OS OLHOS DO MIZUKAGE SE PRENDIAM NOS DA ESPADACHIM antes de correr na direção dos de sua comandante militar. O vapor serpenteava de seu café enquanto deixava um pergaminho sem uma letra sequer o marcando, seu corpo era todo preto. O brilho da lua de sangue invadia sutilmente pela janela aberta, iluminando o gabinete junto às chamas suspensas nas arandelas aqui e ali.

— Desde a morte do último Senhor Feudal, muitas vilas menores tem se tornado agressivas para com a Névoa. — o Sexto explicava, tomando o copo de café em suas mãos e tomando um bom gole. — Um ocorrido com um suposto parente do falecido irmão da atual Senhora da Água mostrou que estão dispostos a irem mais longe... — o olhar dele se tornou sombrio quando a simples lembrança veio. — ...armaram uma emboscada para Haru e para mim anos atrás.

O súbito interromper do galope dos cavalos que puxavam a carroça tiraria Kyousha e Yukiko do transe de alguns dias passados quando receberam a tarefa. A chuva caía fina na capital e a lua dançava entre as nuvens nos céus de ardósia. Um homem com o rosto coberto pelo capuz negro e grosso que o protegia do frio e da garoa abrira a porta para a dupla, que poderia ver um guarda de estatura alta sob uma armadura azul ciano e rosto coberto pela viseira, traje bastante incomum na Névoa; ao seu lado, um rapaz em um terno preto, óculos sobrepondo seus olhos carmesim e o cabelo cuidadosamente penteado.

— Presumo que sejam as enviadas do Mizukage. — seu tom era educado, embora seu semblante não fosse muito receptivo. — Os povos dos vilarejos menores da Água estão aguardando para que possamos começar a reunião.

Naquele momento, as duas se lembrariam bem das últimas palavras de Warui. Ele as fitava como se os olhos transbordassem as trevas que suas palavras não expressavam.

— Estejam prontas para tudo; até mesmo matar se necessário.

OS PASSOS FIRMES DO HOMEM DE OLHOS CARMESIM estralavam pelos elegantes corredores do grande Castelo da Água. A chuva do lado de fora tamborilava no vidro das grandes janelas e as chamas suspensas em arandelas iluminavam a passagem com uma beleza que mesclava o rústico com o moderno. O grande tapete azul escuro com fios dourados parecia apontar exatamente para onde a dupla da Névoa era destinada.

Uma sala espaçosa se abriu para o grupo logo a direita, um espaço bastante amplo com um lustre repleto de velas oferecendo boa iluminação, além das tochas que se espalhavam pela área de teto abaulado e enormes janelas que permitiam o brilho da lua de sangue invadir. A mesa de centro possuía um belo banquete e todos os representantes de vilas menores os fuzilavam com olhares pouco amistosos.

Três homens e duas mulheres totalizavam aqueles que aguardavam, com traços bem distintos e vestes de pouca elegância. Uma mulher tinha sua katana pousada sobre a mesa e tragava um cigarro de filtro amarelo, dispensando as cinzas sobre o próprio prato vazio; uma outra de fios castanhos claros e olhos carmesim tinha os braços cruzados a frente do peito, também pouco interessada em qualquer coisa no banquete.

— Aquelas são as representantes da vila do Rio e da Colina. — disse o homem sob a pele de aço ciano, em bom tom para que somente as duas ouvissem.

Um robusto homem envolto por uma armadura negra, barba grossa e com algumas cicatrizes era o mais calmo e seu olhar era impassível. Sombra, elas poderiam ouvir a voz debaixo do elmo outra vez, como se soubesse exatamente para onde seus olhares corriam. A mecha branca na crina de um extravagante senhor mirrado e de semblante sisudo chamava mais atenção do que de fato a maneira como devorava uma coxa do peru com mel. Era ele, porém, o que mais chegava perto de vestir-se em trajes para uma formalidade.

— Aquele veio representar a Morte...

O dedo de metal apontava e logo se movia para o último a ser apresentado.

— ...e aquele é o representante dos Fantasmas.

A aparência jovial lhe conferia um ar despojado, adornado por seu sorriso sádico enquanto observava as duas últimas integrantes da reunião. O homem de terno levaria as kunoichis para seus respectivos lugares, onde poderiam livremente apanhar o que quisessem para comer e beber. Sabendo que eram da Névoa, todos os olhares voltaram para a comandante e a espadachim e elas poderiam sentir a energia do ambiente pesar, como se remassem contra a correnteza.

— O Mizukage parece ter se tornado frouxo com o passar dos anos. — disse o homem da Morte.

— Não seja bobo, afinal por qual motivo ele perderia tempo vindo até aqui? Não passa de uma reunião conciliadora. — mudou o tom da última palavra propositalmente e o sorriso se alargava no rosto do enviado da Vila Oculta dos Fantasmas.

— Peço calma, senhores. — aquele que fazia as vezes do anfitrião interrompia. — Este encontro é de fato para que cheguemos a um acordo de paz...

Ao fundo, todos ouviriam os sons de portas se fechando bruscamente, inclusive a do grande salão onde se encontravam. A espadachim do Rio apagou seu cigarro e tomou sua arma em mãos; a jovem da Colina afiou o olhar e o homem dos Fantasmas permaneceu com os dentes amostra.

— As mãos da Sombra da Água estão sujas com o sangue de nosso povo. — o senhor da Morte falava, pousando o osso sobre o prato. — Arashi Warui é um assassino e nem mesmo o Senhor Feudal foi poupado, este homem tramou a queda do herdeiro legítimo.

Kyousha, neste momento, poderia ter um estalo; lhes faltavam nomes, não havia sinal da Senhora Feudal – a maior interessada na paz no País da Água – e ninguém ali parecia estar vestido para formalidades. Uma observação mais minuciosa da espadachim poderia nortear as próximas ações da Névoa, mas qualquer passo em falso seria o princípio do fim.

— Nos digam então, senhoritas, — a voz do homem na cabeceira ecoava como o estouro de um trovão. — o que a Névoa vem nos oferecer?

— A NÉVOA ESTÁ REALMENTE DISPOSTA A TUDO, SENHORA COMANDANTE? — retrucou o homem com a grande mecha branca. — As portas já estão trancadas? — emendou, correndo o olhar na direção do homem de terno que respondeu anuindo.

— Acho que o Mizukage não vai trazer minha irmã de volta. — disse a espadachim, antes de dar uma longa tragada em seu cigarro. — Talvez seja no mínimo justo ele que eu tire dele alguém importante também.

O sorriso dela se alargou de forma sádica antes de apanhar a espada pelo cabo de couro com sua mão direita. Com a esquerda, ela segurou na bainha e puxou calmamente, seus olhos brilhavam enquanto refletidos no fio. Os dedos do homem mais velho se moviam por baixo da mesa antes de ele encher os pulmões de ar ao tomar uma respiração profunda.

As cadeiras de todos se arrastaram levemente para trás e o representante da Morte soprou uma densa cortina de pó e cinzas que rapidamente devorava toda a mesa do banquete. A temperatura na grande sala se elevou e todos os representantes de vilas menores se lançaram para fora do alcance do manto de destruição. A jovem com a espada jogou seu cigarro no véu cinzento com um peteleco, ainda com a ponta acessa e aquilo era mais que o suficiente.

Uma grande explosão faria a fumaça se expandir para cada centímetro do grande salão, nublando a vista de todos. A kunoichi com a espada permaneceu onde estava, com um sorriso ainda mais largo em seu rosto; a de olhos carmesim mantinha os braços cruzados a frente do peito. O homem da Morte agiria outra vez, sorrateiro como uma serpente, liberando no ambiente um gás invisível a olho nu e altamente inflamável, aproveitando-se da grande distração visual que ele mesmo criara. Se chegarem perto de mim, estarão um passo mais próximas da morte. Os mesmo trinta metros que ele havia lançado seu primeiro sopro estavam repletos de sua segunda técnica.

Naquele momento, porém, estavam todos cegos.

— Não se preocupem, levaremos seus cadáveres para seu amado líder! — bradou a espadachim do Rio. — Agora, vamos dançar.