Barco ancorado não enfrenta tempestade.

O cheiro de maresia e a madeira envelhecida — para não dizer apodrecida — não trazia lá muita segurança para o jovem artista e os marinheiros daquele barco, mas ninjas nunca precisaram se preocupar com as chances de se afogar em alto mar, afinal, podiam andar sob as águas. — Não fazia a menor ideia de que o País do Redemoinho exportava rum daqui. — Comentou em tom abafado pelo cachecol que lhe cobria parte do rosto, protegendo-o do vento cortante do porto da Névoa. — São todos uns puta beberrões do caralho! Estamos sempre indo e voltando de lá. — A ofensa gratuita foi proferida pelo capitão com sua voz enrouquecida pelo constante uso de cigarros.

— E você e sua tripulação já foram atacados em alguma dessas viagens? — Yasuke escorou as costas contra uma das paredes do convés, no aguardo de uma resposta. — Nunca! Não sei porque caralhos contratam vocês para virem juntos nessas operações de venda. Deve ser alguma merda burocrática ou coisa do tipo. — O homem parrudo largou das mãos o último carregamento de rum ao lado de outras enormes pilhas da mesma bebida. — Se quiser um conselho meu, guri: vai dormir e acorda só quando voltarmos. Vai receber teu pagamento do mesmo jeito e ninguém aqui vai te dedurar. — O ninja assentiu, mas para o azar daquela missão, ele não era nutrido pela desonestidade que corroía o terra — e os mares.

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Conforme o capitão havia dito anteriormente, nenhuma iminência de ataque surgira até aquele determinado tempo em que se encontravam em alto mar. As estrelas já haviam tomado conta do céu junto do vento gélido e sensação de solidão: proporcionada pelo fato de que Yasuke era o único presente naquela região do barco, largado com seus próprios pensamentos à mercê do balançar do navio. Não seria muito prudente tocar algum instrumento a esta hora da noite. Terei que me contentar com o silêncio da madrugada, pelo visto. Triste era as vezes a vida daqueles tomados pelo espírito do expressionismo.

Sua inquietação o levou em passos lentos até o convés inferior do navio. Em meio a escuridão local o jovem artista decidiu enfiar o nariz onde não devia: seus olhos percorreram os caixotes de rum, e quando parou para raciocinar, seus dedos já encontravam-se enrolados em uma das garrafas. Observou com cuidado artístico a composição e coloração daquela bebida. Teria alguém neste mundo já pintado um quadro com rum? Um outro vislumbre no conteúdo dentro do vidro lhe despertou uma descarga elétrica através da espinha: quando seu sentido olfatório entrou em contato, ele percebeu que aquele líquido avermelhado não se tratava de uma bebida alcóolica.

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O jovem artista não sabia dizer ao certo se alguém no mundo já havia confeccionado uma pintura feita de rum, mas sabia muito bem que algumas pessoas já haviam confeccionado pinturas feitas a partir de sangue. O odor férreo era inconfundível e o mínimo de aroma foi o suficiente para trazer à tona memórias do País das Fontes Termais, onde havia se deparado com mais hemácias e hemoglobinas do que gostaria de lembrar. O ar gélido tocou-lhe a nuca, e Yasuke não teve tempo suficiente de reação, limitando-se a permanecer imóvel. — Por que caralhos tu não seguiu minha dica e tirou um cochilo, desgraçado? — A voz enrouquecida do capitão ecoou pelo convés inferior carreando ainda mais terror para aquela situação.

— Acredito que se eu perguntar porque você está contrabandeando sangue não receberei uma resposta, certo? — As mãos delicadas, quase femininas, ergueram na altura acima da cabeça, demonstrando o sinal universal de rendição. — Achou certo. Eu não queria ter que matar um moleque, por isso que te dei a chance de tirar um sono e ficar de boa com isso tudo, mas você tinha que ser enxerido, né? — Os passos pesados do homem robusto aproximavam-se lentamente na direção do ninja. — Estou apenas fazendo o meu trabalho, capitão. — Yasuke não precisou de nenhum movimento das mãos: em um piscar de olhos, toda a sua estrutura corpórea havia se transformado em pedaços de papel flutuantes.

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O capitão arremessou as shurikens que carregava nas mãos, mas já não existia mais um alvo para elas. Os pedaços de papel deslizaram pelo ar na direção do homem e o circundaram como um enxame de abelhas sedentas. Yasuke surgiu atrás do mesmo e desferiu um golpe com seu punho direito na região da nuca, buscando nocauteá-lo sem muitas complicações. Faltava força para o jovem rapaz, no entanto. O soco não surtiu efeito e logo foi revidado com um pontapé no queixo que o derrubou no chão do convés de imediato. — Quem você pensa que é? — A sola do sapato pousou com toda força sob o peitoral do ninja, o impedindo de se erguer novamente.

Yasuke arfou por um instante e deixou-se sentir o líquido rubro escorrer pelos lábios. As dores que sentia sempre demoravam para cessar, mas ele decidiu não se incomodar com aquilo por hora e simplesmente fechou os olhos para se concentrar no próprio fluxo de chakra. Kanashibari no Jutsu. De repente toda aquela pilha de músculos não conseguia se mover um único centímetro. A confusão em seus olhos, no entanto, era plenamente visível. — Temos mais uma hora até chegarmos no País dos Redemoinhos. Até lá você pode me contar o que está havendo, que tal? — O artista não se preocupou com os demais tripulantes: se seu capitão havia sucumbido ao seu jutsu, os demais também teriam o mesmo destino.

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