Os olhos da menina estavam fixados em direção ao teto de madeira quando uma pequena gota caiu sobre sua testa. — Vovô disse que tinha consertado isso — disse ela subitamente, repetindo o mesmo ritual que fazia todas as manhãs ao se levantar:

Vestir-se com uma capa escura de gola alta sobre sua roupa costumeiramente passada antes mesmo dela ir deitar e depois pentear os cabelos que sempre amanheciam completamente desgrenhados. Antes, porém, que pudesse penteá-lo, ouviu as batidas do avô na porta. Kaori já estava cansada de dizer pra ele que agora ela era uma mocinha e não devia ser apressada; o tempo que levava era o tempo que precisava.

— Kaori, sua idiota, venha cá!

A menina abriu a porta bem devagar, ouvindo o rangido, ainda com o cabelo bagunçado e o rosto por lavar.

— O quê foi? — disse, olhando de um lado a outro do corredor. — Aconteceu alguma coisa, Vovô?

O velho ficou um tempo olhando para sua neta, que ficou calada observando ele, como de costume sem entender nada. Depois de um tempo assim, parados, e tendo como  maior elo o silêncio, ele aproximou-se dela e deu-lhe um abraço, mas um abração tão forte, que a menina quase ficou sem ar.

— Acho... Que o Senhor... Tá me... Matando — disse Kaori, enquanto o ar voltava devagar aos seus pulmões. Furui foi tomado por um rubor e seus olhos encheram-se de lágrimas.

— Você tá bem?

— Não é nada Kaori — ele se virou, enxugando as lágrimas com a barra da camisa. — Vá ao banheiro e termine de se aprontar, seu Sensei está te esperando.

— QUÊ! — gritou a menina — Eu não posso deixar ele esperando — afirmou, ansiosa.

Antes que ela pudesse correr o velho a segurou pelo braço direito e disse:

— Nada disso, Kaori, a higiene é uma das coisas fundamentais que todo bom ninja deve ter, se você quer ver seu mestre só o fara depois de lavar o rosto, escovar os dentes e pentear esse cabelo que tá uma bagunça — o homem tomou fôlego e gritou — AGORA SUA IDIOTA!

A menina não atreveu a desobedecer às ordens do Avô, até porque, no final das contas, ela o considerava seu maior mestre, pois, mesmo os conselhos mais idiota que alguém poderia dar, e era ele um especialista em fazer isso, ela seguia.

— Espero que você assimile bem tudo Kaori, espero mesmo, caso contrário, aquele idiota vai ser ver comigo — disse o velho, agora sozinho no corredor, naquele momento, inclusive, percebeu porque todas as pessoas do bairro o chamavam de avô, assim, percebeu também o tempo que passou; que ela já era grande, mas, mesmo assim, não conseguiu afastar a preocupação e o medo de perder a neta.

Kaori fez tudo o mais rápido que pôde e desceu para ir ao encontro de seu mestre.

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Palavras (Word 2010): 462

Viajar com seu mestre numa carruagem, com um amigo dele como cocheiro, tudo isso enquanto seus olhos ansiosos analisava cada uma das paisagens que iam e viam à medida que prosseguiam com a viagem, era algo que a menina nunca sonhou que aconteceria.
Nada de sono ou tédio, para ela tudo era novidade, cada uma das formas era acompanhada de uma singela expressão de surpresa, enquanto seu silêncio apenas fazia coro com o silêncio de seu mestre. Para alguns, a ideia de ir a um local longínquo, onde a luz do sol é uma joia rara, poderia parecer um cenário assustador, mas não pra ela, de alguma forma se sentia bem ao lado de Yopparai e não sabia explicar o porquê.

Pararam por um segundo e comeram um delicioso bolinho de arroz preparado pelo Samurai. — Humn... O Senhor cozinha muito bem, mestre! — A menina não teve pudor ao comer os bolinhos, enquanto seus olhos enchiam de lágrimas de satisfação. Vale lembrar que Kaori era apaixonada por cozinhar, muito embora, assim como em outras áreas da vida, ela não tivesse talento algum para isso. Pensou em pedir a receita para o mestre, mas sua boca trabalhava mais rápido que a mente. Enquanto comia observou aquela paisagem tão exótica, não conseguia acreditar nas tonalidades de verde que existiam e que se espalhavam pelo espaço em inúmeros formatos e tamanhos. Mesmo as criaturinhas que rastejavam pelo chão, ou aquelas que, antipáticas, escondiam em árvores e arbustos, pareciam mais vivas do que qualquer coisa que já viu no rosto austero de sua aldeia.

— Vovô com certeza nunca viu nada assim antes — disse ao se levantar após o término da refeição — Queria tanto levar uma dessas plantas para ele — pensou, mas não falou nada, voltou para carruagem junto com os demais e seguiu viagem.

A viagem foi se tornando cada vez mais exaustiva para todos, a exceção do Samurai, até mesmo os cavalos outrora tão confiantes, deixavam a língua pender de cansaço. Kaori, obviamente, lutou o máximo que pode contra a fadiga, mas seus olhos, pesados, insistiam em ficar fechados. Apoiou sua cabeça no ombro de seu mestre, deixou-se, parcialmente, perder para o implacável trajeto, mas não dormiu, apenas procurava algum descanso antes da próxima parada.

A luz crepuscular lançava sobre a atmosfera aquele degradê alaranjado e melancólico dos fins de tarde quando os três chegaram a uma estalagem, tão acolhedora como qualquer outra estalagem para quem passou o dia nos caminhos tortuosos de seu trajeto. O homem deixou a menina escolher o que comer, pegou uma deliciosa sopa de peixes e pão e, para beber, um chá de ervas frescas que cresciam no entorno da estalagem. Prestava atenção no que o samurai dizia quando ele foi subitamente interrompido por uma mulher de aspecto surrado. Kaori se levantou com as mãos na espada, ainda presa a bainha.

— Mestre, como ninjas, acho que a gente tem que ouvir ela! — disse, tentando intervir em favor da mulher.

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Palavras (Word 2010): 491

Kaori ouviu as palavras do seu mestre prestando atenção a cada sílaba que ele pronunciara. A menina tinha dessas, quando ela ouvia uma coisa que parecia muito inteligente ela parava por um segundo, suspirava e quase que silenciosamente repetia cada palavra, como se quisesse guardar os ensinamentos a força. Vez ou outra, o que não foi o caso dessa vez, ela até mesmo tirava um bloquinho de papel para fazer as anotações. Tinha um bloquinho de papel cheio dessas anotações, com os ensinamentos mais triviais possíveis como:

“Não cozinhe nenhum tipo de planta, fungo ou outra coisa para seus colegas que você não saiba a origem.”

“Não peça aos seus amigos para lançarem contra você seus jutsus mais poderosos pra ver se você resiste.”

— Ser expulsa daqui seria horrível — pensou — E essa comida parece tão deliciosa — olhou para a comida, a boca salivando — saber a hora certa de agir... — repetiu mais uma vez, dessa vez um pouco mais alto.

Os olhos dela brilharam de felicidade! Não havia motivo pra não confiar no seu mestre, se ele disse que investigaria, com certeza faria isso. Continuou a comer como se o evento que acontecera há pouco tivesse, de fato, ocorrido em outra dimensão, não ali, onde cada colherada daquela sopa de peixe preenchia sua boca como uma explosão, tão intensa e bela que a menina não teve outra reação a não ser dizer, com o punho em  riste:

— Humn... Delicioso!

A noite chegou soturna e Kaori caiu no sono assim que se deitou. Sua mente então viajou para aquele lugar onde as pessoas com a mente limpa vão, com sonhos bobos, muitas das vezes sem sentido, que envolvia seu avô, seus amigos e seu mestre, todos eles, juntos, viajando pelo mundo, descobrindo todas as coisas boas que existiam por aí.

— Kaori — diria seu avô, que no sonho se vestia como uma pessoa muito importante — Kaori, sua idiota, escute! — gritou com aquele tom de voz sério que ele fazia sempre que queria a total atenção de Kaori, embora sempre conseguisse apenas metade dela.

— Vovô... — Ela diria, olhando de um lado para o outro, assustada.

— Kaori, sua mãe e seu pai eles viajaram há muito tempo, talvez um dia voltem, porém...

A menina acordou subitamente, no meio daquele sonho que ela sempre tinha. Vale ressaltar que o sonho, apesar de recorrente, de uma conversa que teve quando era ainda mais nova e se perguntava por que todo mundo tinha “papai” e “mamãe” e ela não, não afetava mais ela tanto assim. Não tinha sentimento algum pelos pais, vontade de conhecê-los ou, melhor, sequer pensava nisso, para ela bastava a companhia dos seus amigos e avô e, mais recentemente, de seu mestre bêbado e do amigo dele, Fuyuki.

Acordou com o som dos dois amigos conversando, mas manteve-se em silêncio, repetiu bem baixinho, quase que só em sua própria mente, tentando imitar a voz grave de seu mestre:

— Uma ninja tem que saber a hora certa de agir.

Repetiu cada palavra dita pelos dois homens sem entender nada. — Plei... — parou por um segundo — ele tá vivo por causa dessas... plei... pleimade... — continuou, ainda observando o que os dois falavam, até que notou que os olhos de seu mestre se encheram de lágrimas. Com a luz parca da manhã entrando no quarto, iluminando o quarto de maneira desigual, mas dando ao local um ar aconchegante, como um lar em eterno conflito, mas ainda assim um lar, bem aí, ao ver aquele rosto cheio de lágrimas, sentiu como se estivesse olhando no espelho e seus olhos se encheram de lágrimas também. Não era como se entendesse o motivo daquela tristeza, mas sentiu uma dor no peito, leve, insistente, como se algo que estivesse guardado a tanto tempo quisesse sair. Seu mestre desviou o olhar imediatamente, ela não entendeu o porquê, sabia que ninjas não podiam chorar, mas ela mesma quebrava essa regra a todo o momento e seu mestre, pelo menos naquela ocasião, não parecia muito diferente dela.

Ele se aproximou dela, Kaori se sentou na cama e ele se ajoelhou, abriu um sorriso, como se aquelas lágrimas de outrora nunca tivessem existido. — Não faz isso, por favor, não sorri desse jeito — ela pensou, como se aquele sorriso fosse mais doloroso do que os olhos cheios de lágrimas do homem. Ouviu as palavras de Yopparai e sua expressão foi de uma imensa frustração, não que não gostasse de Fuyuki, para ela qualquer coisa que se mexesse era carismático o bastante pra ser um bom amigo, mas aquela viagem mágica de mestre e aluno morreria ali. Respondeu para seu mestre, usando aquele ensinamento que agora tinha quase como um mantra:

— Um ninja tem que saber quando agir — e sorriu, fingindo está de acordo com a decisão, decisão que nunca foi dela e que ele provavelmente nem se preocupou em ouvir. Sentiu o toque de seu mestre em sua cabeça, sua face corou, não porque estava envergonhada, mas porque ela sabia que seu mestre tinha orgulho dela, confiava nela o bastante para que seguisse sem ele. Antes que pudesse dizer qualquer outra coisa ele saiu, só parando para ouvir as palavras que, para Kaori, pareciam misteriosas demais.

Ficaram a sós Fuyuki e Kaori, a menina, como sempre, superou aquele pequeno percalço, com a certeza de que Fuyuki era muito forte, forte o bastante pra ser amigo de seu mestre. Aprontou-se, tentou seguir seu ritual matinal o máximo que podia e partiu junto ao homem. Passou a maior parte da viagem olhando pela janela, apontando para tudo que via que fosse diferente do que era acostumada a ver na sua aldeia.

— O mestre é forte mesmo, né? — tentou puxar assunto com Fuyuki — Será que ele vai conseguir ajudar aquela moça, sozinho?

Que pergunta besta! Óbvio que conseguiria, afinal, existia alguma coisa ou alguém naquele mundo que seu mestre não conseguisse lidar? E assim prosseguiu feliz com sua nova e silenciosa companhia.

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Palavras (Word 2010): 983

Kaori prestava atenção nas palavras de Fuyuki, aumentando ainda mais sua admiração pelo seu mestre, mas se dispersou quando ele falou do mar. Tirou o cabelo que caía por cima dos olhos e disse bem baixinho:

— O mar...

Ela nunca tinha visto o mar, exceto, é claro, nas revistas ou na televisão. Passou o resto da viagem calada, acompanhando a paisagem, ansiosa para ver o tal “mar” se ele era isso tudo mesmo que falavam. Os dois irmãos Tomodachi, Kimy e Utsu, costumavam viajar com os pais e, segundo eles, o mar era algo bonito, ás vezes assustador, mas na maioria das vezes acolhedor.

Algumas horas depois o mar surgia, contrastando com a coloração verde que ela tinha visto até então. No momento que o viu, a menina sentiu um misto de medo e admiração, seus olhos se iluminaram diante daquilo que mais parecia um pedaço de Deus manifestado na terra. O cheiro e a brisa do mar mostrava que a própria “entidade” tinha orgulho de mostrar sua beleza para todos, enviando pequenas ondinhas, como uma mesura entre dois amigos que se veem pela primeira vez.

A menina desceu e não deixou de comentar:

— O mar é mesmo incrível, Fuyuki-san. — E caminhou junto ao ninja até aquela embarcação. Como toda pessoa que viaja pela primeira vez todas as coisas pareciam impressionantes demais, e como Kaori já era uma idiota que se impressionava com facilidade, aquela embarcação, mesmo o senhor de cabelos grisalhos, tudo, parecia tão maravilhoso, que ela foi tomada por uma felicidade e animação. — Esse lugar é tão incrível! — comentou, com sincera satisfação.

Viu a careta que o homem fez com o cheiro de peixe que preenchia o local e riu, simplesmente porque ria de tudo, mas não estava incomodada, muito pelo contrário, era tudo tão diferente e, como de costume, apenas se deixou levar pelo momento.

A menina aceitou que já era tarde e decidiu deitar, porém, mais que isso, estava ansiosa para ouvir as histórias de aventura de seu Mestre e de Fuyuki. Não tardou estava deitada ao lado do homem, na expectativa pela história entre os dois amigos.

A menina não conseguia esconder, durante a história, a ansiedade pelo resgate da garota, a aflição pelos problemas que Fuyuki passou e a alegria de saber que Yopparai era forte demais para resolver tudo.

— Você sempre vai vir em primeiro lugar, irmão... — repetiu.

Embora não fosse de entender as coisas com facilidade, aquelas palavras pareciam fortes demais para passarem despercebidas, revelavam muito da índole dos dois amigos, mas também dava aquele quadro em branco que era a Kaori, assim como eram a maioria dos ninjas mais jovens, uma filosofia a seguir. — Um amigo sempre em primeiro lugar — concluiu, depois olhou para o homem para ouvir mais da história.

Ao descobrir sobre a terceira companheira do grupo ficou ainda mais impressionada. Ela parecia ser realmente forte, até mais forte, e desculpe o pecado, do que Yopparai.

— Que demais! E onde está ela agora? Qual o nome dela? — ela estava realmente interessada naquela mulher, quem sabe as duas não se encontrariam quando chegasse a seu destino?

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Palavras (Word 2010): 517

A menina caminhou pelas águas acompanhando boquiaberta cada elemento da paisagem, que se estendia de norte a sul, sem pudor, revelando toda a beleza das criaturas que viviam abaixo e acima das águas, tudo numa harmonia tão perfeita que para a menina estavam dançando ao redor dela.

Assim que chegaram em terra firme ficou ainda mais impressionada pela figura que lhes recebia, que mais parecia a representação do diabo, não disse nada, muito embora se escondesse atrás de Fuyuki com as mãos na bainha, pronta para sacar sua espada. Foi tranquilizada quando, mesmo com os olhares curiosos de todos ali, estava dentro de uma casa grande, como se pertencesse a alguém muito importante. Estava acostumada com o inverno ameno da Vila da Pedra, mas nada como aquilo, de maneira que quando sentiu o calor envolvendo seu corpo seus olhos se encheram de lágrimas, suspirou fundo sentindo o cheiro do lugar e olhou de um lado a outro, curiosa por cada detalhe da construção.

Foram recepcionados por uma mulher linda, que lhes serviu um chá delicioso, que contribuiu ainda mais para a sensação de bem estar da menina. Se a viagem de barco tinha sido, no mínimo, incômoda, a chegada a terra da neve, tinha tornado tudo mais confortável. Mesmo a neve branca lá fora, que parecia quase cegar qualquer louco que a encarasse diretamente, parecia como as nuvens de um céu de verão, tamanho eram as formas e sua distribuição contínua, quase como se fosse infinita.

O velho que entrou cerca de dez minutos depois, enquanto a menina bebericava silenciosamente sua bebida, com sua face austera, lembrou muito a maneira com que o avô a tratava. Nunca pensou em ouvir alguém chamando Yopparai de incompetente:

— Não fala assim do meu mestre! — disse irritada.

Só teve tempo de ver Fuyuki responder e partir dali, deixando ela sozinha com aquele senhor. — Fuyuki-san! — gritou, decepcionada — Droga... Mais uma vez sozinha — voltou seu olhar para o velho que mandou ela mostrar o que sabia, pegou a espada da moça e segurou-a com força, seu rosto assumindo uma expressão séria, a brincadeira tinha acabado.

— Vou impressionar ele mostrando uma das técnicas que meu mestre me ensinou — pensou.

E no ar começou a realizar uma série de cortes rápidos e fortes o suficiente para cortar o ar. Depois guardou a espada em sua bainha demonstrando seu domínio total na arte das espadas.

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Jutsus Usados:

Palavras (Word 2010): 396