Quantos de vocês já estiveram de frente com o demônio e conversaram com ele? Quem o encarou, já o associou com um animal de olhar nervoso, vingativo, com caninos pontiagudos, projetados para fora da boca de maneira imponente. Outros relatos falam de um homem muito belo, de olhar sereno, fala mansa, que cada sílaba pronunciada mais parecia com lanças com lâminas aquecidas nas chamas purificadoras do inferno. Há aqueles que falam do demônio, também, como uma figura feminina, luxuriosa, voz rouca e orgástica. Seja qual for a visão, é sabido que ele se manifesta de inúmeras formas, isso porque o demônio não é um ser único e concreto, mas o aglomerado de inimigos que encontramos ao longo de nossa experiência de vida. O demônio pode estar, inclusive, contido na risada inocente de virgens ou no dinheiro de um empreendimento extremamente lucrativo. Tomie era um demônio para seus pais, ela tinha consciência disso e faria de tudo para se aproveitar o máximo possível de sua posição para fazê-los sofrer.

Tomie não entendia e não procurava entender a origem daquele libido que consumia seu corpo diante do sofrimento dos outros, mas ela não resistia os olhares desesperados de suas presas, a maneira como eles choravam, quase como animais indo ao abatedouros, gritando e se esperneando dizendo:

“Por que, Tomie? Por quê?”

Enquanto ela mesma caía em uma risada quase infinita, sentindo cada célula do seu corpo sendo preenchidas pelo mais legítimo êxtase. Estava no mesmo lugar que o pai depois de anos, ele encarava o túmulo da mulher e da filha e, como alguém já treinado, percebeu a presença de sua criança que ainda vivia, ao ser tomado por aquele maldito arrepio.

– O que você quer aqui?

Ela colocou a mão nos lábios, disfarçando aquele terrível sorriso de desprezo.

– Isso é maneira de tratar sua princesinha, papai?

A ninja se agachou próximo ao túmulo da mãe e, antes que colocasse as mãos sobre a lápide, o pai lhe deu um pisão, nas costas da mão, de maneira que ela soltou um grito de dor, tendo sua mão marcada pela pisada.

– Meu erro foi não ter resolvido isso enquanto você era uma criança, Tomie, você, por que faz as coisas que faz?

Os olhos de Tomie não estavam cheios de lágrimas e seu sorriso se tornou menos que uma expressão neutra e mais uma total displicência a pergunta desesperada do pai, que permanecia pressionando o pé contra a mão direita da filha.

– O que eu faço, seu velho? Ahn? Me diga primeiro o que eu fiz?

– Você matou a sua irmã, Tomie – a voz do homem foi se tornando mais alta e grave à medida que pronunciava cada sílaba, continuou, dessa vez num tom totalmente estridente:

– VOCÊ MATOU SUA IRMÃ, SUA PUTA, E MATOU SUA MÃE DE DESGOSTO JUNTO!

Ao dizer isso, deixou seu corpo cair, soltando a mão da filha que estava num tom arroxeado. A mente destruída pelo que acabara de dizer, de maneira que balbuciou:

– Desculpa filha eu n-

– HAHAHAHAHAHAHA

Tomie riu, um riso agudo, que foi se transformando em uma risada histérica de louco presenciando algo muito infame ou de alguém sofrendo um ataque de cócegas.

– Você é patético velho.

Quando o homem olhou para a filha, o rosto que viu foi o de sua mulher, seus olhos paralisaram, seu coração bateu lentamente e as risadas da menina continuaram.

– Você é…

– Eu sou…

– Um demônio…

– Um demônio…






O pai estava algemado pelos braços na cama, desnudo, corpo cheio de arranhões e manchas rochas distribuídas pelo pescoço. Tomie tinha um bloco de notas na mão e alguns equipamentos de cortes cirúrgicos numa mesa de trabalho ao seu lado, recebendo luz indireta de uma lamparina de iluminação parca, que estava presa na porta que dava para fora daquele lugar.

– Gostou desse lugar papai, é meu lugar secreto, quer dizer, a partir de agora, nosso lugar secreto.

– O que você… vai… vai fazer comigo?

Ela riu.

– Não é dever dos pais educarem seus filhos? Então, você vai me ensinar um pouco de anatomia, até porque corpos são muito difíceis de conseguir quando você é uma ninja, sabe, pouco acesso ao mercado negro, essas coisas chatas.

– Tomie, por favor, me solte e vamos conversar, ok?

Tomie se aproximou do pai, tocou com a mão marcada pelo pisão de outrora a testa de seu progenitor.

– Já não conversamos o suficiente debaixo desse seu cobertor, seu pervertido.

– Você me embebedou, eu não… o rosto da sua mãe…

Com o bisturi, ela se aproximou dos olhos do pai e antes que pudesse cortá-los, parou.

– Será que você por gentileza poderia me dizer o grau de dor que vai sentir quando eu tirar o seu olho esquerdo? Ou prefere que eu corte seu pau, vamos, por favor, escolha.

O homem começou a se mover, desesperado, gritando por socorro, enquanto a menina caía mais uma vez na gargalhada, sendo tomada novamente por aquele misterioso prazer.

– Muito bem, vou te dar seis dias, seis horas e seis minutos para pensar, já que disse que eu sou o demônio, creio que será um bom tempo, né?

Pegou um pano sujo e amarrou fortemente a boca do pai, enfiando antes, dentro da boca dele, a pata de um coelho de pelagem branca. Ele começou a gemer em desespero.

– Virei a cada dois dias para te dar água e o que comer, até lá, evite se cagar e mijar porque vai ser difícil demais pra você se trocar estando amarrado desse jeito.

Tomie se levantou, deu um beijo na testa do pai, descendo sua língua por todo seu rosto, enchendo-o de sua saliva. Depois saiu e num movimento bateu a porta que reclamou num rangido, o homem escutou o barulho dela sendo presa com cadeados. O demônio foi embora, mas em breve voltaria, ansiosa com as brincadeiras que poderia ter com seu novo briquedo.


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