O dia estava relativamente tranquilo, para diferenciar dos demais momentos da minha rotina. Do alto de uma das construções mais altas e antigas de Sunagakure, observava o dia passar depressa. Com tarefas domésticas finalizadas e com todos pela vila agitados com seus afazeres, confesso que gostaria de passar mais um momento matando tempo, mas o pedido de um pai acabou chegando até mim em tom preocupante. Ao que tudo indicava, seu filho havia sido uma das vítimas para o labirinto nos arredores da vila no qual eu e Kagar havíamos resgatado.

Ocorre que o garoto era um mala sem alça (liberdade criativa minha para defini-lo). Além de se colocar em constante perigo, como no caso do labirinto, para testar seus limites, o pai havia feito a cagada de colocar outros shinobis para lutar contra ele, para lhe ensinar uma lição. Ocorre que o fato de se manter invicto só fez com que a criança se mantivesse mais segura de si mesma. — Ou seja: a culpa é toda desse panaca aqui? — Comentava apontando para o pai, ao meu lado, enquanto ouvia o requerimento dos superiores para a tal missão. Mesmo sendo repreendido pelo comentário ácido, acabava topando a missão para ensinar ao garoto boas maneiras. — Ao menos assim ele não vai se perder em labirintos de novo. — Expressava.

Em uma breve conversa com o pai, o mesmo sinalizava que seu filho poderia estar no campo de treinamento ou nos arredores da vila, visto que gastava boa parte de seu tempo em treinamento. Pela tranquilidade que havia visto na vila mais cedo, apostei na primeira opção antes, partindo para lá para demonstrar como um shinobi de verdade luta.

Histórico:

Não tardava para chegar no local imaginado. Saltando por entre as construções de Sunagakure, conseguia chegar de olhos fechados até a zona de treinamento, onde gastei longos dias e intermináveis horas aprimorando meu corpo para funcionar bem, mesmo com a ausência de um braço e de uma perna. Também era um local de reflexão e isolamento, me afastando dos problemas que estavam se acumulando em casa.

O campo de treinamento da Vila da Areia era um lugar muito diferente de outras vilas. Pelos relatos que ouvi, enquanto as outras ocupavam um amplo espaço sem muito a agregar, a zona de treinamento de Suna era um deserto selvagem, para todos os fins. A mera presença no lugar já era um desafio aos mais fracos, com tempestades de areia e deslizamentos pelas dunas sendo o menor dos problemas.

Minha vista acabava identificando uma movimentação no topo de uma rocha, de aproximadamente cinquenta metros de altura. A irregularidade dela dificultaria a execução do Ki Nobori no Shugyō no Jutsu. — Hunf… Vai ser do jeito antigo. — Com as mãos fixas na superfície das paredes, começaria a escalada pacientemente. Claro que utilizaria um pouco de chakra para me fixar melhor, mas precisaria subir sob mérito de minha constituição apenas. — Quando chegar lá em cima, esse moleque me paga… — Resmungava, já no meio do caminho.

Histórico:

A outra metade não havia sido fácil. A ventania que se fazia pelo local era incomum e, por muitas vezes, me fez perder boa parte do progresso por deslizamento. Ralava o peito e a palma da mão, mas a prótese conseguia se firmar com menos problema, viabilizando uma escalada completa. Dali de cima, era possível ver uma boa região de Sunagakure, bem como da extensão do deserto que preenchia todo o nosso continente. — Tamya, eu presumo? — Me diria a uma figura que estava de pé na beira do rochedo, encarando o chão lá embaixo sem menor sinal de receio ou hesitação.

A menina olhava para mim com uma expressão confiante, quase esboçando um sorriso. — Ah, não achei que você seria o próximo, Gwyn-san. Chegou perto, mas me chamo Tanya. Sou muito grata pelo resgate da outra semana, mas sei que sairíamos de lá sem muitos problemas. — Ela desfazia um selo de mão que estava se concentrando, o que acabou acarretando no fim das ventanias que quase haviam me derrubado. ~ Usuária de Fuuton e tão jovem? É realmente um prodígio. ~ Refletia, encarando a menina não muito mais baixa do que eu.

Ela puxava uma pequena kunai de sua bolsa, repousando gentilmente entre seus dedos. — E então, veio pois soube dos meus feitos? Conseguir vencer o meu salvador deixaria claro de que não precisaria de ajuda no labirinto. O que acha? O primeiro a sangrar, perde. — Ela comentava, agora firmando os dedos ao redor do cabo de sua arma. Com a ausência de solo para fazer brotar minhas árvores, sabia que estava em desvantagem, ainda mais para alguém habilidoso em Fuuton. — Se isso vai te impedir de ficar com esses planos suicidas e de bater nos outros por prazer… Muito bem. Espero que goste do leito que vou te colocar no hospital. — Mencionava, erguendo os punhos.

Histórico:

O movimento de Tarya era ágil como o vento. Mesmo daquela altura, sua falta de senso de perigo lhe permitia avançar sem medo da queda, sem medo da morte. Imediatamente arregalava os olhos, não imaginando uma abordagem tão direta. Eu era péssimo em Taijutsu, e realizar selos de mão numa distância tão curta só iria complicar minha vida. Num reflexo, me jogava para trás com uma cambalhota, apoiando as mãos na pedra e virando as pernas para trás, numa ameaça de chute. Sua kunai acabava raspando em minha sandália, abrindo um talho nela que não me deixou nada satisfeito. — Vai ter que pagar um outro! — Resmungava ao ver o dano.

Estava com os dedos já simulando um selo quando notei a kunai de Tazya próxima demais para reagir. A lâmina, coberta de elemento Fuuton, avançava como uma brisa suave, praticamente imperceptível até que te alcançasse. Era inevitável que ela acabasse me atingindo no peito, perfurando a uma profundidade fatal.

A expressão de confiança dela cessava para uma expressão de espanto, talvez desacreditando que seria capaz de causar um ferimento daquela proporção numa luta amistosa. Ela chegava perto, se ajoelhando na frente de mim, que segurava o peito tentando analisar os danos daquele golpe. — M-Me de-desculpe, Gwyn! V-vou te levar pro mé… — Sua frase era interrompida com um punho que surgia de baixo para cima entre os dois corpos.

Meu punho de aço lhe atingia em cheio, elevando sua cabeça para cima a ponto de fazer um ou dois dentes se romperem com o impacto. Seu corpo era levado para trás, praticamente nocauteado, caindo próximo da beira das rochas, onde a queda era iminente. — Doton: Ressenga! — Mencionava após sair por completo das pedras ao lado de uma cópia exata de mim, com uma adaga cravada no peito. — Falando com um clone esse tempo todo, doida? — O clone de madeira se erguia, batendo em minha mão num cumprimento.

Uma ágil memória vinha em minha mente sobre toda a ação que havia sido executada até ali. Claro que não iria me arriscar subindo tantos metros para arriscar cair atrás de uma fedelha qualquer. Além do mais, o ponto onde ela estava seria terrível para uma luta à distância, que era a minha especialidade. O clone de madeira havia sido uma saída óbvia, enquanto realizava o jutsu do estilo Doton para mesclar dentro das rochas e emergir bem abaixo dela. — E como prometido, vou te levar pro hospital. Não acho que seu pai estava querendo ter que pagar um plano odontológico. — Mencionava, inutilmente, visto que ali apenas estava seu corpo inconsciente.

Histórico:

A saída do hospital acabou sendo demorada, mais do que eu gostaria. Precisei preencher enormes papeladas para justificar o nível da garota que havia sido entregue sem os dentes por conta de uma missão relativamente simples. Com o pai devidamente notificado e, apesar de apreensivo, agradecido pelo “eficaz serviço”, recolhia os espólios de minha missão já engatando em outra. Novamente, relacionado ao maldido dia no qual havia seguido junto com Kogar para aquele bendito labirinto.

Dessa vez, o serviço era diferente de um resgate. Pelo que havia escutado, um artista ou algo do tipo estava querendo tirar algumas fotos, ou ao menos uma boa observação, sobre o tal “monstro” que meu parceiro havia enfrentado no labirinto para salvar as ingratas crianças. Só de imaginar a necessidade de retornar para lá me causava angústias… Mas ao menos eram missões mais interessantes do que as de Rank D, onde ficava cuidando de malditas floriculturas.

O ponto de encontro era próximo dos portões da vila, o que não era tão longe dali. Sabendo da necessidade de caminhar por bons quilômetros deserto adentro, ainda mais no próximo do fim de tarde, queria poupar esforços e, por isso, ia caminhando sem muitos problemas com a tarefa. Minha chegada acabava sendo ágil, entretanto, comigo imediatamente reconhecendo a figura excêntrica do artista. — Você que é o pintor? — Questionava o sujeito que tinha manchas de tinta por toda sua roupa, bem como alguns rolos de pergaminho em suas vestes com diversos desenhos preparados. — Ahh, oui, oui! Gwyndolin-san, presumo? — O jeito esquisito do cara me fazia revirar os olhos. — É só Gwyn pra você. Soube que quer ver o lagarto, certo? Vamos, ele está bem longe daqui.

O homem sabia descrever bem a criatura, apesar de aparente nunca ter visto um de perto. — São criaturas incríveis! Os Dorso-Cristado são animais muito territoriais, extremamente agressivos, mas incrivelmente belos! Tenho certeza que ficaram estupefatos quando viram tal fenômeno! — Ele falava sem parar, na medida em que andávamos em passos apressados pelas dunas. — Meu amigo meteu a porrada nele quando o viu. Não sobrou muito para ver. — Diria de maneira direta, o que fazia meu contratante suspirar em espanto.

Histórico:

A busca pelos Dorso-Cristados não era uma tarefa tão fácil assim. Primeiro que as coordenadas para o antigo labirinto não era um dos mais fáceis de encontrar, segundo que a tal raça de lagarto, que meu companheiro fez o favor de quebrar a mandíbula, era uma espécie raríssima, mesmo nos desertos ao redor de Sunagakure, seu habitat natural. Pelo fato de viver em cavernas de arenito, acabavam sendo difíceis de serem localizados pela superfície, mas o fato de estarmos vagando no fim da tarde, significa que alguns estariam dispostos a sair de suas tocas para caçar. Ou, naquela noite, serem caçados.

O sujeito que me acompanhava era veloz, devo dizer, mas em determinado ponto desistiu da correria para realizar um jutsu inédito para mim até então. Com um selo, um de seus desenhos tomava vida, sendo este um pássaro com detalhes extremamente bem feitos. — Corremos por quilômetros e só agora você me diz que tinha um jeito de vir mais rápido sem se cansar?! — Diria já frustrado, vendo o homem subindo na gigantesca ave, que caberia uma turma de estudantes da academia inteira. — Ah, peço perdão, Gwyn-san. Esse jutsu exige muito chakra e, apesar de aperfeiçoá-lo bem, não sou dotado dos talentos dos grandes shinobis. Minha reserva de energia é extremamente baixa. Consigo fazer apenas um desses por dia, com esforço. — Ele se justificava, abaixando a cabeça em sinal de desculpa. — Ainda assim, foi uma ideia merda ter feito a gente correr esse tempo todo. Vamos logo, não devemos estar longe. — Diria, já subindo na carona para longe dali.

O voo era ágil, de fato, e poderia me acostumar com aquilo para sobrevoar o deserto em futuras missões. O sol já havia sumido em boa parte das dunas, deixando sombras se misturarem, amenizando o calor que emanava dos grãos. — Ali. — Comentava, apontando para uma entrada de desfiladeiro de arenito.

Histórico:

A entrada do labirinto era diferente do que me recordava. Talvez pelo vento que vinha lá de dentro, somado com o tom de cor que as paredes emanavam por conta da posição do sol naquele fim de tarde, acabava por parecer um lugar completamente novo. Mas a mística energia que saía dali permanecia a mesma, me fazendo ter certeza que estávamos no lugar certo. — Fique por perto, tio. Meu amigo achou o bicho bem lá dentro, então cuidado pra não se perder. — Diria, já desmontando o pássaro de tinta e seguindo viagem a pé.

O mesmo me seguia receoso, ainda mais depois de guardar seu pássaro de volta para um de seus pergaminhos com seu peculiar jutsu. Nos primeiros metros andando, já conseguia identificar o local por onde eu e Kagar havíamos passado anteriormente. — Funcionou daquela vez, então deve funcionar de novo. — Mencionava, criando um pequeno broto entre meus dedos e fincando no solo de pedra. Havia sido daquela forma que eu havia evitado me perder em meio às curvas do labirinto natural e resgatado as crianças com sucesso.

Utilizando dos buracos no chão que eu havia feito com minhas árvores, mas que agora já haviam se secado demais pela ausência de cuidados, seguiria a viagem por onde me recordava, até que chegamos a uma parede com um grande buraco no meio. — Foi aqui que o outro Genin quebrou a parede para resgatar os pirralhos. Os lagartos devem estar perto. — Dava para ouvir o contratante engolir seco a saliva, apontando para frente com uma voz trêmula. — E-Eu a-acho que nã-não deve demorar mu-muito… — Logo adiante, a um pouco mais de uma dezena de metros, dava para se notar uma criatura grande o bastante para ser confundida com uma parede de arenito, nos encarando de dentro da escuridão.

Histórico:

Só me lembro de estar sendo arremessado com toda força contra uma parede, fazendo diversas rochas caírem sob minha cabeça.

A criatura havia sido ágil o bastante para encurtar a distância entre nós antes da conclusão da frase do contratante, e seu golpe de cauda, completamente revestida de espinhos de sua peculiar anatomia, me atingia em cheio no peito e me levava a quase nocaute do outro lado do ambiente. O grito desesperado do artista estava turva em minha mente, que tentava lutar para se manter firme. — Então… O outro era um mero filhote? Interessante — Sorria, enquanto sentia gotas de meus sangue escorrendo de minha testa até meus lábios.

O lagarto estava sibilando para o artista, cercando-o com um jeito intimidador. Apesar de amedrontado, tudo o que ele fazia era rabiscar em seus cadernos de anotações a anatomia da criatura, num misto de pavor e admiração. — Minha vez! Mokuton: Daijurin no Jutsu! — De meu braço, centenas de pequenos ramos de madeira iam se formando em direção ao gigantesco animal, entrelaçando todo seu corpo com uma força esmagadora. A quantia de chakra para produção daquela técnica era absurda, mas sua eficácia dava sinais logo de cara.

A criatura resistia, mordendo algumas raízes e desafrouxando alguns nós. Precisava fazer o dobro do esforço para mantê-la no lugar. Não ia adiantar… Eu precisava nocauteá-la logo se quisesse concluir aquilo. — Pensa rápido! — Expressava quando, com o braço de metal, acabaria fazendo um ágil selo para transformar meu punho num braço de madeira gigantesco, me permitindo atingir em cheio um soco direto contra o focinho da criatura.

Aquilo era o bastante para desnorteá-lo momentaneamente, permitindo que eu firmasse ainda mais as raízes para sufocá-la, até nocauteá-la. Respirando pesado, ouvia o silêncio sendo quebrado pelos ventos do deserto, que agora carregavam mais frio por termos alcançado a noite. — Vamos puxá-lo para o lado de fora… E seja rápido com suas anotações, velhote. — Mencionava, cumprindo minha parte da tarefa.

Após me certificar que a criatura estaria bem adormecida e com o artista fazendo as medições e anotações necessárias para finalizar seus estudos, enfim a deixava por lá para que retornasse ao seu lar. De lá, seria necessário uma viagem longa e exaustiva para a vila, onde acabaria por aproveitar de um merecido descanso.

Histórico: