Depois da quase-aposentadoria de minha mãe, boa parte dos afazeres da farmácia haviam ficado por minha conta. Com meu pai perdido em algum bar das redondezas, não gostava de contar com ele quando o assunto eram os negócios da família. Por sorte, ao longo dos anos como associada-chefe da companhia farmacêutica, minha mãe havia feito ótimas amizades com os funcionários, que continuaram a tocar os serviços com a mesma qualidade e excelência de quando ela estava presente todos os dias. Vê-los era estranho, visto que os conhecia desde criança, quase como sendo da família. A menção de que “estavam felizes por eu me tornar um grande ninja” até que me agradava, apesar do clichê, mas a falta de menção sobre o quanto eu havia crescido me incomodava. Profundamente.

Estava com o pacote com os medicamentos encomendados de uma família que residia não muito longe dali. Como já estava de saída, me propus a levá-los eu mesmo, aproveitando para dar uma volta pelo vilarejo. Com as mãos apoiando a nuca, observava o céu ostentar um tom de azul belíssimo, apesar do calor que ele transmitia ao meu couro cabeludo. — Uma chuva não faria tão mal assim… — Falava baixinho, quase em tom de sussurro, suspirando pelo sofrimento em conviver com tanto calor.

O que acabava escutando, não tão longe dali, não era exatamente um sussurro, entretanto. Minha atenção era imediatamente captada para um beco próximo, onde algumas sombras tornavam o lugar agitado. Parava para observar, como curioso que era, notando cerca de três garotos resmungando algo entre si. Talvez fosse apenas mais uns encrenqueiros planejando o próximo problema que iriam fazer, até que um outro garoto, já familiar para mim, surgia no lugar após um salto do telhado. — Uraki? — Mencionava, já notando a atitude hostil do loiro. Era óbvio que aqueles garotos haviam pisado no calo errado.

Olhava para cima, na direção de onde o cabeça de fósforo surgiu, notando o rosto de uma garota amedrontada e claramente ferida, observando os acontecimentos no beco. Fazendo a matemática básica, imaginava que ela era alguma vítima daquela história toda e que o loiro havia dado uma de justiceiro. Saltaria na parede para subir até o telhado, onde apareceria na frente da menina, que caía de bunda no chão pelo susto. — Ei, ei, relaxa! Só vim ver se o cabeça de mamona vai precisar de reforços. — Me apoiava na parede, observando os acontecimentos no solo em tempo real. — Nem para ele te deixar no chão, huh? Bem, te levo para baixo em breve. — Comentava, esperando que ela entendesse que eu não representava perigo. Ao menos, daquela posição privilegiada, poderia assistir o verdadeiro potencial do ninja explosivo.

Havia bastante destreza, de fato, nos movimentos do cabeça de mamona. Não que eu achasse que ele estaria dando tudo de si para lidar com um grupo de arruaceiros, mas já dava para ter uma noção na prática do que ele sabia fazer. — É como ver um barril de pólvora jogando um pouco de explosivo fora para não sobrecarregar. — Mencionava para garota, que ainda estava ferida e, com toda a certeza, traumatizada. Uma espécie de líder surgia, dando mais um toque de desafio, momento no qual saía de perto da parede, indicando para a garota vir comigo. — Ele ficará bem. Vamos te ajudar a descer.

Com um dos braços, faria diversos galhos surgirem e, então, torcerem entre si, formando uma estrutura semelhante a uma escada de parede, mas com degraus mais largos, como os de interior de casas. Fixaria o início da escada no telhado, erguendo a mão para que a menina viesse até mim, para que eu pudesse levá-la para o solo. — Vamos, parece que se feriu bastante. — Mencionava, ajudando-a na descida ao colocá-la em minhas costas.

Quando enfim chegássemos lá, deixaria a menina repousar no último degrau da escada, enquanto viraria em direção ao beco, onde Uraki estaria contemplando os corpos apagados. — É… Esses daí vão comer sopa por um bom tempo. — Mencionava, me referindo ao garoto que teve o rosto completamente fraturado após um soco. — Vamos, cavaleiro da armadura brilhante. Sua donzela ainda espera que você a salve. — Apontava com a cabeça para a menina, que estaria passando por maus bocados com tanta dor.

Os acompanharia pelas ruas, aproveitando que meu destino não era longe do posto médico da região. — O que aconteceu para terem feito isso com você? Seria bom se precaver, já que podem voltar daqui há um tempo. — Diria para a menina de maneira direta, apesar de não desejar acionar nenhum gatilho nem nada do tipo. — Posso aproveitar e mencionar com a patrulha onde eles estarão. Talvez os levem para a cadeia e seja uma preocupação a menos. — Mencionava, esperando para ver se haveria algum tipo de objeção dela. — E mandou bem, cabeça de fósforo. Agiu rápido. — Sorria de canto de boca, expressando um elogio quanto à atitude do Chunin.

Então o motivo era algo tão banal assim? As pessoas realmente estavam perdendo a noção das coisas nos dias de hoje… Nem podia alegar que era crianças brincando com coisas perigosas, pois pareciam ter a nossa idade, aproximadamente. Imagina se esses sujeitos resolvessem fazer tudo isso executando jutsus? Ou kunais, espadas, shurikens… — Uma gangue dessas, com líder e tudo, apenas pra tirar sarro de uma garota? Bem… Acho que depois dessa aprenderam que não se deve mexer com quem está quieto. — Mencionava, colocando a mão novamente atrás da nuca durante a caminhada.

Pelo relato do cabeça de mamona, ele realmente agiu apenas por notar a injusta agressão em acontecimento, não hesitando em acabar com a integridade de qualquer um que estava sendo injusto naquele beco. Mas, conforme mencionado, uma penalidade mais duradoura seria necessária para que esses tipos de atitude não viessem a se repetir. — Podemos te ensinar alguns golpes depois que se recuperar. Ao menos para se defender. — Não que a menina estivesse em pique para pensar nesse tipo de coisa agora, mas gostava de dar-lhe esperanças de que as coisas poderiam melhorar eventualmente.

A chegada no posto médico havia sido rápida, e fiquei esperando no lado de fora, olhando em volta para tentar mensurar a distância até o ponto de entrega para os medicamentos que estavam em minha bolsa. Uraki voltava logo após, alegando que a menina estava sendo tratada. — Bem, nos vemos por aí então. Logo nossa missão vai chegar e… — Estava concluindo o pensamento quando mais um dos malucos surgia para tirar satisfações. O esquentadinho tratava rápido dele, dando o que merecia. Ao final, quando seu corpo inconsciente estivesse estirado no chão, esticaria o braço em sua direção, fazendo raízes brotarem por ele para começar a se enroscar em seu corpo, apertando o bastante para ser tão efetiva quanto uma camisa de força. — Apenas para garantir. — Diria, antes de sair andando para longe dali. — Deixa que eu cuido dos relatos com os oficiais. Se souberem que você estava envolvido nisso, podem te enquadrar por excesso. — Deixando claro que cobriria meu parceiro, seguiria para um posto de polícia não muito distante dali, para dar seguimento ao meu dia particularmente agitado.