Eu nunca entendi porque eu me sentia assim, uma extrema sensação de inferioridade em relação aos demais, como se todos tivessem apontando o dedo pra mim e dizendo:

“Como você é fraca!”

Com aqueles sorrisos escabrosos e amarelados de cigarro. Esse é o mundo em que vivemos, uma realidade viu que caminha para a autodestruição. Destruir tudo e todos, sim, esse é um objetivo e tanto para alguém, não é? Não, o poder é o único objetivo válido do mundo, reformas e revoluções são bobagens. Devemos aceitar o demônio dentro de nós e…








Minha irmã não para de gritar, hahaha! Por que eu me sinto estranha? Por que ouvir os gritos dela me enche de um sórdido prazer!? Não, ela já não está aqui, mas só a lembrança de sua carne sendo cortada, de seus olhos furtivos, cheios de lágrimas e sua pele suada, só isso já é capaz de me preencher de um deleite que eu jamais pensei que sentiria!




“Tomie… Para, por favor!”

“O que foi irmãzinha, só estamos brincando, não é?”

As pernas dela estavam tão amarradas que deixaram lindas marquinhas roxas! Ah, mas o que importa? Ela não era capaz de andar mesmo não é? Infelizmente o sangue corrompido dos meus pais deram origem aquela minha outra parte defeituosa, uma criatura fraca que deveria ser extirpada da sociedade, um demônio que roubou a minha aparência! Nada mais justo que tomá-la de volta, não é mesmo?






“Você… tem certeza que vai funcionar, irmã?”

Encostei minha mão na testa da minha pequena e defeituosa boneca, senti o quanto ela estava febril e meu coração se compadeceu…

“Claro que sim, irmãzinha, mas se você gritar…”

Se ela gritasse tudo estaria acabado!

Se ela gritasse ela não teria tido o destino que teve!

Não grite, por favor…  

Você é o meu holocausto.

Minha boneca

Querida boneca.

“Se você gritar papai e mamãe não vão deixar eu curar você.”

A menina me encarou com o olhar desconfiado, mas eu nunca tinha dado a ela motivos para desconfiar de mim, eu aguentei aquela criatura imunda e agora estava cobrando apenas a recompensa de tê-la aturado por todo esse tempo, nada mais justo, não é? Afinal, eu não fui uma boa irmã todo esse tempo?




“Olhe é a aleijada da Meiko!”

“Venha aqui, Meiko, ah é, você não pode”.

“Vamos até ela então”.

A heroína se aproxima, forte e corajosa atrás daqueles três garotos.

“Saiam de perto dela, agora”.

A heroína mantém olhos firmes contra os vilões…

Inveja! Tomie, como eu queria ser você, como eu queria usar as suas pernas, minha querida irmã, como eu queria ser você, como eu queria estar te protegendo e não ser protegida por você… Eu te invejo irmã, assim como também te amo, meu Deus, maldito Deus! Como eu te amo, Tomie.

Tomie, a heroína que, para proteger sua irmã, apanhou. No chão sentiu, com seu pequeno nariz escorrendo sangue enquanto os rapazes corriam. De costas para a irmã, a heroína limpava o sangue de seu rosto enquanto distante, o pai vinha até elas.

“Irmã… Você…”.

“Não diga nada, Meiko, eu sempre vou cuidar de você”.

Um sorriso, um terrível sorriso inundou o meu rosto naquele dia, oito anos atrás, oito anos atrás eu tinha ganhado a confiança dela e dos meus pais, ah, como eu sou uma boa irmã, a perfeita Tomie defendendo a sua contraparte quebrada, Meiko…






“A dor significa que está funcionando, irmã!”

“Eu vou andar, Tomie, eu vou andar minha querida!”






“O que significa isso, Tomie?”

Eu vou consertar tudo, você só precisa fechar os olhos, vamos, morda meu braço, deixe eu sentir a dor que você está sentindo enquanto eu te curo e te salvo, como sempre fiz, não é?

Eu sempre estive lá por você.

“Você sempre vai estar?”

“Até que se findem os dias”.

Beijei a testa dela e estiquei meu braço esquerdo, ela mordeu, à medida que a lâmina penetrou os músculos da panturrilha sua mordida se tornava mais intensa. Meus olhos se encheram de lágrimas, a dor, como eu odeio a dor, mas saber que aquele sangue que escorria do meu braço, que inundava a boca daquela aberração, não era metade da dor que ela sentia, me dava uma nova e fiel perspectiva do martírio de minha presa.

Tirei a lâmina.

Um corte alguns centímetros abaixo do umbigo, profundo o suficiente para que aquelas peças nojentas que faziam aquele corpo funcionar, escorrerem.




“Você achou mesmo que uma porquinha como você voltaria a andar? HAHAHAHAHAHA!”

Gritei

Gritamos:

“Papai!”

“Papaaaaai!”

Venha ver…

Eu resolvi tudo, eu curei ela, está orgulhosa de mim papai, viu como eu sou uma boa irmã e filha? Eu acabei com o sofrimento dela!

“Tomie… O que  você fez?”

Sorri e disse, próximo ao ouvido dele que segurava o corpo morto da Filha:

Enfim, o sofrimento Dela tinha acabado, uma pena.

“Pai… É melhor você enterrar Ela logo; se não, a polícia vai vim me pegar.”

E ele aceitou, assim como a mãe também, mas jamais perdoariam a filha

E é isso que ela mais queria…

Hahahaha

É isso que eu mais queria.

Aquela noite dormi abraçada no travesseiro Dela e, por deus, eu nunca tive sonhos tão belos e tranquilos em toda minha vida!

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