O suor tinha deixado suas vestes empapadas e grudentas devido ao esforço de caminhar de um vilarejo até o outro, aproveitando ainda a luz diurna, contradizendo a famosa máxima daqueles que viviam às margens da lei, de que o dia era para repousar e a noite para se movimentar. Não havia sido uma caminhada longa, mas mesmo assim o deserto impunha seus termos nela. Quando parou sob à sombra da palmeira que marcava o início da vila, estava morrendo de sede — tinha o hábito de não gerenciar cautelosamente a reserva de água que carregava consigo, consistindo em dois cantis presos na cintura —, pois tinha bebido goles longos e demorados ainda no começo da travessia. Olhando para trás, viu a duna que fazia a divisão de ambos os vilarejos, se erguendo com a espinha dorsal de um animal que repousava encurvado sobre a areia. A água era um conceito estranho ali, onde mesmo o suor tinha seu valor e não eram raras as histórias dos que se perderam no deserto e tiveram de beber os próprios líquidos, apenas para enlouquecer posteriormente.

Saindo da sombra da palmeira, Shizue limpou os óculos na manga, dissipando o vapor que, acumulado, estava turvando sua visão. Era difícil não pensar negativamente no rumo que sua vida estava tomando, estava sempre na iminência de que algo ruim iria acontecer, parecia. Tinha sido abandonada à própria sorte e agora, sem que percebesse, acumulava um currículo de pequenos delitos, todos necessários à sua sobrevivência, é verdade, mas um caminho escolhido conscientemente por ela, que conhecia e tinha pesado a consequência de seus atos. Encarando a via que se estendia diante dela, tinha a impressão de que eventualmente alguém saltaria contra ela e a prenderia.

Tentou encontrar calma, piscando uma, duas, três vezes, cadenciando a respiração até poder pensar com clareza novamente. Era inevitável que coisas ruins acontecessem em seu caminho, afinal vinham acontecendo até então, numa sucessão que parecia interminável, seria inútil tentar refrear ou mesmo parar por completo o ritmo que o destino tinha imposto à ela. Que não pudesse evitá-las, ao menos faria o possível para se preparar.

— Primeiro turno de Gaiden em dupla. 353 palavras.

A caminhada prolongada sob o sol findou por um tempo após o término da água nos cantis que o garoto levava consigo. Os três itens pendurados em sua cintura já não possuíam nem mais um resquício de água para saciar-lhe a sede, e o sol punia-o mais e mais conforme o passar dos minutos. Yuta parou por um instante, suspirando e observando ao seu redor. Areia, areia e mais areia, pensou; não havia nada para se fazer, nenhum lugar para descansar, só havia uma única escolha: continuar. Ou isso, ou a morte sob o sol escaldante, ou pior, congelar em meio a noite fria do país do vento. Suas escolhas o levaram até ali, os delitos cometidos, todo o acontecimento até aquele exato momento fora feito por ele mesmo e ninguém mais, então, se ele fosse culpar alguém por estar naquela situação, só culparia a si mesmo, infelizmente. O rapaz inspirou profundamente e com a mão sobre a testa para tapar o raio de luz de sua face, continuou caminhando em meio ao deserto do vento, buscando abrigo ou algo similar a tal, o cansaço era tanto que por um instante pensou ter visto um oásis, mas sabia que aquilo não era algo existente; suspirou, e apertou os passos, seguindo deserto adentro, rumo ao desconhecido sob o sol escaldante.

[...]

—— Ei, tu. —— falou Okkotsu, observando a mulher de óculos que saía debaixo da palmeira. —— É, você mesmo, quatro-olhos. Passe os cantis para cá antes que eu morra desidratado. —— concluiu, encurtando a distância entre si mesmo e a garota. Não havia nada para ele fazer naquela situação além de encurtar a distância com ambas mãos erguidas; não era um inimigo, e pôs-se a crer que ela também não era. Eram apenas dois infantos no deserto, ele fugia da vila, e ela, bem, não era algo que ele podia saber. —— Minha água acabou após uns vinte minutos caminhando por aqui, a sede foi tamanha que não soube controlar, e agora estou aqui, sem nada. —— falou, arfando. Yuta havia aproximado-se o suficiente para ver que a garota aparentava ser um pouco mais velha que ele devido a sua aparência, seu físico trazia consigo marcas do que o jovem julgou ser batalhas, ou coisas do gênero. —— O que faz por essas áreas? —— Indagou por fim.

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Considerações:

Apesar de ter esperado muito tempo sob a sombra fresca da palmeira, nada de ruim aconteceu. Era uma sensação estranha, aquela ansiedade à espera de um infortúnio. Mas nada lhe ocorreu. Nada, nadinha, nada. Deixou o corpo descansar, sair do modo de alerta, esperando para começar a caminhar.

A aparição repentina foi um susto, ao qual ela reagiu com um movimento rápido, discreto e treinado: a canhota distraindo o espectador, ajeitando uma mecha de cabelo, a destra se aventurando na bolsa marrom que ela tinha presa à lateral da cintura, buscando uma arma de ferro laminada e a escondendo nas costas. Era uma criança também, assim como ela, recém saída do labiríntico escaldante que era o deserto. Ela desarmou-se, ao menos na postura, ainda mantendo a arma escondida.

— Não tenho mais água — disse, mostrando os cantis abertos e os virando para baixo, fazendo escorrer apenas uma gota solitária de ambos. Não se sentiu intimidada ou em perigo pela presença dele, apenas com vontade ajudá-lo. Pôde ver através do véu de seus olhos, aquele corpo curtido até a alma pela dureza e secura do deserto. Como ela. Puxou um comerciante que acabava de passar por ali, pelo braço, enfiando alguns ryous no bolso dele e comprando duas garrafas com água. Jogou uma para ele.

— Estou procurando trabalho honesto — disse. Naturalmente, era mentira. Abriu sua garrafa e tomou um gole pequeno — O deserto é inclemente, se não aprender a controlar suas reservas de água vai acabar morrendo.

Ainda que tivesse conseguido se enxergar um pouco nele, mantinha o mesmo olhar distante e o semblante impassível. Era difícil mudar hábitos de auto defesa como aquele. Enfim guardou a arma de volta na bolsa, dando de ombros ao fazê-lo. Um sobrevivente, como ela, se é que de fato era, entenderia o movimento. Cansada, sem se importar mais com as intenções dele, se sentou, apoiando as costas na palmeira. Deu outro gole controlado de água. Não era comum ter tal controle, mas após ter lhe dado a dica, pareceu que seria um bom momento de começar a aplicar a disciplina que já conhecia. Nas viagens feitas enquanto ainda trabalhava com o circo todos mantinham um controle rigoroso da água, mesmo que não fosse necessário.

— Sou Shizue — disse, sem fitá-lo, atenta ao movimento de pessoas na via diante deles. — Você tem cara de vagabundo do deserto. Que tal encontrarmos um ganha pão juntos? — Pela primeira vez em muito tempo, Shizue se permitiu um sorriso, mesmo que sem jeito.

— Segundo turno de Gaiden em dupla. 390 palavras.

O sol escaldante sobre sua cabeça fazia o nukenin indagar se de fato deveria continuar com aquela vida que escolhera, sinceramente, não valia a pena; seria todos os outros locais assim? Esperava que não, afinal, não teria paciência pra lidar com mais locais assim, não mesmo. Suspirou, fitando a companhia que acabara de conhecer mostrando-lhe os cantis vazios. —— Poxa, que tristeza. Pelo visto estamos ferrados debaixo desse sol. —— concluiu, fitando-a.

A garota desconhecida de súbito puxou um comerciante que passava pelo local onde estávamos, comprando mantimentos com o mesmo e dando-o à Okkotsu um pouco do mesmo, o garoto meneou com a cabeça, agradecendo-a e ingerindo o líquido com um gole pequeno, mas suficiente para saciar-lhe a sede. —— Por essas áreas não há trabalho honesto, acho que você já sabe disso. Bom, pelo menos, eu acho que sabe. —— disse, suspirando. Okkotsu observou com atenção moderada os movimentos da mulher, e a imitou, sentando-se ao seu lado sob a palmeira para proteger-se do sol.

—— Sou Yuta, não me recordo de ter me apresentado. —— falou, tomando mais um curto gole de água do cantil. —— Shi… quatro-olhos é mais fácil, tenho um sério problema para gravar nomes, não se importa, sim? —— deu de ombros, afinal, já havia esquecido o nome da garota. Okkotsu permaneceu em silêncio por alguns minutos, pensando no que poderia fazer ou para onde iria a partir dali, mas não fazia a menor ideia, não estava perdido, mas também não se recordava de algum local próximo, pelo menos não tão próximo dali de onde ambos os jovens fugitivos estavam.

—— Você fugiu da vila, sim? Afinal, não estaria aqui por pura vontade própria… pelo menos eu acho que não, sinto que estamos no mesmo barco, pelo menos por enquanto. Conhece algum lugar próximo daqui? Poderíamos ir para lá e fazer uma pequena moradia, ou pelo menos passar a noite, afinal, é frio demais para seguir; o problema é que está um calor infernal, e também é difícil seguir adiante assim… o que você sugere fazermos, quatro-olhos? Pelo visto, estamos ferrados. —— Yuta abriu novamente o cantil e deu um longo gole, possivelmente acabando com sua água.

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Considerações:

O deserto era o fim do mundo conhecido. A todo momento podiam encontrar abutres voando acima de suas cabeças, esperando pela próxima carcaça, pelo próximo cadáver que iria cair no solo arenoso para arrematá-lo antes que secasse.

Shizue reagiu a sua menção de aventurar-se no submundo com um meneio sutil de cabeça. Então ele sabe, pensou. Sentiu-se mais confortável sabendo que eram iguais, dois desesperados buscando sobreviver. A sombra proporcionada pela palmeira, a brisa fresca que vinha por entre as casas e vielas — era um momento onde ela tinha o luxo de pensar com clareza, parar e pesar suas decisões.

— Não há problema, Yuta — disse Shizue, respondendo, pensando que antes dele ninguém sequer a tinha chamado pelo nome. De um canto a outro, vagando por entre os ermos do deserto não havia ninguém para chamá-la e mesmo quando tinha de passar por vilarejos ou buscar por um contrato seu nome nunca era necessário. Olhou as mãos calejadas, pensando nas noites a fio passadas treinando e se exercitando para que não ficasse sem lugar no circo viajante onde nascera. Tudo em vão. Tinha ficado sozinha, mas agora Yuta estava diante dela. Poderia ser um bom parceiro. É, poderia.

— Nunca fui de vila nenhuma, para falar a verdade — ela então pesou as palavras que tinha na ponta da língua antes de dizê-las, ponderando a respeito de falar aquilo para alguém que tinha conhecido há tão pouco tempo. Teria de ser como um salto de fé — Nasci entre uma trupe circense, eles eram todos renegados pelo que descobri. Nunca fizeram nada de grave, mas eram considerados criminosos. Nunca podíamos ficar no mesmo lugar por muito tempo. Depois de um tempo me deixaram para trás.

Contendo a súbita vontade de soluçar, fitou ele fixamente, lembrando-se de algo.

— A casa. Não tenho uma, é melhor não ter. Lugares fixos, digo — Shizue encarou o vazio, pensativa, com uma das mãos sob o queixo, depois voltou a fitá-lo. — Passar a noite em pousadas e estalagens é melhor, mais seguro. Nunca se sabe quando Suna vai começar a se importar com os criminosos do deserto.

Percebeu que falava mais que o habitual e como que para finalizar a conversa, sugeriu:

— Podemos encontrar um lugar antes do anoitecer, porém precisamos partir rápido — disse, bebendo os últimos goles de água.

— Último turno de Gaiden em dupla. 391 palavras.

Açoitados pelo sol, a brisa suave e gélida que bateu contra seus corpos fora como o refrescar da água do cantil que beberam no tempo que passaram inertes sob a sombra da palmeira. Yuta ainda tinha um resquício de água em seu cantil, então virou este na boca e jogou o objeto fora, escutando o conto da quatro-olhos. O rapaz sentiu algo em seu âmago, talvez por ela ter sido abandonada como ele foi, ou por qualquer outro motivo; ela era uma solitária tal qual ele, uma igual.

—— Você deu sorte, então. Nascer num circo deve ter sido uma experiência e tanto, sequer consigo imaginar como fora sua vida até então. Mas sinto pelo abandono. —— o garoto fez uma pausa, admirando os cristais de areia brilhante a algures de onde estava. —— Diferente de você eu não tive tanta sorte; nasci e cresci no vilarejo, mas devido à algumas coisas pessoais, não tinha amigos e sempre fui excluído de tudo. Até tentei conversar com meus pais, mas eles viviam fora da vila sempre, nunca paravam em casa; eram missões atrás de missões, então não tínhamos de fato uma relação de pais e filho. —— Limpou a garganta, retomando a fala em seguida. —— Pra não dizer que sempre vivi só, eu sempre tive à ela, Rika. —— concluiu apontando para a lâmina na bainha enquanto ambos fitavam-se.

Não havia local para ir, afinal, ambos não tinham morada. Locais fixos eram ruins conforme havia dito quatro-olhos, então a partir daquele dia pousadas ou casebres abandonados seriam seu novo lar, ainda que fossem temporários. Ser caçado agora seria bem incômodo, não por estar fraco, mas sim por ter acabado de encontrar alguém que o fizera falar mais em minutos do que em semanas. Yuta permaneceu em silêncio por alguns minutos, não gostou muito da ideia de ter uma companheira, mas conteve-se e meneou com a cabeça em afirmação, seguindo-a para onde quer que esta fosse. A ideia de ter uma companheira não era ruim, mas sabia que não podia confirmar de imediato numa estranha, ainda que essa estranha fosse uma semelhante.

Okkotsu, por fim, retirou um chiclete do bolso da calça para saciar seu vício, seguindo Shizue para onde quer que esta fosse.

hp: 120, ck: 120, sanidade: 120, estamina: 0/3

Considerações: