Os ombros estavam doloridos, seja pelo esforço constante para manter tudo o que me rodeava em ordem, seja por carregar o peso das responsabilidades de casa e de ser um shinobi numa vila como Sunagakure. Mas a verdade era que, a pressão exercida pelo Kazekage na última reunião parecia como se tornasse a gravidade mais intensa, e o corpo reagia de acordo. Éramos dois seres de personalidade árdua, endurecidas pelos pesares da vida, o que nos tornava uma combinação explosiva. Era como um filho testando os limites de seus pais (ainda que não me enxergasse nem um pouco como filho, familiar ou protegido dele): até onde a Sombra do Vento manteria a compostura em meio às adversidades?

Estava sob uma grande construção naquele momento, analisando o oculto conteúdo daquela missão de “resgate”. Como ainda não seria hora para agir, em razão da data marcada para o tal comboio que estaria partindo do País da Rocha rumo ao País do Rio, buscava me manter ocupado com os afazeres, mas a mente estava distante. Sentia-me enferrujado e desmotivado, confesso, após tantos problemas convergirem em um único momento em minha vida. Mas se isso não era ser um shinobi, não sei mais o que seria.

Saltava da construção de maneira despreocupada, partindo em queda livre como se um grande colchão de ar estivesse me aguardando no fim de tudo. Uma manobra de última hora acabava amenizando a queda, cujo impacto se direcionava por completo para minha prótese. Erguia-me retirando a poeira das vestes, olhando em volta para determinar meu novo destino.

A caminhada seria breve, afinal, já conhecia bem as ruas e vielas daquela vila, tal como conhecia a palma de minha mão de aço. Acabaria por visualizar uma figura familiar, mas não tão querida, não tão longe dali. — Se não é o cabeça de fósforo. Perdido? — Dizia de maneira direta, cutucando a onça com vara curta. Ubaku era um ser explosivo, literalmente, e apenas de inexistir inimizades contra novos conhecidos, o rapaz preferiu iniciar a saudação implicando com minha altura. Desde então, vejo ele como alguém que precisasse conhecer seu lugar. Seria assim que Shira me enxergava? — Pouco tempo para a missão do Sombra. Já pensou a respeito dela? Estou perdendo o sono com o que devemos nos deparar na hora. — Comentava. A verdade era que se trataria de minha primeira missão de Rank B e, apesar de nunca evitar um desafio, o fato era que a índole do Kazekage não ajudava em imaginar que a tarefa seria para o bem da vila de fato, mas sim para um bem pessoal dele.

A hostil maneira no qual o loiro se dirigia a mim dizia muito sobre quem ele era e do controle de suas emoções. A mera menção sobre as minhas “deficiências” ou supostas falhas não me abalavam nem um pouco. Utilizava-as como escudo, para que ninguém a utilizasse como adaga contra mim, e funcionava bem. Arqueava uma das sobrancelhas, esnobando de sua tentativa fútil de me enfurecer, até que… — QUEM VOCÊ TÁ CHAMANDO DE BAIXINHO, SEU ESTALINHO DE UMA FIGA?! — Era como se fumaça pudesse ser vista saindo de meus ouvidos ao mesmo tempo em que meus olhos ficavam vermelhos, de pura fúria. — Não é como se você fosse nenhum gigante ou nada assim, panaca! E consigo te derrubar com o meu braço de carne nas costas! — Diria, em tom desafiador.

A minha fúria não era permanente, entretanto, se esvaindo na medida em que o assunto ia se dirigindo para outra temática. Retornaremos para as expectativas sobre a missão, notando que o senso de justiça dele era firme, mas cego. — Acha mesmo que esse tipo de missão vai trazer justiça aos mais fracos? — Não era uma dúvida, mas sim uma pergunta retórica. — Um prisioneiro sendo levado para o País do Rio. E se estivermos soltando uma calamidade para a própria Areia? Shira disse que seria um conhecido dele, mas não confio ainda nas decisões do Kazekage. — Não tinha receios em falar tal conteúdo em vias públicas, ainda que ele escutasse. Minha fidelidade não era cega, tampouco barata. Ainda seria necessário muita prova de fogo até que eu fizesse algo por ele sem questionamentos.

Seguimos conversando, com Uraki aparentando um aquecimento para prosseguimento de seus treinamentos. — Não sou um desocupado pra ficar o dia inteiro remoendo isso, mas é algo que me preocupa. Não pela dificuldade da tarefa, me garanto do que sei fazer. Mas das consequências dela. — Diria, deixando que ele refletisse também. — Se existe algo que eu, você e Shira temos em comum é a vontade inquebrável de proteger a vila, mas até mesmo nisso temos visões diferentes. Para o Sombra, ele aparenta almejar o poder e paz de seus protegidos acima de tudo, independente das consequências. Para você, a paz será conquistada pela força, sem consequências aparentes. Quanto a mim… — Fazia uma pausa, coçando minha cabeça, como se nem eu mesmo soubesse a resposta de fato. — Toda ação tem uma reação, e nem todas valem a pena. Paz criada em cima do medo não é paz: é opressão. — Mencionava, olhando para cima, em busca da lua carmesim que chegaria a noite, trazendo consigo um tom sombrio nas noites dos últimos meses.

A inflexibilidade de Uraki era incômoda, mas inspiradora. Ele não mentia com seu argumento simples de que, sendo forte, ele seria capaz de proteger os fracos, precisando apenas focar em seu físico e em suas capacidades ofensivas para manter essa estrutura pacífica de pé. Claro que ignorava algumas variantes nessa equação, mas era plausível. — Então está confiando demais na força dos outros, e não na sua própria. — Diria quando fosse mencionado que o Kage e os outros estariam de prontidão em caso de algum problema acontecer. — Pensar não vai fazer você ficar broxa, cabeça de fósforo. Às vezes vai poupar muitas cicatrizes também. — Diria sobre o seu jeito brutamontes de lidar com os conflitos. Me lembrava muito do Rogar, imaginando que era uma receita para o caos completo unir aqueles dois.

Mas sua motivação acabava me contaminando um pouco também. No início daquele dia, estava me sentindo lento, enferrujado e exausto, mas não podia me dar o luxo do repouso. Afinal, se eu não me aprimorasse, não ficasse mais forte, não fosse capaz de ir além, quem mais iria por mim? — Seu cabelo é loiro igual ao meu, idiota! Se tem um cabeça de mijo por aqui, é você! — Gritava enfurecido na medida em que ele se afastava, deixando que prosseguisse com suas atividades diárias.

Acabaria seguindo para o lado oposto, numa tentativa clara de evitar mais um encontro com ele. Apesar de 80% da conversa ter sido destinada a troca de ofensas, havia parte dela que me fez refletir mais sobre a missão da próxima semana, das consequências dela e da utilidade para com a vila. Shira era um líder ambíguo, mas determinado. E se ele havia mencionado que a tarefa ajudaria a vila de alguma forma, duvidava muito que prejudicaria aqueles no qual jurei proteger. Talvez o tal prisioneiro seja de fato alguém injustiçado, ou talvez possa ser alguém no qual o Kazekage irá utilizar para seus propósitos vís, mas com consequências benéficas para os da Areia… De qualquer maneira, seria de responsabilidade do Gwyn do futuro em lidar com tal conflito, não havendo necessidade para que o Gwyn do presente perder o sono com isso.