As nuvens fechavam o céu, totalmente cinzas e carregadas, com relâmpagos selvagens e brilhantes, trovões que rasgavam os céus anunciando uma fria e violenta chuva na aldeia naquela triste tarde.

Eu estava vestido completamente de preto como de costume, encarando os céus trovejantes, porém, sem medo da chuva que estava por vim. Continuo andando, subindo uma colina, percebendo algumas pessoas, também vestidas de preto, mas por outro motivo, descendo contra a minha direção. Meu rosto estava visivelmente abatido e sem expressão, como se estivesse sem vida, mas, ele escondia uma angústia e tristeza imensuráveis.

Assim que termino de subir, dou de cara com um grande cemitério, com diversas covas, a maioria conjuntas por causa da tamanha quantidade de mortes na guerra. Ando com passos lentos pelo local, onde o sentimento de tristeza e luto é contagiante por todas as pessoas que por ali passam.

Chego no meu destino e paro ao lado de uma jovem garota de longos cabelos prateados e pele morena, parada em frente a uma lápide recém colocada com um buquê de flores na mão, cujo segurava fortemente. Ela encarava a lápide, sem dizer uma palavra ou mover um músculo, sua expressão se mostrava estática, parecida com a minha.

Eu me aproximo mais um pouco, porém, a garota nem olha para mim, completamente focada e imersa em pensamentos. Eu não sabia o que fazer, minha vontade era ficar apenas ali, acovardado no meu canto e guardar meus sentimentos para mim, porém, era o que eu queria, não o que devia ser feito.

Respiro fundo e tomo coragem para tocar gentilmente em seu ombro esquerda com minha mão direita. - Hanako... Eu... - Não consigo completar a frase a tempo, parte por causa do meu nervosismo, porém, ele começa a falar.

- Ela gostava muito de flores de cerejeiras, depois que nos reencontramos, cerca de dois anos atrás, passamos todo ano na primavera para assistir as flores desabrocharem no parque... Esse ano não era diferente - Ele fala com melancolia na voz, porém, estável e serena - Eu queria fazer tanta coisa para recuperar o tempo perdido entre nós duas, porém, sua vida foi ceifada antes que eu pudesse fazer algo, minha querida irmãzinha... - Ele finaliza agachando-se e colocando o buquê na lápide.

- Ela também foi uma grande amiga para mim, uma pessoa muito especial, que sempre esteve lá nos momentos difíceis... Com um sorriso no rosto, alegrava meu coração e prometemos quando crianças, que iríamos ser os ninjas mais fortes do mundo... Mas, não é possível agora e isso dói profundamente no meu coração - Falo lentamente, complementando Hanako.

- Fuyuki... Eu parei para refletir depois que você me contou sobre a morte dela, na hora eu tinha ficado tão em choque que não consegui raciocinar... - Ela respira fundo, se levantando e olhando para mim, direto em meus olhos - A culpa... Foi sua... - Ela diz e sua frase, é como uma faca que perfura meu peito, naquele momento, eu só queria sumir, nada mais fazia sentido. - Se você não tivesse forçado a volta de suas memórias, isso não teria acontecido, se tivesse ficado longe dela, ela estaria viva, A CULPA É SUA! - Ela se exalta, encarando-me com raiva nos olhos, despejando sua frustração e culpa em mim.

O peso de suas palavras me fazem afogar em um oceano de culpa, sem conseguir respirar, ser julgado por outra pessoa é muito pior do que para si mesmo. Mas era verdade, eu fui egoísta, só pensei em mim e em meus sentimentos, um fraco de espírito.

- VOCÊ É O MOTIVO, SE TIVESS- - Interrompo ela repentinamente.

- EU SEI! - Grito fechando os olhos para suportar a dor - Eu sei, eu sou um inútil, um egoísta, sirvo para nada, não consegui protege-la, nem cumprir minha promessa, sou fraco, eu tento, tento, tento e não consigo, porque sou uma pessoa terrível, com ideais que não consigo ter forças para seguir - Eu desabafo, em desespero, sem ter para onde fugir - Eu nunca devia ter conhecido ela, eu nunca devia ter conhecido ninguém, assim, não iriam sofrer pelas minhas ações. Quanto mais eu tento proteger e salvar todos, mais eles parecem ficar distantes e perecerem um a um - Algumas lágrimas escorrem de meus olhos. - Tudo está desmoronando em volta de mim, bloco por bloco, abalando minhas estruturas, e por mais que eu tente evitar, é como se tudo fosse inútil... - Finalizo.

Depois disso, nós dois ficamos em completo silêncio, encarando um ao outro, mas Hanako, não está mais com aquela expressão de fúria, mas de tristeza.

- Me perdoe, por ter feito você sofrer também... - Me viro de costas prestes a ir embora para casa, para sumir e lidar com meus próprios sentimentos isolado de tudo, ninguém precisa escutar meus problemas.

Porém, quando dou meu primeiro passo para ir embora, sinto um abraço gentil me envolver por trás e me prender pelo peito. Hanako, atrás de mim, apoia a cabeça em minhas costas durante o abraço e me segura para não sair de lá.

- Não vá... Por favor... - Ela murmura, com a voz melancólica - Você agora, é uma das poucas pessoas que me restam e... eu não aguento mais ficar sozinha... - A força do abraço aumenta um pouco - Eu passei a vida treinado para defender a vila, protegendo Hana nas sombras, completamente sozinha, vendo ela ter uma família feliz, uma vida boa enquanto eu passava pelo inferno do treinamento ninja e das missões perigosas ainda nova e você não é a única pessoa terrível... Eu sempre tive inveja dela e de sua vida, no fundo, eu apenas queria ter vivido uma vida normal - Ela soluça e começa derramar lágrimas - Me desculpa... A culpa não é sua... É minha... Eu não consegui protege-la... Mesmo dedicando parte da minha vida a isso... Não pude fazer nada... Isso machuca tanto meu coração - Hanako termina ainda me abraçando fortemente pelas costas.

Era a primeira vez que vi ela desabar assim, até mesmo chorando, mesmo sendo tão forte e durona, todos somos humanos frágeis perante as adversidades. Eu fico paralisado enquanto abraçado, não sabendo como reagir por um tempo.

Então, me viro em sua direção e retribuo o abraço, circulando seu corpo com meus braços de forma calma e gentil, fazendo sua cabeça antes apoiada em minhas costas, agora repousa no meu ombro.

- Eu... não vou a lugar algum - Sussurro em seu ouvido, porque percebi que não podia ser egoísta de novo, não podia pensar apenas no meu próprio desejo de abandonar tudo, foi por isso, que Hana morreu, então, eu não vou repetir meus erros, não quero perder mais ninguém.

Ficamos mais um tempo ali, no abraço que nos aquecia naquele frio de inverno e controlava os sentimentos a flor da pele de ambos. Eu acariciava a cabeça de Hanako para acalma-la, deslizando meus dedos sobre seu longo e prateado cabelo, porque, eu, mais do que qualquer um ali, entendia seus sentimentos.

A culpa, a frustração, a tristeza, a sensação de incapacidade, eram coisas que passavam por nossas cabeças, mas por alguns poucos minutos, conseguimos esquecer aquilo, encontrar forças no outro em um momento difícil e pela primeira vez, eu consegui dividir meus sentimentos com alguém e isso me fazia sentir leve e confortável, portanto, nenhuma força externa importava naquele momento sublime.

Sinto os primeiros pingos de chuva gelados caindo sobre meu corpo, despertando-me daquele conforto, como um tapa para realidade e finalmente nos separamos. Hanako enxuga suas lágrimas com sua manga preta.

- Obrigada... Fuyuki - Hanako agradece, ela parece estar melhor agora, com o espírito mais agradável - Eu não devia ter dito aquelas coisas horríveis... - Ela se desculpa.

- Não se preocupe - Digo para tranquiliza-la novamente. Após isso ambos olhamos para a lápide mais uma vez e Hanako chega perto.

- Adeus irmãzinha... - Ela fala, dando um sorrisinho meigo, mas melancólico, se afastando de novo.

- Obrigado por tudo, Hana... - Agradeço a falecida, em respeito por tudo que passamos juntos e suas memórias, nunca serão esquecidas.

Antes que a chuva se intensificasse, eu e a morena andamos para fora do cemitério, um sendo apoiado pelo outro.

[...]

Eu me abrigava da chuva embaixo de um pequeno estabelecimento fechado, ao lado, Hanako. Ambos ensopados por causa da chuva, porém, o clima pesado de luto e melancolia não tinha passado completamente.

- Eu me decidi... - Ela murmura - Vou voltar a servir a nuvem como uma shinobi - Hanako diz olhando a chuva cair de braços cruzados.

- Mas e o seu braço? - Pergunto preocupado, ela tinha pouco movimento dele depois do que aconteceu em nossa missão conjunta.

- Treinei arduamente durante um tempo e agora, acredito que consigo lutar com apenas um membro funcional de maneira eficiente - Ela diz determinada e totalmente séria sobre isso.

- Mas os inimigos são fortes, com uma deficiência dessas... Vai ficar sempre em desvantagem nos combates - Tento convence-la do contrário, afinal, tudo que eu menos queria, era que ela ficasse em perigo.

- Não ligo... Depois de tudo isso, tudo que passei, não posso abandonar a vila, nesse momento de sofrimento, mesmo que custe a minha vida, devo continuar seguindo por esse caminho - Finaliza.

Eu coloco ambas as mãos em seus ombros, encarando dentro de seus olhos.

- Mas... Prometa que vai tomar cuidado... Que irá voltar bem todos as vezes... Não quero perder você também... - Digo.

- Eu prometo - Hanako fala com convicção para mim e mesmo sabendo de todos os riscos e a dor que eu passaria caso a promessa fosse quebrada, eu não podia impedi-la de fazer o que acha ser seu objetivo de vida, pois, se por ventura, eu fosse impedido de fazer o que amo desse jeito, minha vida perderia o sentido.

Dou um pequeno sorriso tímido e a solto. Nesse mesmo instante, a chuva diminui e o céu se abre, assim, nós dois nos despedimos e saímos daquele lugar, cada um para lados opostos, mas conectados por um forte laço que se estenderia até os confins da terra.

Considerações: