No ponto mais extremo da colina, completamente coberta de neve, uma garota aguardava ao lado de uma cerejeira. Era tão atraente como sugeria, a bela moça de corpo curvilíneo com uma espada amarrada em sua cintura, ao lado da árvore com pétalas das mesmas cores que os seus fios. Indiferente em relação à neve, já completamente acostumada com o clima gélido de onde morava, ela apenas encarava o horizonte além da colina. Paciente, esperava.

Um pouco abaixo, o forasteiro subia o morro de neve com dificuldade. Hayao se encontrava no País do Ferro pela primeira vez, e como um indivíduo que já estava acostumado com o ambiente intenso da Folha, aquela neve era apenas um empecilho. Guiado pelas instruções de Haerin, buscava encontrar ali os ensinamentos necessários para se tornar apenas um com a sua espada. Frustrado, sentia estar perdendo seu tempo até que notou a figura feminina no topo da colina de neve, ao lado da cerejeira. Acho que ela pode me dar alguma instrução do que fazer nesse lugar, pensava. Mas ela ajudaria muito mais do que apenas guia-lo naquele mar de neve, ele apenas não sabia disso, ainda.  

Quando chegou no topo da pequena montanha de neve, encheu o peito para apresentar-se à moça e questioná-la se ela poderia lhe tirar uma dúvida. Mas antes mesmo de descolar os lábios, a garota o antecipava e revelava para ele o seu doce tão de voz, tão singelo como a neve que caía sobre os ombros do Tokujo.

— Ah, finalmente, você chegou! — O sorriso que ela exibia era tão atraente como a própria garota, que usava uma manta preta para cobrir o corpo, deixando escapar apenas o ombro direito que exibia uma tatuagem de flores. — Estive esperando por muito tempo para conhecê-lo!

—Me desculpe? — Hayao expressava sua dúvida, aproximando as sobrancelhas ao mesmo tempo em que dava um passo para trás. — O que quer dizer com “me conhecer”? Você sabe quem eu sou?

— Você é o filho do Mestre, isso é óbvio! — Ela continuava sorrindo, mas agora também esticava o braço e apontava para a espada que Hayao carregava em sua cintura. — Posso reconhecer essa espada até com os olhos fechados. Será um prazer te ajudar no seu treinamento!

Considerações:

A neve começou a cair mais lentamente. Hayao olhou para a espada em sua cintura, a mesma que havia recebido de Haerin anos atrás, a katana que ele carregava consigo para cima e para baixo desde então. As palavras da garota fizeram um pouco mais de sentido na mente do Tojuko, e ele sentiu seu peito levemente apertado por um instante.

— Essa espada... — ele desembainhou o armamento, olhando para a garota após encarar a lâmina por alguns segundos — ...eu recebi de Haerin, a filha do antigo portador. — Lembrar de sua amiga de infância era de certa forma reconfortante, ainda mais quando se tratava das boas memórias que eles haviam moldado juntos. — Infelizmente, não tive a honra de conhecer o seu “Mestre”.

— Ah, sim, eu entendo. — O sorriso da garota de fios rosados sumiu por um momento, mas ela rapidamente voltou ao seu semblante costumeiro antes de prosseguir. — Mas agora não é hora de relembrar do passado. Devemos apenas vislumbrar o futuro! É por isso que você está aqui, não é?

E então, com movimentos tão rápidos que Hayao quase não era capaz de acompanhar, a garota ergueu sua longa espada e saltou na direção do forasteiro. Como um ato de puro reflexo, Hayao apenas bloqueou a investida da garota utilizando a sua lâmina, sem saber direito o que estava acontecendo.  

— Você precisa entender a sua espada não como um objeto, mas sim como uma extensão do seu corpo, pra chegar ao menos perto do nível do antigo dono dessa sua katana! — E novamente, com uma velocidade que Hayao jamais havia presenciado, a garota tentava desferir um golpe que percorria na direção do pescoço do aspirante a samurai, claramente capaz de decapitá-lo caso ele não se defendesse a tempo.

Considerações:

Nada se ouvia além do estalar das lâminas se chocando repetitivamente, como se uma batalha de vida ou morte estivesse acontecendo no alto daquela colina de neve. E, de fato, era essa a interpretação que Hayao tinha do momento. Era possível sentir o seu suor quente escorrendo de sua testa, como se a geada do País do Ferro tivesse ido embora apenas com o efervescer do seu corpo.

Ele tinha dificuldades em bloquear os golpes da garota samurai, a habilidade que ela tinha com a katana fazia o Tokujo parecer um iniciante na arte do Kenjutsu, como se não tivesse passado dias e dias treinando ferozmente para melhorar o seu combate com a espada. Mas não era isso. Na realidade, era a garota que tinha uma agilidade fora do comum. Seus golpes eram muito velozes, além de que ela parecia entender os movimentos de Hayao antes mesmo dele pensar em como iria se movimentar. O nível entre os dois combatentes era muito para que aquilo sequer pudesse ser chamado de duelo.

E não chegava a ser apenas isso. O semblante singelo da garota fazia parecer que ela sequer estava lutando com tudo o que podia. Não estava ofegante, não esboçava uma grama de cansaço e no final, Hayao sentia como se sua oponente estivesse apenas se segurando para não o cortar ao meio. Como ela pode ser tão diferente? Internamente, o ninja da Folha sentia que lhe faltava o conhecimento a respeito de algo que ele não fazia ideia do que era. Ou talvez ele já soubesse o que era, apenas não havia o entendido completamente.


— Nenhuma vez? — Hayao questionou, como se estivesse duvidando das palavras de sua amiga violeta, que enfaixava a mão do menino com a delicadeza que somente ela possuía. A garota sorria antes de responder, sentia-se orgulhosa ao relembrar de seu pai, e mais ainda ao pensar no fato de que ele nunca havia se machucado enquanto fazia diversos serviços como um shinobi de Konoha, apesar de não se considerar um ninja apropriadamente.

— Nenhuma. Surpreendente, né? — Ela terminou o curativo, afastando-se lentamente do menino, mas sem tirar os olhos da mão que havia acabado de enfaixar, como se quisesse ter certeza de que o pequeno curativo não fosse se soltar por algum descuido. — Pronto. Acho que nem vai ficar uma cicatriz, você deu sorte dessa vez.

— Ele deve ter sido realmente incrível. — Hayao fechava o punho que não estava machucado, em frustração. Não porque queria ser mais habilidoso que o pai de Haerin, mas por pensar que ainda estava longe de ser alguém capaz de protegê-la, como o antigo dono de sua espada havia feito anos atrás.

— Ele era... — ela pausou por um instante antes de responder, como se quisesse encontrar a palavra mais adequada para descrevê-lo — diferente. Dizia que ninjas costumam pensar muito antes de agir, e quando precisam agir sem terem tempo para pensar, cometem erros. Mas samurais não. Samurais sempre sabem como agir, sem precisar pensar em como vão fazer isso. Por isso estão sempre um passo à frente dos ninjas.

Considerações:

Perdendo-se brevemente em suas memórias do passado, Hayao voltou para a realidade no momento em que quase foi atingido por um golpe da sua rival, que certamente o teria arrancado a cabeça se ele não tivesse desviado a tempo. Então, era isso que eu não havia entendido naquela época. Por mais estranho que pudesse parecer, era como se suas memórias estivessem passando em sua mente no momento certo, como se seu cérebro o quisesse dar a resposta para a pergunta que havia feito a si mesmo anteriormente.  

Não se tratava de apenas bloquear golpes com a espada, lutar como um mestre do Kenjutsu ia muito além disso. Ele deveria entender o movimento do seu adversário, estudá-lo, antecipá-lo. Os olhos do Tokujo fixaram no corpo da garota de cabelos cor-de-rosa por um momento, tentando entender a maneira como ela se comportava antes mesmo de realizar algum golpe com a sua katana. Sua mente trabalhava para, agora, não entender apenas a trajetória de sua lâmina, mas compreender também como ela se comportava, como toda a sua estrutura trabalhava para projetar seus movimentos.  

O próximo golpe da oponente veio, um golpe horizontal na direção do pescoço do rapaz, mas Hayao teve uma postura diferente dessa vez. Ao invés de simplesmente projetar sua lâmina na trajetória do golpe, ou de esquivar o corpo para evitar ser atingido, o Tokujo da Folha retraiu o dorso ao mesmo tempo em que esticou sua lâmina para cima, parando-a somente quando esta estava a um milímetro de cortar a pele fina da garota.

— Muito bom. — A garota expressou um sorriso, diferente de todos que ela já havia demonstrado anteriormente enquanto lutava contra o ninja de Konoha. Era claro o sentimento de orgulho em seu rosto, mais ainda de dever cumprido, estava passando adiante os ensinamentos que havia recebido do antigo dono da espada de Hayao, para o ninja que seria o seu sucessor e responsável por dar continuidade ao seu legado, ela não poderia estar mais satisfeita consigo mesma do que estava naquele momento.

Considerações:

Mas quando Hayao se preparava para executar mais um golpe e prosseguir com o aprendizado, a garota apenas realizou um salto para trás em uma velocidade tão alta que Hayao sequer podia acompanhar com os olhos, enxergando-a com clareza apenas quando ela finalizou sua movimentação. Surpreso, ali o rapaz entendeu que durante todo o treinamento a sua adversária estava apenas se segurando para guiá-lo, aquilo nunca havia sido uma luta de verdade.

— Eu adoraria continuar com seu treino, mas acredito que você já aprendeu o conceito principal da arte do Kenjutsu. — Ela parou por um instante, voltando seu rosto para o céu por um breve momento, ao passo que seu sorriso sumia lentamente e era aos poucos substituído por um olhar inexpressivo, com suaves tons de preocupação. — E também, receio que nosso tempo está se esgotando.  

Hayao também olhou para o céu escuro, na direção em que olhava a sua “tutora”. Por um instante, duvidou do que seus olhos enxergavam no céu noturno. A Lua de Sangue, foi como sua mente quis apelidar aquele fenômeno estranho que estava assistindo, com o satélite natural da Terra tendo sua cor alva cintilante sendo substituída por um vermelho único, como se o mundo todo estivesse prestes a ser banhado por algo tão ruim que ele não era capaz de imaginar o quê.

Entendo aquilo como um mau presságio, Hayao guardou sua espada e, cordialmente, agradeceu à garota com uma reverência prolongada. Com ela, havia aprendido mais sobre a arte do Kenjutsu em poucas horas do que sozinho durante toda a sua vida, e levaria aqueles conhecimentos adquiridos no treino para sempre, lembrando da garota toda vez que tiver de erguer a sua espada no futuro.  

Considerações: