Os trovões davam indício de um dia nublado e chuvoso dentro de Kumogakure no Sato. Era manhã, por volta das seis e pouca. Hiei fitava os comerciantes abrirem suas barracas localizadas no centro comercial com não muita pressa. A falta que o bendito fazia na vida do jovem era tremenda, ainda mais por ele não conseguir se virar tão bem, ainda. Sentia fome faz dias. Sequer cogitou roubar, afinal, seguia à risca os ensinamentos de seu mestre e única figura paterna, por mais que não fosse seu pai de sangue.

— E agora? Minha barriga não para de roncar… preciso comer, caso contrário, a morte do monge terá sido em vão. — Sussurrou sentindo o cheiro dos bolinhos fritos que uma senhora, no fim da viela, estava preparando para vender. Sua índole não lhe permitiria roubar, muito menos de uma simples senhora, entretanto, para sobreviver, sabia que deveria de ser feito.

O suspirou veio junto ao caminhar lento, disperso, na direção da barraca. Tentou se camuflar entre o aglomerado de pessoas que passavam na viela, afinal, tratava-se da principal dentro do centro comercial.

Vou tentar pegar uns dois bolinhos sem ser visto. O plano, mesmo que completamente improvisado, estava traçado. Próximo o suficiente, ficou fitando todos os bolinhos dispostos sobre a bancada de madeira. Bastava, agora, esperar a oportunidade perfeita.

— Quero três de lula com arroz, senhora. — E ali estava a sua oportunidade. Um homem, de não mais que quarenta anos, calvo e barbudo, se dirigiu a senhora, fazendo o pedido.

Tremeu um pouco antes de esticar a destra na direção dos dois bolinhos mais próximos. Hesitou, de fato. Sabia que poderia custar muito, entretanto, sua fome falou mais alto. Pegar os bolinhos com a mão foi fácil. O maior problema foi o que veio depois. Não havia olhado para trás e, portanto, não viu um outro comprador que, por sua vez, conseguiu ver bem Hiei roubando a comida.

— Ei moleque… vai mesmo roubar uma trabalhadora? Seu filho da puta! — Antes que ele pudesse segurar Hiei, o jovem começou a correr desesperado, dando leves mordidas em um dos bolinhos. Precisou se esquivar de todos que tentaram o parar. O semblante assustado, com certo medo, era nítido em sua face.

Quando já não aguentava mais correr, fitou uma viela enegrecida perto do subúrbio do vilarejo. Olhou para trás com um sorriso discreto, vendo que os que estavam lhe seguindo anteriormente, já não estavam mais, ou talvez estivessem longe o suficiente para sequer serem vistos. Preferiu esconder-se e continuar comendo, matando aquilo que o matava a dias. As mordidas vinham com um forte peso na consciência, porém, não paravam. Sentir o gosto dos bolinhos enchia-lhe de felicidade genuína, algo que não sentia há alguns anos.

Considerações:

Armas:

Para muitos ser um morador de Kumogakure era um orgulho, pelo menos para aqueles que foram beneficiados pelo luxo trazido de gerações passadas, porém para pessoas como eu que nasceram sem o amor e acolhimento de uma família era totalmente diferente, afinal existiam duas opções. uma delas era continuar vivendo de alguma forma esperando com que o destino lhe reserve algo especial ou apenas aceitar ser puxado pelo abismo dos daqueles que nunca foram vistos.

Minha escolha havia sido continuar vivendo, pois de uma forma ou outra eu sabia de meu destino, eu era o herdeiro do Deus trovão, aquele escolhido para despejar todo ódio dos menos favorecidos ao mundo, porém para isso ainda faltavam alguns anos, afinal era apenas uma criança e deveria primeiramente me preocupar em sobreviver. Caminhava furtivamente pela feira do vilarejo, estava acostumado a perambular por aquele trajeto e conseguir roubar alguns alimentos para pelo menos ter força o suficiente para pensar no amanhã, primeiro visei apanhar alguns pães quentinhos para meu café da manhã, após isso utilizando de minha amizade com um dos vendedores de bolinho, consegui arrumar em torno de seis peças de carne que provavelmente seriam devoradas em meu almoço e por fim ajudando a dona Shimura a jogar alguns sacos de lixo no local apropriado consegui algumas guloseimas que serviriam de janta. Minha missão estava completa, afinal já havia encontrado um jeito de sobreviver naquele dia, isso era um alivio para um sobrevivente como eu.

Porém algo em especifico chamou minha atenção naquele dia, geralmente existiam alguns brutamontes que tentavam roubar a força alimentos das velhas senhoras da feira, mas era muito difícil ver uma criança fazendo isso, isso me causou uma enorme curiosidade, tanta curiosidade que decidi seguir aquele garoto e o grupo que o perseguia ferozmente, deveria admitir que aquela cena era um tanto engraçada.

Ele era muito rápido, isso era uma ótima característica para um ladrãozinho, porém minha verdadeira curiosidade sobre aquele garoto era saber se ele era apenas um privilegiado que roubava comida por pura diversão e para irritar as velhas ou quem sabe um sobrevivente como eu.

—— Ei garoto, me diga por quê você está roubando as senhoras da feira? —— Tentaria usar um tom mais sério, tentando fazer com que ele achasse que eu era algum daqueles que o estavam seguindo.

Visivelmente tínhamos certa diferença de idade e aparência Não que isso precisasse ser dito, afinal eu mesmo admitia que era um estranho por completo, porém por outro lado sentia que algo nos ligava, pois depois de fita-lo por alguns instantes percebia que ele tinha um olhar semelhante ao meu O olhar dos escolhidos.

Considerações:

Usados:

Conforme foi comendo, ainda olhando algumas vezes de onde veio para ter certeza de não ser seguido, percebeu que o gosto foi mudando, ou melhor, a falta dele começou a ser mais evidente. Talvez a fome tenha o feito sentir aquele gosto agradável, que já não existia mais. A destra pousada sobre o cabo da lâmina servia somente como precaução, caso algum dos homens que o perseguiram anteriormente aparecesse de novo.

A voz rouca ecoou pela viela enegrecida, fazendo com que o corpo de Hiei fosse um pouco para trás por conta do susto. A mão que anteriormente estava repousada sobre o cabo da espada, agora, estava firmada nela.

— Se você vier pra cima, vou te matar. — A ameaçava veio conforme terminava de engolir os poucos pedaços de bolinho em sua boca. Dava para ver, pelo semblante, que o jovem não tinha intenção alguma de lutar contra o homem que lhe indagou sobre roubar a comida, entretanto, não podia deixar de mostrar seus dentes e como são afiados e mortais.

— Roubei para continuar existindo, burro. — Foi sucinto observando metade do bolinho que continuava em sua posse.

— Não como há dias. Não foi minha intenção roubar, entretanto, precisei. Se quiser tentar algo, não terei pena de você. Não mesmo. — Quando terminou, ajustou sua postura, colocando o resto do bolinho que sobrou dentro da hip-pouch, junto com as outras armas.

Ficou ali, fitando o homem, ou melhor, observando mais claramente, o garoto de quase a mesma idade que a sua. Hiei estranhou os lábios enegrecidos, em contraste direto com a pele pálida. De fato, um ser estranho, com um olhar similar ao seu.

— Na verdade, o que você tem haver com o que roubei ou não? Sequer faz parte dos homens que estavam me perseguindo agora pouco… Roubei para sobreviver, não seja hipócrita de contestar esse fato. Somente pelo seu olhar, sei que faria o mesmo, se tivesse numa situação como a minha. — Não tinha certeza de que a explicação daria certo, mas uma convicção dentro de seu âmago dizia que, os dois são muito parecidos. Ele teria de entender o lado de Hiei, com toda certeza.

Considerações:

Armas:

Minha pergunta havia sido praticamente retórica, afinal os olhos daquele pobre garoto poderiam facilmente responder minha pergunta, como eu, ele também era um sobrevivente do pais das nuvens, porém era mais novo do que eu e também visivelmente menos experiente, olha-lo diante daquela situação fazia até mesmo com que eu relembrasse de alguns anos atrás no momento em que tomei a decisão de não desistir e esperar o quê o futuro tinha a me reservar.

—— Não me entenda errado, garoto... —— Falei desta vez demonstrando total calma em minhas palavras —— Não estou aqui para julgar o quê você fez, tão pouco puni-lo por seus atos, afinal ambos somos sobreviventes —— Me aproximava mais alguns passos dele e vislumbrava a lamina que o mesmo carregava  —— Essa espada é muito legal! Você é um espadachim ou algo do tipo? —— De forma ilusória me movimentaria como se tivesse uma espada em mãos, demonstraria totalmente minha infantilidade com aquelas ações toscas.

Me sentia de certa forma confortado em estar dividindo o ambiente com alguém que passava pelos mesmos problemas que eu, talvez eu pudesse até mesmo ajuda-lo a aprender como se virar e não precisar ficar se metendo em encrencas com as velhinhas da feira, porém não seria eu a propor essa ideia, afinal nem mesmo sabia se ele não iria cortar minha cabeça com aquela lamina, mas me de certa forma me senti na obrigação de estender minha sacola de alimentos na direção daquele garoto.

—— Pegue para você, seu mal-humorado! —— Fitei os olhos do garoto por alguns instantes esperando sua reação, afinal não sabia quanto tempo duraria sua passividade com aquela espada —— Alias, como você se chama espadachim mal-humorado? —— Questionaria novamente imitando o gestos ilusórios com a minha espada imaginária.

Nessa vida de sobrevivente você tem pouco tempo para arranjar um amigo, quem dirá mais do que um, então quem sabe aquele encontro do acaso poderia ser uma das coisas que mudasse o destino de algum dos dois para sempre ou também poderia ser apenas um encontro aleatório de dois ladrõezinhos de comida..

Considerações:

Usados:

Te entender errado? Hiei pensou conforme analisava as próximas palavras do jovem à sua frente. O Nara sabia reconhecer um semelhante. Um que estava ou estivesse passando pelos mesmos problemas, por diferentes motivos, que os dele. Mas, até que ponto aquele ser estranho, de pele pálida e lábios enegrecidos sabia o quão sofrido tinha sido o passado de Hiei? Nenhuma pessoa pertencente à Nuvem sabia a sensação, e isso era óbvio na mente do jovem garoto.

O elogio sobre sua espada, como também a pergunta de ser um espadachim não lhe causavam a mínima vontade de responder. Portanto, permaneceu com a mesma postura, analisando seu alvo e com as sobrancelhas franzidas, tentando intimidar, da maneira que conseguisse, o sujeito.

O sinal que ele fez com a mão, como se estivesse portando uma espada semelhante a de Hiei, serviu para tirar um breve sorriso de seu rosto. Não tinha achado graça, mas sim, pena.

Então, em um ato repentino, Hiei foi pego de surpresa. Por quais motivos um sobrevivente, como o mesmo insinuou ser, iria dividir com um outro alguém, que havia recém conhecido, comida? Não tinha lógica, não na cabeça pequena e imatura do jovem Nara. Um dos ensinamentos do monge foi não acreditar em outras pessoas, não quando você não possui nada para oferecer em troca.

— Estou bem com esse bolinho… mesmo assim, obrigado. — O agradecimento mascarou a vontade de pegar toda a sacola para si, mas manteve sua postura.

— Ryugan. Me chamo Ryugan, e você? — Mentiu por acreditar ser o melhor a se fazer. Não diria seu nome a um estranho, muito pelo contrário. Hiei seria a última palavra que aquele ser escutaria, pelo menos em uma situação como aquela.

Ainda desconfiado, abaixou um pouco a postura. Não pretendia mais ameaçar o sujeito, apesar de manter-se ainda ligado e atento nos movimentos dele.

— E você, como se chama? Como sabe que somos parecidos? Se veste e fala como eles… não se parece nem um pouco comigo. — Suspirou, mordendo levemente os lábios contrariando a fala do jovem. Por mais que soubesse, só pelo olhar, de que realmente se tratava de um sobrevivente, precisava manter sua postura fria e desconfiada.

— Bom, não me leve a mal mas tenho coisas a fazer. Foi bom conversar contigo, esquisitão. — E correu, sem olhar para trás, buscando pular os obstáculos que tinham à sua frente, como caixotes largados pela viela enegrecida.  

Considerações:

Armas:

Era engraçado como aquele garoto parecia um animal arisco, esse era geralmente o efeito causado em pessoas que tem que se virar sozinhas desde o inicio de sua vida, afinal como você pode confiar em pessoas se elas mesmas o colocaram dentro desse buraco de solidão, não é mesmo? Seria impossível julgar qualquer ação que viesse dele, eu entendia aquilo muito mais do que ele imaginaria.

—— Desconfiança.... Isso é ótimo, afinal não podemos acreditar em qualquer um, não é mesmo? —— Comentaria brevemente enquanto continuava a analisa-lo friamente —— Eu sou Arashi, o herdeiro do Deus trovão —— Por mais que isso fosse uma mitologia de minha cabeça, possivelmente seria um titulo que eu receberia em meus dias de glória, então seria ótimo que ele soubesse disso para caso nossos caminhos se cruzassem novamente.

Um questionamento do garoto fez com que eu refletisse por alguns instantes "Se veste e fala como eles… não se parece nem um pouco comigo." Talvez isso fosse um pouco verdade, afinal havia aprendido tão bem a me virar que possivelmente tivesse esquecido um pouco de minhas raízes, roupas bonitas e promessas que poderiam não ser cumpridas, você está certo Ryugan, talvez eu tenha me perdido em minha jornada e me perdoe por isso, garoto.

—— Vejo em seus olhos que você mudará o futuro nesse mundo... Como sei disso? Por quê nós dois temos esse mesmo o olhar,  gosto de chama-lo de "O olhar dos escolhidos". —— Falei brevemente enquanto percebia que o mesmo estava por se despedir —— Espero que tenha um ótimo futuro pela frente e que mude esse mundo podre, Ryugan! —— Diria me despedindo formalmente daquele garoto.

Aquilo havia sido mais do que um encontro aleatório de duas crianças sobreviventes, para mim de certa forma senti como se estivesse me olhando no espelho e tendo o meu próprio reflexo de alguns anos atrás de quando era apenas uma criança assustada e com medo do enorme mundo que tentava me jogar para baixo, sentia como se devesse agradecer aquele garoto pelo pequeno choque de realidade que me fez ter, espero que tenha a chance de encontra-lo novamente e sob outras circunstancias.

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