Já era dia quando os dois homens passaram pela porta do estabelecimento, praticamente expulsos do local pelo segurança carrancudo. Visivelmente alterados devida a embriaguez, eles riam, cantarolavam, e caminhavam juntos como se fossem velhos amigos de um tempo muito distante, o que passava longe de ser uma verdade. Conheceram-se ali mesmo, no interior daquele bar ordinário, da única maneira que homens de meia idade são capazes de construir amizades, com a ajuda da bebida. Compartilharam histórias, sonhos, mentiras, e agora seguiam pelas vielas da Vila da Folha sem um rumo aparente, ainda rindo e se divertindo pela noite que tiveram.

Mas o festejo deles logo acabou quando o mais baixo, já acometido pelo álcool em seu organismo, cedeu ao mal que havia causado a si mesmo por ingerir tanta bebida durante a noite, caindo de cara no chão e dormindo quase que instantaneamente ao atingir o solo. O ronco do cidadão só não era mais alto do que a risada de Hayao, que ainda estava de pé enquanto gargalhava e apontava para o seu amigo no chão, como se o estado do ninja não fosse tão ruim quanto o do homem que dormia no chão feito um andarilho.

— E você vai ficar aí mesmo, é? — Hayao questionou, cutucando o homem deitado com a ponta do pé como se esperasse algum tipo de reação, mas sem sucesso. — Acho que é isso então. — Entendendo aquilo como uma resposta, o samurai abandonou seu parceiro e seguiu sozinho por entre as ruas da Folha, ainda cambaleando pelos efeitos da bebida em seu corpo. Era provável que o Tokujo jamais iria reencontrar o seu novo amigo no futuro, mas isso não era capaz de lhe trazer arrependimento algum.


— Caralho, que fome! — O samurai azul praguejou aos céus no mesmo instante em que seu estômago roncou alto o suficiente para que ele pudesse ouvir, enquanto ele seguia caminhando sem um rumo aparente. Parou de andar apenas quando passou na frente de um lugar que julgou como sendo um restaurante, mas ainda teve de colocar a mão direita acima dos olhos para que pudesse tampar a vista do Sol e ser capaz de ler o letreiro — com certa dificuldade — e confirmar que ali ele poderia se alimentar.

— Aí, parceiro, me vê um saquê! — Foi a primeira coisa que o samurai pediu para um dos atendentes assim que se sentou sobre uma das cadeiras vazias, mas somente após o pedido foi que ele se lembrou que estava ali para comer, e não para se embriagar ainda mais. — Merda, espera aí um pouco. — O Tokujo parecia carecer de ideias do que deveria pedir para se alimentar, mas essa questão rapidamente se resolveu quando ele notou o garoto caminhando com um prato do restaurante, comendo com tanta veemência que parecia ser o último prato que ele estava ingerindo em sua vida.

— Pode me trazer um daquele ali também, igual o daquele moleque esquisito ali atrás. — Hayao fez questão de apontar para o prato do rapaz enquanto fazia seu pedido para o senhor dono do restaurante, indiferente se o garoto era capaz de ouvi-lo ou não.  

Considerações:

O homem estava completamente faminto. Logo após realizar seu pedido, sentiu seu estômago roncando uma segunda vez, e logo o samurai se aborreceu. Essa merda vai demorar uma vida pra ficar pronta, certeza! Ele praguejava em pensamentos, a fome era a maior inimiga da pressa e a embriaguez era um agravante para que ele se tornasse impaciente. Porém, para a completa surpresa do samurai, seu pedido no restaurante surgia na sua frente na mesma velocidade com que um beija-flor batia suas asas. Os olhos do ninja brilharam, e, pela primeira vez em sua vida, o homem agradeceu por ter uma intuição errada a respeito de um restaurante. Olhou para o seu alimento enquanto ignorava os arredores, apenas para afirmar mentalmente esse é o melhor restaurante na Vila da Folha!  

Mas era difícil que algo pudesse escapar dos seus sentidos, e principalmente dos seus ouvidos. Mesmo embriagado, Hayao não deixava de ser um ninja com uma audição extremamente precisa, então para ele era fácil perceber que algo estranho estava acontecendo ao seu redor. Podia ouvir o som de alguns objetos cortando o ar e avançando em sua direção pelas suas costas, mas o samurai azul estava tão acometido pela beleza de sua comida que não conseguia dar atenção para mais nada além do alimento que estava prestes a degustar.

Ignorando o par de hashis que lhe fora entregue junto da comida, o Tokujo apenas ergueu o objeto que continha seu alimento com as duas mãos e começou a ingeri-lo direto do prato. Estava completamente faminto, mas podia sentir a fome se esvaindo a cada vez que uma parcela da comida descia pelo seu esôfago. Parava por um instante apenas para dar um gole na garrafa de saquê, mas voltava a comer o quanto antes para que a sua comida não esfriasse.

E somente quando o homem ouviu a voz do garoto foi que ele parou de comer e se virou para trás. Encarou o menino que se desculpava por algo que, a princípio, Hayao não sabia do que se tratava, e, ainda de boca cheia, deixou transparecer a dúvida para fora da sua cabeça.

— Hm? Quê? Desculpa pelo quê? — O alimento na boca dificultava um pouco a fala, mas Hayao parecia não se incomodar com aquilo no momento.

Considerações:

Hayao escutava o que o garoto de fios brancos dizia, ainda que parecesse focar toda a sua atenção no prato que ingeria com certa veemência. Quando percebeu que o prato estava vazio e já sentindo-se satisfeito, largou o objeto sobre o balcão e deu o último gole em sua bebida, seguido de um arroto alto o suficiente para que todos no local ouvissem e voltassem seus rostos para o samurai alcoolizado.

— Ah, foi isso então? — O samurai se sentava ainda mais relaxado na cadeira, acariciando a própria barriga após comer a melhor refeição que tinha em tempos. — Eu me chamo Hayao, é um prazer te conhecer também, garoto. — Ele estendeu a mão em resposta ao cumprimento de Reo, ainda que agir com cortesia não fosse muito o seu ponto forte.

Ao ver o jovem se distanciando, o samurai azul fez questão de encará-lo uma última vez antes que ele sumisse de vista. Então ele é um ninja, né? Hm, não parece ser muito jovem pra ser um ninja? Quantos anos será que ele tem? Uns 10? Seus pensamentos se amontoavam em sua mente enquanto ele erguia o rosto e fechava os olhos, ainda sentado na cadeira do restaurante, mas agindo com tanta vulgaridade que parecia mais estar no sofá de casa do que em um lugar público. Bem, que idade eu tinha quando me formei um ninja? Não devia ser muito mais velho do que ele, imagino.

— Ah, é verdade, eu ainda tô aqui, né? — Hayao voltou a realidade após alguns segundos conversando consigo mesmo em pensamento, e percebeu que ainda deveria pagar a comida que havia acabado de saborear com tanta indelicadeza. Depois de apalpar as próprias roupas por alguns instantes, o samurai encontrou sua carteira e retirou dela algumas notas de dinheiro, o suficiente para pagar pelo que havia consumido em questão de segundos naquele restaurante.

Ao sair do local, foi brutalmente atingido pelo Sol e pelo calor que seus raios traziam à pele. E somente naquele momento, quando cerrou os olhos para protegê-los do Sol, foi que ele percebeu que já era tarde e ele estava atrasado para o seu compromisso.

— Porra, era pra eu estar no Gabinete essas horas! — Completamente desajeitado, mas com toda a capacidade que suas pernas podiam exercer, o samurai azul partiu na direção do Gabinete da Sombra, em uma velocidade tão alta que somente os mais experientes dos ninjas seriam capazes de acompanhar com os olhos.

Considerações: