Lá no alto das montanhas, no meio dos sapos do Monte Myoboku, morava uma garota. Há mais ou menos dois anos ela caiu de paraquedas por lá, recrutada pelo sábio líder dos anfíbios para percorrer um árduo caminho de treinamento intensivo sob a tutela dos animais. Sua adaptação não foi das mais tranquilas, e seu modo tagarela e despreocupado de agir não era lá muito quisto por Fukasaku e os demais. Especificadamente naquele dia, no entanto, ela jazia calma, sentada em cima de uma enorme rocha que flutuava em um — também enorme — lago. — Sabe, chefia, eu vim aqui pra dar uma meditada, refletir sobre as coisas... — Chikage, ainda de olhos fechados, suspirou fundo por um segundo. — Mas esse barulho de tu mastigando tá me atrapalhando e começando a me irritar. — Uma única pálpebra abriu, direcionada ao sapo verde de cavanhaque grisalho. — Pois (nhom nhom) o objetivo é exatamente esse, garota. — Ele devorava larvas dos mais variados tamanhos tal qual um humano comia batatas fritas. — Se um dia você quiser controlar a energia (nhom nhom) natural, vai ter que aprender a se concentrar nas situações mais adversas. — Apesar de inconveniente, o velhote estava certo.

— Eu já to aqui há dois anos, chefe. Durmo num colchão, minha dieta é feita basicamente de insetos e não vejo um rosto humano desde que vim parar aqui. O que mais eu tenho que fazer pra conseguir terminar esse treinamento dos sapos? Não lavar o pé? — A frustração era quase palpável. A Hyūga sempre fora tida como uma das ninjas mais inteligentes de sua patente, e ela evidentemente tinha expectativas de dominar a tal energia natural tão rápido quanto conseguia resolver uma raíz complexa de equação polinomial: mas ela ainda não havia percebido que não se tratava somente de sua capacidade cerebral. — Eu não reclamaria se você colocasse "fechar a matraca e ter paciência" na sua lista de afazeres, sinceramente. — Retrucou Fukasaku, ainda devorando suas larvas em conserva. — É sempre esse papo sobre paciência e esperar o momento. E isso não faz o menor sentido pra mim. Como que eu vou dominar uma técnica complexa dessas simplesmente ficando calma? — Ela abriu ambos os olhos e cerrou os punhos por alguns segundos antes de se conter novamente: até mesmo o sapo ancião assustou-se com a situação, pois nunca antes tinha visto a ruiva 'fora de controle' daquele jeito. — Me desculpe, chefe. — Disse, ressentida, assim que percebeu o linguajar ríspido que utilizara. — Quanto mais tempo esperar, Kage-chan, menos terás que esperar.

Fukasaku se retirou da enorme rocha no centro do lago, deixando a jovem ninja sozinha e unicamente com seus próprios pensamentos. Seu passado não era o mais triste do mundo, mas também não pecava em infortúnios e adversidades: desde pequena sofrera com a rígida tradição do clã, um sistema de castas que jamais fez sentido dentro de sua cabeça, e que apenas servia para distanciar ela de sua irmã. O simples fato de ter nascido cinco segundos antes de sua gêmea foi o suficiente para garantir a ela uma vida inteira de vantagens sob os membros da casa Bunke, deixando para Chikage o irônico sofrimento diante da regalia. Separadas, a Hyūga nunca foi capaz de demonstrar à Hikari, sua irmã, o amor, respeito e carinho que tinha por ela de forma direta.  

Foi quando Hikari fora obrigada a se passar pela própria irmã para viabilizar o sucesso de uma missão secreta do clã e perdeu seus olhos no processo, que Chikage decidiu de uma vez por todas que não mais seria parte daquele nefasto sistema. Era pra eu ter perdido meus olhos naquela noite, não ela. Apesar de ter obtido sucesso no resgate à sua gêmea e também ter conseguido recuperar o Byakugan da mesma, sua parcela de culpa naquilo tudo alastrou-se por seu corpo e mente como uma infecção generalizada. Juntas tomaram conhecimento de uma filha bastarda de seu pai, conhecida como Tatsumaki, responsável por sujar as mãos em nome da família enquanto os membros da família principal esbanjavam-se em suas vantagens e luxúrias.

O trio de irmãs resolveu abandonar de uma vez por todas os Hyūga, e com o auxílio de Tatsumaki, realizaram o pacto de sangue dos Sapos e foram convocadas até o lendário Monte Myoboku, onde passariam pelo treinamento mais difícil e árduo de suas vidas. Chikage, mesmo diante do constante abuso e injustiça ofertadas pela própria família, nunca havia cogitado desistir de seus princípios ou deveres, então porque agora que estava livre deles, sentia-se tão impotente por não ter ainda conseguido atingir o sucesso em seu treinamento com a energia natural? Chorar as pitangas e lamentar sobre seu insucesso para os outros não resolveria seus problemas: sua alta intelectualidade não era suficiente para atingir o sucesso e ela precisava aceitar aquilo para que de uma vez por todas, se libertasse da própria frustração. Vamos lá, porra. Respira, inspira e não pira. Tu consegue.

A ruiva sentiu algo tocar-lhe o ombro esquerdo, e ao abrir os olhos, notou a presença de um pássaro.  Seus dedos elevaram-se em sua direção para toca-lo, mas ele bateu suas asas para longe assim que percebeu a tentativa da ninja de acaricia-lo. Assim como sua relação atual com a energia natural, a ave afastou-se da garota assim que a mesma abandonou seu estado de meditação em prol da desconcentração. Ela ainda tinha muito que aprender sobre o caminho dos sapos do Monte Myoboku, mas a superação de suas próprias frustrações e expectativas era mais do que o suficiente para aquele conturbado e esquisito dia. Chikage se colocou de pé mais uma vez, ergueu os braços ao alto, espreguiçando-se e deixando escapar em alto e bom tom um bocejo. — Parece que os velhotes tão sempre certos mesmo, no final das contas. — Murmurou para si mesma. — Bem, quase sempre certos. Ela estava pronta para continuar a trilhar o seu própria caminho, renovada com as forças e vontades que detinha dentro de si desde o momento de seu nascimento. Tudo que ela precisou fazer para atingir aquele estado mais uma vez foi se rebelar contra si mesma, como já havia feito no passado, e provavelmente faria novamente no futuro.

A rebeldia em vermelho estava de volta à ativa.