Yasuke não lembra ao certo quando que a paixão pela arte do desenho surgiu. A grande maioria dos artistas, em qualquer área que estivessem inseridos, tendiam a dizer que a utilizavam de forma a fugir da própria realidade, para um universo paralelo em que podia fazer acontecer o que bem entendessem e desejassem. Para o garoto, no entanto, seus traçados eram intimamente conectados ao seu cotidiano, ao seu mundo, de pé no chão: quase como uma espécie de diário, mas enfeitado com desenhos, e não palavras.

Mas, e se de repente, o menino decidisse tentar representar na ponta do pincel um mundo aquém daquele em que já vivia? E se de repente ele passasse a desenhar dragões, tigres, falcões e quem sabe até mesmo temíveis cobras gigantes? O papel era limitado somente pela sua própria criatividade, e exerce-la para além do cotidiano de sua vida certamente a engrandeceria. A tinta negra rabiscou algumas coisas no papel, formas geométricas e não geométricas que nem ele mesmo sabia ao certo o que eram ou o que representavam, mas feitas com o intuito de tentar aplicar à elas uma ideia que o shinobi já a algum tempo nutria nos confins de sua mente.

Considerações:

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O pincel gentilmente articulado pela ponta de seus dedos ganhou uma leve, quase invisível, coloração azulada. Usufruindo de suas habilidades de manipulação de chakra a muito aprendidas dentro das salas de aula da Névoa, Yasuke poeticamente doou um pouco de sua própria vida aos traçados negros naquele pedaço de pergaminho envelhecido. Um pequeno cubo logo em seguida saltou para fora dos limites bidimensionais do papel e passou a conhecer um novo mundo, sob uma nova perspectiva.

Sua nova vida, no entanto, durou apenas alguns poucos momentos. A forma geométrica saltitou para fora e logo depois desapareceu, dotada de um ciclo mais rápido do que o de uma borboleta. Ó, pequeno cubo, me desculpe. Parece que lhe tirei da calmaria do mundo em papel, pensou consigo mesmo, sentindo uma empatia curiosa pela própria criação que havia acabado de, certa forma, assassinar. Ele suspirou profundamente e deixou a mente clarear conforme desenrolava um novo pedaço de pergaminho, um que dessa vez, esperava confeccionar coisas mais ousadas do que simples traçados. Quem sabe seja mais fácil com algo um pouco mais pautado na realidade? Quem sabe, algo com um desejo natural pela liberdade tenha mais facilidade de se desvencilhar das amarras de seu próprio mundo.

Considerações:

Equipamentos:

Os primeiros traços eram simples e grosseiros: duas formas arredondas para o corpo e alguns poucos traços para o bico. Conforme sua mente se inundava de ideias e perspectivas, o desenho de um simples, porém belo pássaro tomava forma de pouco em pouco à cada pincelada dada. Carente de tintas coloridas, o animal permaneceu em seus tons monocromáticos no papel. Mais uma vez o jovem artista deixou a energia da própria vida — também conhecida popularmente como chakra — escorregar por seus delicados dedos em direção ao pergaminho, onde daria forma a um novo ser.

Bem-vindo ao mundo, amiguinho, pensou Yasuke ao ver o pássaro de tinta desvencilhar-se do pedaço de papel como se estivesse nascendo uma segunda vez, portando até mesmo uma certa dificuldade e certamente confusão, caso fosse de fato dotado de consciência. As asas ergueram-se como se comemorassem finalmente a liberdade que outrora tanto desejou, e ao bater das mesmas, as garras da criatura repousaram sobre o ombro do garoto, simbolizando um cumprimento amigável. — Me chamo Yasuke. Qual será o seu nome, carinha? — Sussurrou para que somente ambos pudessem ouvir. — Será que você realmente precisa de um nome, na verdade? — Ele conversava sozinho, visto que o animal não parecia ser capaz de se comunicar ou entender o que estava sendo dito, tal qual um pássaro de carne e osso.

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O pássaro, clamando por sua própria liberdade, abriu suas asas mais uma vez, fitando Yasuke nos olhos, como se de alguma forma quase espiritual, fossem capazes de compreender um ao outro, conectados pela presença da mesma energia. A criatura alçou voo em direção aos céus azulados da Aldeia da Névoa e lentamente desapareceu por entre as construções, tomando rumo ao desconhecido mundo do livre arbítrio. Capaz de conceder vida à coisas inanimadas, o jovem artista sentiu-se atingindo um novo patamar em suas montanhas de responsabilidades, pois ninguém ali era capaz de dizer se suas criações eram, de fato, conscientes.

Mas bastava de conceder vida somente ao o que achava bonito ou enigmático. Se ele quisesse tornar aquela habilidade uma ferramenta útil para uso em suas atuações como um shinobi da Névoa, ele precisaria traçar exatamente aquilo que considerava perigoso e amedrontador. Seus lábios tremularam junto da ponta de seus dedos ao simplesmente cogitar cometer tal crime contra a sua própria mente, mas sentia que, de um ponto de vista puramente psicológico, era quase um mal necessário. Vamos lá Yasuke, você consegue, são só répteis deslizantes, com presas enormes, um veneno mortal e com sede de sangue e morte. Nada com o que se preocupar. Ele tentava se convencer, mesmo ciente de que não funcionaria.

Os dedos então deram início ao tracejado esguio de uma única serpente naquele pedaço de pergaminho. Conforme a criatura tomava forma, mesmo que apenas num mundo bidimensional e inerte, Yasuke sentia o suor frio escorrer pela sua espinha junto da palpitação excessiva de seu coração, como se estivesse em um situação de perigo mortal e eminente que, ironicamente, era também auto imposta. Acho que isso pode ser considerado masoquismo. Por fim ele deixou a energia de chakra mais uma vez escorregar na direção do pincel e dar vida à serpente recém tracejada. Os olhos ofídicos foram de encontro aos olhos avermelhados do garoto, que ao ouvir o sibilar amedrontador daquele 'monstro', não pode conter os próprios instintos e simplesmente cortou a conexão entre ambos, e consequentemente, fazendo com que ela deixasse de existir.  É o suficiente por hoje.

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— Um dia quero desenhar tão bem quanto você, Yas! — Disse Midori, segurando em ambas as pequenas mãos um empunhado de pedaços de papel rabiscados. Já era tarde da noite e o ninja já havia tido tempo suficiente para conseguir desenvolver melhor as suas novas habilidades: fossem elas direcionadas ao âmbito do combate ou simplesmente ao âmbito da arte. — Deixe-me ver o que você tem pra mim hoje, querida. — Ele estendeu os dedos e recolheu as folhas, passando os olhos acastanhados pelos desenhos feitos pela irmã. Era através de atos como aquele  — de mimetizar o próprio irmão mais velho — que Yasuke percebia a sua responsabilidade para com aquela criança e em como todas as ações dela eram meros reflexos do que ele fazia.

— Se você continuar assim, vou perder meu posto de irmão desenhista. — Ele disse entre pequenos risos silenciosos. — Estão perfeitos. — Yasuke não observou a expressão da garota, mas conseguiu sentir no ar a sua felicidade ao receber aprovação daquele que amava e a protegia. O ninja aplicou os conhecimentos adquiridos durante aquela semana e deixou uma pequena quantia de chakra escapar-lhe os dedos na direção de um dos tracejados da criança, concedendo vida a um pequeno rato desenhado com uma anatomia levemente errônea, mas feito com esmero. — Ei, eu nem tinha terminado de desenhar ele ainda! — O rascunho do roedor agora vagava aquele pequeno quarto caindo aos pedaços, mesmo que imperfeito: pois no fim das contas, a maior arte de todas era a de viver, pois nela não existe diferença entre rascunhos e projetos finalizados.

Viver era como desenhar sem borracha.

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O dia seguinte fora deveras mais conturbado do que a sessão artística de anteriormente. Seu sono consistiu de aproximadamente três horas antes que fosse interrompido por um oficial de expressões pouco amigáveis ao pé de sua porta. — Murata Yasuke, preciso que venha comigo imediatamente. — O garoto, de cordialidades monjais como sempre, não pestanejou e simplesmente obedeceu as ordens de seu superior, deixando para trás Midori, que em seu descanso tão profundo, sequer foi capaz de acordar.

— Qual a situação, senhor? — Indagou o jovem artista, ainda com passos trêmulos e visão embaçada. — Um urso escapou do zoológico da aldeia e agora estamos chamando um número seleto de ninjas para captura-lo antes que acabe machucando alguém pela manhã. — Yasuke repousou seu manto ao redor de seu corpo e manteve-se calado, mas não conseguia parar de pensar em porquê em uma situação considerada perigosa como aquela, os oficiais haviam decidido por chamar um mero genin recém-formado para tentar resolver. Conforme caminhavam até o último local de avistamento, o pequeno shinobi sacou de sua cintura o pergaminho, pincel e tinta e passou a desenhar o cenário que via ao seu redor, assim como o possível cenário que viria a enfrentar, caso desse de cara com a criatura.

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A busca pela criatura peluda tomou cerca de duas horas, mesmo com uma quantidade considerável de ninjas em sua busca. Para sua sorte — ou não —, Yasuke recebeu o bilhete premiado e acabou encontrando o ursídeo nas proximidades do porto tentando, de forma falha, abocanhar alguns esporádicos peixes que saltitavam para fora da superfície da água, quase como se estivessem todos tirando sarro com a sua falta de habilidade em pescar. O ninja não cogitou em nenhum momento tomar uma atitude agressiva contra o animal, e portanto, decidiu utilizar de um método um pouco mais criativo.

Com pincel e tinta em mãos, Yasuke tratou de desenhar diversos peixes que posteriormente seriam trazidos à vida graças à sua transferência de chakra. Eles, por fim, seriam arremessados até a água e serviriam de isca para atrair o urso, de pouco em pouco, para longe de qualquer região frequentada por civis. O processo talvez fosse mais longo do que o necessário, mas o garoto sentia-se melhor daquela forma. O urso caiu, ironicamente, como um patinho em seu plano, e foi guiado até os arredores da Aldeia, onde foi pego desprevenido em uma simples armadilha envolvendo um dardo tranquilizante e um velho emaranhado de cordas.

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