O HOMEM DE CABELOS ESPETADOS MANTINHA os braços cruzados a frente do peito. Por trás das lentes escuras, os olhos afiados como espadas miravam a frente do portão da aldeia enquanto ele pacientemente aguardava o retorno de uma de suas aves cor de noite. Ele parecia saber quando cada uma das suas voava de volta para si, não precisava ver para ter a certeza de que em alguns minutos o bater de asas vindo da esquerda terminaria com o sutil toque das pequenas garras em seu ombro.

Cuorc, o som lhe invadiu os tímpanos com uma mensagem clara; e Aoba anuiu.

Horas antes, estava reunido com o Sexto em seu gabinete, tombado sobre um de seus joelhos em uma posição de respeito que o Mizukage jamais fizera questão. Talvez por ser muito moço ainda, ele podia se lembrar de quando Warui ainda era apenas um genin problemático que jamais prestara respeito a qualquer Sombra, nem mesmo à Quinta. Talvez ele esteja se punindo.

Os intensos olhos borgonha o miravam por sobre os dedos entrelaçados diante dos lábios, como o outro quase sempre ficava. Das pilhas de papel ao seu lado, havia destacado uma única em específico, que mostrava uma menina de longos fios de cabelo finos e negros como azeviche e grandes olhos cor de âmbar cravados num rosto de pele branca como porcelana. Uma cicatriz característica pouco acima do nariz cruzando as duas maçãs do rosto não permitiriam dúvidas quanto a quem ela era.

— Lembro de já tê-la visto aqui e ali, ela costumava...

— Ela é ligada à Ovelha. — a Sombra o interrompera, sem fazer qualquer rodeio.

— Perfeitamente, senhor. — respondeu, já habituado ao jeito de seu líder.

— Tenho um pedido. — a tempestade seguiu; Aoba guardou-se em seu silêncio pacientemente. — Teste-a.

— Como desejar, senhor.

A baforada gélida que tocava seu rosto era como o sopro da própria morte se aproximando. O corvo se aprumou, e mesmo ele não suportava a temperatura daquela madrugada. O manto negro o cobria do pescoço aos pés e ainda assim o corpo estremecia com um sopro mais forte. Levou a mão direita com um punhado de milho em direção ao bico da ave, um pequeno agrado para sua fiel parceira. Bastava aguardar pela chegada da garota, as mensagens haviam sido entregues em pequenos pergaminhos com avisos diretos. “Me encontrem no portão norte do vilarejo” e os katakanas com o nome de Aoba assinavam logo abaixo.

Não havia indagado diretamente a ele, mas se questionava: o que o Sexto viu nela?

Considerações:

— Finalmente chegaram — sua voz escapou em um sussurro para que somente seu corvo fosse capaz de ouvir.

Ao longe, via a garota de olhos de âmbar se aproximando e os três a seguindo de longe, vindo juntos como era de costume. Seu corpo foi sendo desfeito ao passo que uma revoada de aves negras se desprendia de cada parte de si. Eles se reagrupavam alguns metros a frente do portão, a uma distância que os quatro já poderiam notar. Ele posava com os braços cruzados a frente do peito e seu corvo se reajustava num novo bater de asas, desta vez mais quieto.

Se a menina olhasse para os lados, notaria três rapazes de traços semelhantes, com os mesmos cabelos castanhos e olhos grená, apenas os penteados eram diferentes. Um deles tinha um topete alto; o outro parecia ter cortado os fios lisos com uma cuia; e o último tinha um estilo cuidadosamente bagunçado. Eu não sei o que o Sexto viu nesses daí, guardava para si a opinião que tinha sobre os quatro.

— Ouçam com atenção. — não respondeu diretamente a menina, já dirigindo a palavra a todo o grupo. — Chamei os quatro aqui pois o próprio Mizukage pediu que o fizesse e sintam-se lisonjeados, fora um pedido nominal. — sua voz era firme e o tom baixo em respeito à madrugada que caia sobre a Névoa, mas bom o suficiente para fazer-se ouvido.

Sua mão direita sacou um pergaminho do bolso da frente de seu colete verde musgo. A letra “B” se encontrava em toda a extensão do rolo e ele estendia para a direção do pequeno grupo.

— Todas as informações necessárias estão neste pergaminho. Decidam entre si quem será o líder e podem seguir.

Pergaminho:

Considerações:

— VOCÊ DISSE QUE FOMOS ESCOLHIDOS PELO MIZUKAGE? — a voz da menina quase não escondeu a surpresa, mas Aoba a captou.

— Nem sempre entendo as intenções de nosso líder, confesso. — ele velou um desprezo com as palavras, mas o tom era um tanto debochado.

Notou que a garota de olhos dourados tomou o pergaminho em mãos e ela mesma o rompeu. Não precisaria observá-la por muito tempo para notar que o rank da tarefa lhe causou algum espanto; em contrapartida, seus três companheiros permaneceram quietos, apenas fazendo a leitura corrida do papiro. A escolhida foi, outra vez, a primeira a quebrar o silêncio após tirar suas próprias conclusões. Por trás da lente negra, ele a perscrutava com seus duros olhos de azeviche.

— Matar ou prender renegados jamais seria uma tarefa dada a genins, preciso que coletem o máximo de informações possíveis e... — mirou o trio inclinando a cabeça levemente para frente, despindo seus orbes por alguns instantes. — ... voltem vivos. — ele ajeitou os óculos com o indicador direito.

Viu de longe a espadachim buscar o primeiro contato com o trio que partiria consigo. Os irmãos eram conhecidos por serem incrivelmente leais e educados, do tipo que fariam o que fosse necessário pela Névoa, ainda que lhes custasse as próprias vidas. Cada um deles retribuiu o aperto de mão oferecido pela menina e anuíram com semblantes brandos quando ela assumiu para si a liderança do pequeno grupo.

— Me chamo Kin, eu sou mestre em ninjutsu. — respondeu o rapaz de topete.

— Eu sou Gin, e eu domino amplamente a arte do taijutsu. — emendou o com o penteado bagunçado.

— E eu me chamo Dō, o genjutsu é a minha especialidade. — findou o cabelo de cuia.

— E é um prazer conhecê-la, Kyōsha-san. — disseram em uníssono.

Um quorc do corvo escapou enquanto um sorriso brincou nos lábios do homem sob manto negro. Ouvira cada palavra dita pelos rapazes e pela moça e toda a cena tinha alguma graça para si. A nostalgia? Talvez, afinal um dia já esteve no lugar daqueles ali. Notou que a Wasure não somente assumira a liderança como definiu as funções de cada um, ficando um tanto surpreso. Um mestre em ninjutsu para vigiar a floresta pode ser eficaz, mas tem seus problemas; um gênio do taijutsu como guarda costas é uma escolha sábia e um exímio usuário de genjutsu para fazer a função de rastrear é um pouco duvidoso. Havia lido o relatório completo feito pelo Sexto a respeito dela e ali foi que se surpreendera, o desgraçado se tornou mesmo uma figura impressionante.

Os quatro não demoraram a desaparecer como vultos no meio da noite e o pequeno corvo bateu suas asas quando os corpos foram engolidos pela escuridão. O vento deslizava pelas penas da ave suavemente enquanto seu bico a ajudava a quebrar a resistência do pesado ar gélido da madrugada. As relvas camuflavam sua penugem cor de noite enquanto acompanhava atentamente cada passo do grupo.

— Kyōsha-san, eu... — disse o cabelo de cuia, depois de se aproximar, mas sua voz rapidamente foi devorada pela noite.

O grito do rapaz fora levado para longe, como se no momento em que a sola de sua sandália tocou o galho, algo o puxasse para baixo e nem mesmo o tunc úmido de um corpo tocando no piso molhado da floresta seria ouvido. Os irmãos rapidamente se postaram à retaguarda da líder, mas a luz da lua jorrava sobre seus olhos que mesclavam fúria e pavor. Um embate contra um desconhecido ou um inimigo invisível se desenhava; qual decisão tomaria olhos de âmbar?

Pergaminho:

Considerações:

A distância entre a espadachim e seu alvo foi cortada numa fração de segundos. O deslizar do aço para fora da bainha permitiu apenas o arregalar dos olhos da presa quando o fio lhe alisou a garganta, tingindo a katana em carmesim. O movimento dos vultos cessou, nem um passo a mais fora dado como se tivessem notado o avanço letal da genin da Névoa.

Do solo, quatro kunais voaram na direção dos irmãos, que conseguiram evadir trocando de um galho para outro. A ideia de que o antagonista havia entregado sua localização, Gin disparou para a escuridão, movido pela fúria silenciosa que o consumia e espantava o medo; quiçá, uma escolha ruim e que poderia desfalcar ainda mais o grupo liderado pela kunoichi.

Kin conhece seu irmão como poucos e sua capacidade de pensar rápido era ainda mais impressionante que suas proezas com ninjutsu. Os dedos se entrelaçaram rapidamente, um movimento blindado pelo breu. Encheu os pulmões de ar e soprou quatro bolas de fogo rondando Gin para iluminar seu caminho. As chamas se embrenharam na grama e revelaram dois homens completamente vestido de negro.

Gin, no entanto, não estava lá.

Como seu irmão, parecia ter sido devorado pela floresta. Não houve grito, não houve ruído; a espadachim tinha apenas Kin a sua disposição, com o campo iluminado e um dos oponentes eliminados. O clímax se aproximava e restava a ela tomar mais uma decisão. Com sua espada banhada em sangue, seria ela tomada pela frieza assassina?

Pergaminho:

Considerações:

Os olhos negros do corvo admiravam a cena da espadachim agindo ao chamar a atenção de Kin, o único dos três irmãos que ainda a acompanhavam. Como uma verdadeira líder, cobrava do subordinado uma boa explicação para não acatar suas ordens; mas não a teria.

Um cuorc escapou no meio da noite silenciosa enquanto a dupla se comunicava em voz baixa. O rapaz anuiu, obediente e levemente amedrontado com o desaparecimento de seus irmãos, o coração batia mais acelerado que o normal e ele sentia um nó na garganta o perturbar.

A estrela de aço rasgou na noite, fincando num tronco iluminado pelas chamas que iluminavam a dupla da névoa. Um único vulto se esgueirou por entre as sombras, com passos pesados esmagando a grama, lançando-se de frente para aquele que conseguia farejar o medo.

Se a menina se virasse e decidisse interceptar, se depararia com um par de olhos azuis como o oceano e uma pele clara no entorno com traços da expressão delicados como os de uma mulher. A kunai na mão direita movia-se para beijar a garganta do irmão mais velho.

O clímax da missão se aproximava e a líder do que agora havia se tornado uma dupla se via diante de um combate direto. Ouso pensar que é o momento em que ela se sente mais confortável; a decisão não seria difícil desta vez.

Pergaminho:

Considerações:

DOS FINOS LÁBIOS DO GENIN DA NÉVOA, o ar se transformava em uma grande esfera flamejantes, repetindo um movimento que usou mais cedo para auxiliar seu irmão mais novo. Os grandes olhos de oceano se arregalaram por baixo das vestes negras, mas um sorriso brincou nos lábios que se escondiam.

Poucos passos separavam os dois quando apenas uma das mãos dela desenhou um selo e ergueu um grande muro de pedra que interceptou o ataque antes que se chocasse contra seu corpo em cheio. Ainda havia cinco metros os separando, mas por algum motivo, ela optou por parar seu avanço, deixando seu corpo fora do campo de visão da espadachim e do garoto de topete.

Assistindo tudo do alto, o corvo parecia deleitar-se com a peleja que se desenrolava à luz das chamas que pouco a pouco tornavam o cenário mais claro. A pequena poderia agir novamente e tentar outro assalto, mas o elemento surpresa favorecia os antagonistas; e ainda há um segundo elemento que se guarda nos braços da escuridão.

Um jogo de estratégias se apresentava diante de alguém que havia se especializado em matar a sangue frio, muito parecida com ele quando era mais jovem – analisava calmamente o espectador. A capacidade de tomar decisões difíceis e, quiçá, vencer o embate seriam fatores chave para que a kunoichi saísse de lá com vida.

Pergaminho:

Considerações:

O SANGUE ESCORRIA PELA LÂMINA DA GENIN. Os antes vívidos olhos azuis da antagonista davam lugar a uma expressão sem brilho algum. A luz a cegou enquanto esperava pelo próximo passo que tomaria a espadachim da Névoa, a aprisionando numa surpresa genuína. Estava pronta para interceptar mais um golpe da dupla quando o fumo blindou o assalto de Kyōsha, que era hábil e veloz com a katana, e também com as estrelas de aço.

Primeiro, as shurikens se fincaram entre o peito e o abdômen da mulher; tão ágil e leve quanto o sopro da brisa que dançava na noite macabra, a shōgi beijou a garganta de sua presa com o toque gélido da espada em seguida. O corpo da nukenin tombou num tunc úmido e a grama tomava o tom carmesim do sangue que empoçava sob a antagonista.

O som de aplausos vinha das sombras, caminhando por entre uma fresta no círculo de fogo que iluminava o campo de batalha. O rosto permanecia guardado na veste negra que caracterizava o trio, mas os ferozes olhos azuis podiam ser vistos à luz bruxuleante das labaredas que o contornavam – eram tão afiados quanto a katana que a genin empunhava.

— Você é mais habilidosa do que todos os outros que pisaram aqui antes de você, mas... — o homem abriu os braços e ergueu os ombros, não parecendo reconhecer verdadeiramente a força da dupla ainda que estivesse em desvantagem. — ...se me matar também, lembre-se que seus dois amigos podem estar vivos. — o tom debochado se embrenhava na voz serena e ele cruzava os braços a frente do peito. — O que me diz de negociarmos, garotinha?

Pergaminho:

Considerações:

A ESPADACHIM TOMARA UMA DECISÃO QUE QUASE ARRANCOU um suspiro de alívio do renegado. Ele descruzou os braços e estalou os dedos da mão direita duas vezes e os corpos os irmãos de Kin emergiram da terra como se fosse um lago. Nenhum deles possuia um arranhão sequer e quando os pés estavam sobre a superfície outra vez, correram na direção do irmão que lutara ao lado da kunoichi, que não hesitou em fazer o mesmo e se emaranhar num abraço que trazia alguma paz para o menino.

— Veremos agora o quão fiel à sua palavra você é, garota.

O último dos renegados se levantou, tendo sua predadora mais perto ainda e com a ponta da katana apontada para si. Ficou inerte diante dela por alguns segundos, sem ter as mãos nem ao menos próximas da bolsa de equipamentos. Àquela distância, ele sabia que era um alvo fácil, mas também não se tratava de alguém sem recursos embora estivesse em ampla desvantagem.

Se ela não avançasse, ele apenas desapareceria em meio às trevas que devoravam a floresta outra vez à medida que as chamas se recolhiam e sucumbiam às brisas gélidas que tomavam a noite na Névoa. Um ataque, no entanto, poderia por em risco não apenas ela, como os garotos – uma armadilha poderia ser uma última carta na manga do nukenin. Se ela pensar com cuidado, tomará a decisão mais sábia para o momento. Os olhos do corvo brilhavam à luz da lua cheia enquanto a tensão parecia tomar tanto a presa quanto o predador.

Pergaminho:

Considerações:

— EU JÁ VI O SUFICIENTE. — a voz do Sexto ecoou na noite, alta o suficiente para que a garota pudesse ouvi-lo. — Kai.

O cenário macabro seria desfeito em uma floresta comum que rondava o vilarejo, as chamas que iluminavam desapareceriam como se jamais tivessem estado lá. Os três irmãos que tinham olhares vazios uniriam as mãos em seguida, formando um único selo. Foram todos abraçados por cortinas de fumaça branca antes de revelarem três seres vestidos em mantos negros e com os rostos cobertos por máscaras de porcelana. Uma pequena revoada corvos barulhentos trouxe o homem de óculos para perto outra vez, sua silhueta sendo moldada a cada bater de asas que se agrupava.

De trás de uma das grandes árvores cujas copas se erguiam imponentes, Warui caminhou lentamente na direção da garota de personalidade forte que ele esteve a todo momento avaliando cuidadosamente. Seus olhos borgonha brilhavam num feixe da luz da lua que jorrava sobre si enquanto seus passos calmos amassavam a grama. A brisa batia suavemente o grande manto branco sobre seus ombros, até que o Sexto parou diante da shōgi.

— Wasure Kyōsha, — falava o nome dela em tom brando, com a mão direita conduzindo o olhar dela para os três caçadores. — estes são Cão, Raposa e Doninha, três dos shinobis em quem mais confio em toda a aldeia.

— Lembra que disse que foram todos escolhidos a dedo pelo Mizukage? — Aoba emendou, com um sorriso singelo em seu rosto antes carrancudo.

— A todo instante estiveram presos em uma ilusão minha, meu desejo era ver se você possuía o que era necessário para tornar-se uma chunin.

— E você começou bem quando assumiu a liderança do grupo, Kyōsha-san. — era a voz doce de um dos mascarados, aquele cuja porcelana desenhava um cão.

— Um chunin não é aquele que lida melhor com combates, mas aquele que é mais capacitado a conduzir uma equipe ao sucesso da missão, ou, em último caso, trazer todos a salvo para casa. — os braços do líder da vila se cruzaram dentro das mangas de seu kimono negro debruado em carmesim. — Uma missão em que se falha é algo que irá te atormentar por algum tempo; perder seus aliados e carregar esta culpa será um pesadelo que durará para o resto de sua vida.

O Mizukage estendeu sua mão direita na direção da menina, fitando-a naqueles grandes olhos cor de âmbar.

— Meus parabéns, garota. — ele tentou sutilmente esconder que havia esquecido o nome dela, esperando que respondesse o cumprimento. — Agora é uma chunin da Névoa. Nunca mostre menos do que mostrou aqui, a partir de hoje situações como esta podem vir a fazer parte de sua realidade.

Seu olhar afiou-se uma última vez enquanto a encarava. Aoba notou a forma como ele o fazia e achou certa graça, mas guardou para si até mesmo a vontade de sorrir. O Sexto via nela parte do shinobi que ele próprio um dia fora e aquilo era tão curioso quanto intrigante.

Pergaminho:

Considerações: