I




　É engraçado pensar em como os caminhos podem variar enquanto o destino se mantém inerte e imutável. Outrora o ruivo com destino incerto no gélido País da Neve foi um menino sorridente e amigável que já nutria certo apreço pelo que confere às coisas da natureza e suas belezas. Antes de seu pai cair em desgraça e se amargurar no fundo de uma cama, Satoru se via, quando não distante em sua solidão conformada e exclusiva, tentando fazer o bem aos que estavam ao seu redor e derredor. Naquele dia em questão, do qual se recorda com certo pesar nos dias atuais, talvez por sentir-se impotente e covarde distante de um velho amigo do qual nem ao menos pode se despedir, o sol banhava a Aldeia da Folha com seu resplendor acalorado.

　　Seus cabelos carmesim se destacavam pelas ruas comerciais enquanto o, ainda menino, se dirigia de volta para sua casa nos arredores. Tinha seus treze anos e longas madeixas presas por um rabo de cavalo curto. Suas vestes nada mais eram que simplesmente resumíveis a um kimono branco com finas folhas verdes espalhadas aleatoriamente, as lapelas em um tom escuro de verde, uma faixa preta em sua cintura e chinelas comuns. Seus olhos não se fixavam em nada em especifico ainda que se dispusesse a rolar os mesmos por toda a paisagem a sua volta, o que fez com que fosse relativamente fácil encontrar um rosto conhecido no alto de uma residência qualquer.

　　— Hum? — Espantou-se com o acaso e ponderou sobre estar certo ou não a respeito da figura no topo do edifício — Reonashi-san? — Indagou consigo mesmo.

　　Em uma sequência de saltos acrobatas atrás de impulso por entre as paredes paralelas da viela daquela construção, o menino desvencilhou-se de pouco tempo até se ver poucos metros atrás do seu amigo. Analisando rapidamente a situação e conhecendo por alto alguns assuntos que afligiam seu conterrâneo mais próximo, assumiu que era um momento oportuno para ceder sua companhia e ouvido a um amigo.

　　— O que pensa que está fazendo, Reonashi-san! — Bradou em tom amistoso ao passo que avançou rapidamente até se colocar a direita do Senju, colocando a canhota sobre o ombro do mesmo, a qual nos dias atuais lhe faz falta — Imagina minha surpresa em te encontrar aqui em cima justo na minha volta pra casa?

I




　Enquanto ouvia a abreviada descrição do tempo por parte de seu amigo, elevava os olhos para o céu e os fechava abrindo um sorriso leve, aspirando o ar que se tornava mais saboroso ao seu entender com um clima tão tranquilo e pacifico. Percebendo a movimentação do outro, virou-se para o mesmo e atentou-se ao que dizia, enquanto ajeitava seu kimono com relação a faixa negra no mesmo. Aparentemente os problemas familiares do menino continuavam, o que preocupava o Uzumaki. Satoru acreditava que aquele fardo era pesado demais para alguém tão jovem e admirava o Senju por conseguir suportar. Não tinha como imaginar o quanto se pareceriam no futuro quando seu pai ficasse acamado diante de um misero fungo.

　　— Sinceramente — Um sorriso sem graça se estendeu no rosto do ruivo, visto que teria de admitir uma grande falha — Na verdade eu quis dar uma passada na biblioteca. Sabe, no fim das contas nunca foi um objetivo pessoal me tornar um shinobi, acho que não faço muito caso de realizar essas missões, tanto que — O ruivo inclinou seu tronco e colocou a canhota a frente da boca como se fosse contar um segredo — Até hoje não realizei nenhuma missão.

　　O fato é que ainda mantinha seus pés firmes na Aldeia da Folha, mas não concordava com diversas atitudes que via por parte dos superiores e até mesmo daquela pessoa que os representava. Afinal, desde que nascera e até os dias de hoje, não havia recebido ou recebeu qualquer auxilio que fosse da Sombra do Fogo. Talvez existissem aldeões demais para proteger. Talvez fosse o caso de o ruivo aprender a relevar a falta de demonstração de afeto para com seus conterrâneos por parte daquele que devia os acolher como membros da família. O que importava ao garoto de cabelos carmesim era fazer o melhor por todos a sua volta, por isso quem sabe esperava o mesmo da liderança.

　　— Escuta, você não devia deixar essas coisas te deixarem tão afetado assim. Tenho certeza que seus pais te amam e só se preocupam em te proporcionar o melhor e a te incentivar a correr atrás disso também — As palavras do menino mostravam uma experiência muito maior do que de fato tinha, talvez por dedicar muito de seu tempo a leitura — Você tem que voltar pra casa e prometer a eles que vai continuar trabalhando duro pra deixa-los orgulhosos! Vão ficar bem felizes e talvez peguem menos no seu pé.

III




　Claramente o pequeno e bom amigo de Satoru, apesar de muito novo e ainda inexperiente, já contava com uma opinião bem formulada e alicerçada acerca de sua situação familiar. Muito embora naquela época o ruivo ainda estivesse pré-disposto a ajudar as pessoas que fossem mais próximas, conjunto no qual o Senju se encaixava, não iria insistir e correr o risco de perder alguém apenas para mudar uma crença. Situação muito diferente da qual se encontra o agora carrancudo e amargurado Uzumaki, visto que com o passar do tempo e com as injustiças que assistiu pelos lugares onde passou, criou uma carapaça contra os sentimentos alheios aos seus e tornou-se um ser que da valor apenas ao que lhe diz respeito, como se uma filosofia completamente estoica e distorcida se apossasse de seu espirito outrora amável e protetor.

　　— Eu queria muito poder ajuda-lo de alguma forma, mas acho que isso é uma coisa que você vai ter que passar sozinho — Afirmou enquanto coçava a nunca com sua mão esquerda, estendendo um sorriso forçado em seu rosto a fim de adocicar suas palavras — Mas não se esqueça de que você tem um amigo que se preocupa e que faria de tudo pra te ajudar! Se tiver algo que eu possa fazer pode me dizer.

　　A verdade é que não haveriam mais tantos encontros assim entre os dois amigos, que poderiam ou não esquecer eventualmente que ali existiu companheirismo e solidariedade. Talvez algum dia no futuro distópico possa acontecer este reencontro e a resolução do mesmo apenas cabe ao destino nos mostrar. A despedida por parte de Reonashi foi retribuída com um aceno singelo e o partir abrupto na direção oposto, tendo como rumo a residência onde já sabia como encontraria seus pais. A mãe de Satoru provavelmente estava próxima ao forno do lado de fora, terminando de preparar o almoço. O pai, Satoshi, estaria no seu lugar preferido mais ao centro da floresta, praticando sua dança exibicionista com a espada, a qual adotava como postura de batalha corriqueiramente em vista da necessidade. Não importa de qual direção olhasse, não veria a família que se tornaram.