bem” a moça cruzou as pernas apoiando suas mãos sobre seu joelho superior tentando demonstrar certa indiferença com a situação dada falando com uma voz fria:

— Desde quando você sabe?

— Sempre temos pessoas olhando pelos nossos, o sangue nos liga a tudo. Vimos algumas coisas como animais da sua vizinhança que sumiram ou apenas algumas amizades precisas para parecer normal a todos, mas nunca tendo relações verdadeiras enquanto se esconde por festa que ocorrem na vila toda. Está vendo aonde estou querendo chegar? O vazio te acompanha, um vazio que só seu clã pode ensinar como preencher — o velho batia sua bengala no chão produzindo uma expansão de chakra sutil que a kunoichi sequer percebeu.

Uma sensação estranha corria por seu corpo, seus olhos ficavam pesados forçando com que a kunoichi caisse no sono. A mulher pensava apenas em uma coisa antes de apagar completamente ”Esse velho vai morrer logo, disso eu posso ter certeza”.

Considerações:

O mal agouro que jogava no velho era certeiro, sabia que isso poderia demorar, mas quando tivesse a oportunidade não hesitaria um segundo sequer. Sypha em seu sono profundo começava a ver imagens estranhas com que nunca tinha sonhado antes, ”sonhos são apenas memórias reutilizadas, como que eu estou sonhando com isso?”. Tomava consciência de seu sonho, sua mente era sua e sua para comandar.

Ela se encontrava em uma sala oval vermelha que possuía um piano preto de cauda um pouco ao lado do centro, o chão em seu centro era composto de um piso vermelho, cinza e preto. Não conseguia ver janela alguma ali, as paredes pareciam ter uma profundidade infinita que era parcialmente barrada por cortinas carmesins.

Sypha fechava os olhos tentando re-imaginar seu sonho, queria se ver em outro lugar, um ambiente familiar e comum. ”Meu quarto, eu sei como ele é em cada detalhe” começava a pensar em sua cama, a luz matinal que iluminava seu quarto, a alta organização de roupas e livros junto de uma cama perfeitamente arrumada, se lembrava do cheiro de café que seu pai sempre fazia pela manhã. Abria seus olhos pensando que estaria naquele ambiente, mas nada acontecia e continuava naquela sala vermelha exatamente em seu centro. Estalava a língua em descontentamento com a falta de resultado, levantaria seu pé para dar o primeiro passo, porém um holofote que começava em lugar nenhum caia sobre sua cabeça escurecendo ainda mais o ambiente a sua volta. Levantava o braço em resposta imediata na tentativa de impedir a luz direto ao seu olho.

— Você ainda está fraca Sypha. De todos que acompanhei até agora, você era a com maior probabilidade de aceitar o passageiro sombrio — a voz dançava pelo ambiente à volta da garota deixando impossível localizar a origem do som — o que você sabe sobre a história que corre em seu sangue?

Considerações:

— Você sabe qual é a resposta, não vou me dar ao trabalho de dizer em voz alta — proferia as palavras ainda tentando localizar a origem da voz. Notava alguns sofás e poltronas pretas com detalhes em dourado, tentava andar novamente para sentar em algum lugar já que acreditava que não sairia do local tão cedo. Respirava questionando o velho — tem como desligar essa luz?

— Essa é sua mente, desligue a luz você. Ainda estou procurando ele, fazia tempo que não via tamanho vazio em um subconsciente — a voz ficava cada vez mais distante.

O silêncio da sala vermelha ficava cada vez maior, o que era um pouco irônico por ter um piano logo ao lado da moça. ”É minha mente, isso eu sei. Me lembro de ter apagado algum genjutsu?” suas memórias voltavam para uma época em sua infância quando seu colocá ilusões em sua mente para ver as história de ninar antes de dormir. Abaixava o braço que bloqueava a luz diretamente ao seus olhos dizendo em direção aos espaços vazios que a prendiam aquela sala — é um genjutsu, o nosso clã é formado por usuários de ilusões — nenhuma resposta era proferida, a garota falava sozinha.

Começava a se concentrar na luz sobre sua cabeça, por mais que sua mente quisesse divagar sobre a sala toda. Sypha mantinha sua cabeça erguida e focada na luz concentrando seus pensamentos para que a luz daquele holofote se apagasse. Semicerrava os olhos, mas nada acontecia, uma falha para o currículo impecável de Belnades. ”Droga” pensava.

Considerações:

Frustração era o sentimento que Sypha sentia imediatamente ao perceber que não estava sob o controle de sua própria mente. ”Saco, luz de merda. Só quero tapa o rosto pra não precisar forçar o olho” num piscar de olhos uma máscara surgia em sua mão. A máscara era simples como as de teatro, mas possuía pinturas em uma tinta vermelha que davam um caráter mais pessoal ao objeto que colocava em seu rosto tendo um encaixe quase perfeito. A jovem sentia a presença da máscara ali, a incomodava, mas ela não se importava, pois a luz não machucava mais seus olhos.

Mal notara a garota que aquele lugar se tratava de seu subconsciente onde o que regia ali era algo mais primitivo e bruto. Conseguia, finalmente, sair do holofote seguindo para um sofá mais próximo. Ajeitava suas roupas, cruzava as pernas seguidas dos braços. Tomava uma instância defensiva, não estava entendendo direito como tudo aquilo funcionava. ”Nada aqui faz sentido, eu nunca vi esse lugar. Isso tudo só pode ser criação daquele velho maldito. Quando eu ver ele que me aguarde”.

Na parede sem profundidade mais distante da kunoichi, uma porta erguia junto de um luz que não deixava a moça ver nada além de silhuetas ali. Reconhecia a primeira logo de cara, era o velho que a colocara sobre algo naquele banco da praça. A segunda, por sua vez era uma figura disforme, mas que logo trazia uma sensação de repulsa na garota. Algo naquela figura lhe causava estranhamento, contorcia os lábios que eram escondidos pela máscara.

— Não vou perguntar velho, apenas explique logo — dizia de forma firme e autoritária.

Considerações:

A silhueta disforme começava a se mover pela sala como se fosse uma criança em um novo ambiente. O velho se aproximava da kunoichi com a ajuda da sua bengala enquanto começava a falar:

— Muito acreditam que a mente humana é dividida em três grandes partes. Temos o ego — apontava para Sypha com sua bengala, a luz do holofote que antes estava preso ao centro da sala se movia até a garota a trazendo para o foco mais uma vez — que é basicamente sua personalidade e como vê o mundo. Tem também algo muito especial do nosso clã que é muito poderoso e por muitas vezes diversas pessoas do nosso clã jamais entram em contato com ele pelo preço que tem que ser pago, mas o poder que ele dá é inimaginável. Aquela figura ali é seu Id, é algo mais primitivo da sua consciência que não pensa muito em seus atos, apenas faz o que quer fazer sem dar satisfação a ninguém. Sobre a terceira parte deixaremos para um futuro próximo — seguia apontando com sua bengala para a silhueta que agora parava próximo ao piano, um novo foco de luz caia sobre sua cabeça assustando a mesma.

A kunoichi continuava olhando com suas reações escondidas pela máscara. Se levantava seguindo em direção aquela figura que parecia lhe puxar para perto como um magnetismo. Id não hesitou, mas também não tomou ação alguma. Sypha estendia o braço e tocava naquela massa sombria. Sentia algo em seu interior surgir com uma queimação em suas entranhas, as sombras penetravam sua pele.

Considerações:

Após sentir todos os seus órgãos movidos de lugar, a moça era levantada do chão. Algo ainda mais profundo era mudado, tomava forma. Sua máscara que usou por tantos anos se quebra mostrando a verdadeira face de Sypha, grandes olhos vermelhos, uma pele acinzentada e dentes amarelos junto de um cabelo vermelho. Seu id tomava consciência, uma parte dela, com isso conseguia uma forma para ser sua. Aquela massa negra saia pela boca de Sypha agora com seu novo corpo, a jovem caia de joelhos cansada.

Sua vista ainda focava no seu Id, via ele em roupas formais como terno de calda, calças e um sapato formal todos em tonalidades de preto e vermelho como a sala. Os olhares de Sypha e de Id se encontravam, naquele momento um silêncio confortável os cercava, até mesmo o grande sorriso amarelado do ser não incomodava.

Id estendia a mão, a moça pegava a mão de seu Id, ela rapidamente era puxada para próximo do ser que a segurava pela cintura. Com um som inaudível que saia pela do animal fazia o piano começar a tocar. Aqueles dois focos de luz se encontravam ficando ainda mais fortes, começava a dançar ao som daquele piano que tocava sozinho, uma ligação que apenas os dois sentiam surgia. A melodia da loucura tomava seu início.

O velho apenas observava incrédulo em como Sypha e Id não tinham estranhamento, era como se um já tivesse consciência do outro muito antes daquele momento. O velho batia com a bengala no chão tentando chamar a atenção da garota, mas ela sequer escutava. A moça estava perdida na órbita irresistível de sua Id, era como conhecer uma velha amiga.

Considerações:

Sypha sentia um empurrão forte em seu braço, tinha força o suficiente para causar uma dor em seu braço fazendo com que ela desse um passo para trás saindo daquela valsa com sua Id. Sua velha amiga logo se colocava entre o velho e a kunoichi com os braços abertos tentando protegê-la, a mulher dizia:

— que foi, não viu que estou conhecendo — dirigia seu olhar para aquele ser e notava que sequer sabia o seu nome. A cabeça do animal girava 180º com seu olhar focado no da jovem, deixando com que uma palavra subisse à superfície de sua mente “Id” — Id — a ninja apoiava sua mão no ombro do ser de pele acinzentada.

— Não terminei de te explicar sobre todo nosso clã, não se deixe ser devorada por ela. Essa é uma luta que todos nós temos depois de nos conhecermos verdadeiramente — o velho sentia uma palpitação — eu estou sendo expulso — ele colocava a mão no peito agarrando firmemente sua camisa demonstrando dor.

A oportunidade surgia, a vontade de matar crescia, algo de âmago crescia. A cabeça de Id voltava ao seu lugar, em um movimento corria até o velho perfurando-lhe a garganta. A conexão entre eles era única, Sypha via aquela cena  se desenrolar com tamanho fascínio e encanto.

Pela primeira vez em sua vida ela entendeu o que Id sentia, pela primeira vez ela se colocou no lugar de alguém ou algo. Seu coração adormecido voltava a pulsar com mais vontade, caminhava em direção a Id pegando sua mão ensanguentada sobre o corpo frio do velho que simplesmente era engolido por sombras desaparecendo. Levava a mão do animal ao seu peito para que sentisse o palpitar alto e rápido de seu coração:

— Você está sentindo Id, eu sinto por você. Esse lugar é só nosso, certo? — ela apoiava sua mão no peito de seu par não sentindo nada, olhava para a feição dele e nada — estamos juntos agora… juntos sempre e para sempre.

Sorria em resposta o puxando para o centro da sala onde voltariam a valsar. A música que era interrompida quando foi forçada a parar de dançar voltava ainda mais alta, mas de uma forma que não incomodava seus ouvidos. Ali Sypha soube o que era empatia pela primeira vez, sentiu algo além do descrito em dicionários que explicavam sentimentos em palavras.

Considerações:

A valsa estava ótima, perdia a sensação de tempo ali. Em dado momento a garota começava a sentir sua mão molhada, por mais que visse a própria mão ali que não tinha nada, a sensação continuava de certa forma que lhe causava um incômodo. Parava de dançar se afastando de Id, que permanecia parado olhando para a moça com seus olhos vermelhos brilhantes. O desconforto continua puxando a garota, sua cabeça latejava de dor. Algo a empurrava para uma das paredes sem fundo com tamanha força que ela saia voando. Envolta em escuridão por um momento, mas no outro via um buraco recém tapado, sua mão banhada em sangue.

Tomava um susto dando alguns passos para trás, avistava a bengala do velho aos seus pés ligando rapidamente os pontos apresentados à sua frente. Sorria sutilmente sem sentir um pingo sequer de remorso ao saber que tirou uma vida, ”foi você Id, me guiou assim”. Saía do local com a bengala na sua mão limpa e a suja de sangue ela colocava no bolso de sua calça para esconder.

— Nós somos duas metades da mesma parte, naquele momento da valsa você me guiou. Obrigada, Id.

A sensação se aquietava em sua mente, mas não sumia, agora a menina sempre sentia algo rastejando em sua mente, mas sabia que era ele, seu par perfeito.

Considerações:

Saltava por prédios da vila até chegar em sua casa, entraria pela janela que sempre deixava destrancada quando saia de casa, pois queria sempre ter um fácil acesso a sua casa sem precisar passar pelos seus pais. Deixou a bengala encostada na parede e partiu para seu banheiro com o intuito de se limpar de toda a sujeira daquele velho audacioso.

Girava a torneira e a água quente começava a sair do chuveiro, no princípio era uma igual ducha como sempre. Uma sensação emergia em sua mente, uma sensação que ainda não estava acostumada, sabia de quem se tratava. Fechava a ducha e pensava consigo mesma ”bobinho, não gosta de água quente. Por você faço mil banho gelados, mergulho em um lago congelado para te satisfazer”.

A água fria encanada começava a cair do chuveiro diretamente da pele da garota causando aquele choque natural da troca de temperatura rápida em seu corpo, mas Sypha se mantinha firme e rígida deixando com que a água corresse por todo o seu corpo. Uma vez que a mão estivesse limpa de sangue e seu corpo fresco ela saia da ducha colando roupas mais confortáveis para ficar em casa. A sensação pós banho com água gelada acalmava sua mente, fechava os olhos na expectativa de encontrar ele novamente em sua mente.

— Como eu te encontro de novo? — se questionava na expectativa que Id lhe respondesse, mas nada acontecia.

Considerações: