I




　Com o cair da noite, mais uma vez tornava-se evidente a falta do satélite natural que o universo concedeu a terra. Por vezes não passou de um anuncio catastrófico acerca de um inimigo iminente ao ser tingida de vermelho como forma de preludio para a calamidade que nem o mais pessimista dentre os homens poderia imaginar. Agora, após ruir diante das rachaduras que se alastraram indiferentes a plateia que assistia toda a cena, deixava nada mais que um vazio no firmamento. Como um de seus mais fieis admiradores, Saito tomava suas noites posteriores à grande queda como consideravelmente mais tristes.

　　Acompanhando o escurecer gradual, sentou-se à varanda de sua casa e pôs-se a ponderar acerca de como o mudar abrupto de situações rotineiramente pregava peças sem graças e de cunho doentio na maioria dos seres da terra em pelo menos um grande momento de suas vidas. Estava em um ótimo momento e não sentia-se menos humilde em admitir isso. Apenas um cego negaria a ascensão esplendida do espadachim. Tornava-se a cada dia que passava um pouco mais especialista nas vertentes que desde muito novo se destacava, desde o manuseio de espadas até a criação de ilusões que lhe abriam um vasto leque de possibilidades.

II




　Suas vestes ainda eram as de trabalho que tinha vestido mais cedo quando foi convocado para encontrar e apreender o sujeito responsável por uma série de ataques terroristas que vinham acontecendo pela aldeia. Com o sucesso em sua tarefa se dando de maneira repentina e agraciada com demasiada sorte, recolheu-se para sua residência onde estava agora.

　　— As vezes me pego fazendo a seguinte pergunta, Metatron — Dizia sentado na cadeira de madeira relativamente desconfortável em sua varanda, fitando o felino em seu colo  — Será que você consegue entender alguma palavra do que eu digo ou eu só estou me tornando um esquizofrênico?

　　Os olhos esverdeados do gato preto estavam direcionados ao rosto do chunin enquanto falava, como se realmente fizesse sentido tal questionamento. Mas em resposta ao mesmo, Metatron desvencilhou sua atenção num instante para a própria pata esquerda, começando a lamber a mesma continuamente.

　　— Acho que no fim, estou mesmo ficando esquizofrênico — Um riso singelo e espontâneo escapou — Vai ver isso é um castigo por ter me dedicado tanto a causar danos na mente de meus adversários. Agora eu to aqui, falando com um gato que não entende nada do que eu digo e por incrível que pareça, ainda não parei.

III




　Havia se tornado um tanto quanto mais complexo identificar o passar das horas por meio de um simples lançar de olhos aos céus. Não existia mais uma lua para tomar como parâmetro. Por conta disso, Saito não se deu conta de que já passava do horário de preparar o jantar e apenas recobrou o dever quando Metatron se espreguiçou propositalmente em suas pernas, cravando de uma vez só todas as unhas de suas patas dianteiras, miando ao fim.

　　— Metatron! Ai! AAAAI! — Bradou o jovem rapaz, fitando o rosto do felino enquanto o fazia.

　　Aquilo foi o suficiente para lembrar-se de que ambos os dois ainda não haviam jantado. Com a destra afagou o gato e segurando-o com ambas as mãos, retirou-o do colo e repousou o mesmo no solo, levantando-se e seguindo para o interior da casa. Seu destino era o armário onde guardava a ração. Após despejar sobre o devido recipiente e receber um miado sincero de agradecimento, focou na sua refeição.

　　— Duas de água, uma de arroz — Refletia com sigo mesmo enquanto preparava tudo — Duas de água, uma de arroz — Era quase como um mantra ritualístico que fazia sempre ao preparar o jantar. Era algo que sua mãe havia lhe ensinado antes de partir.

IV




　Por puro acaso ou talvez por algo que foi feito durante sua gestação, Saito havia nascido com a ausência de papilas gustativas e por conta disso não sentia gosto de absolutamente nada, motivo pelo qual o cheiro era seu guia na maioria das situações gastronômicas. Em via de seu defeito genético não enxergava necessidade em temperos variados. Suas refeições não eram o que pode se chamar de calculadas, mas continham apenas o necessário para qualquer ser humano. Uma porção de proteína, uma porção de carboidrato, uma certa quantidade de gordura e claro, os micro nutrientes encontrados em sua maioria nas frutas e legumes que acrescentava as refeições.

　　Naquela noite em questão, sentou-se a mesa como de costume sozinho. Em cima da superfície no móvel, colocou sua tigela com não mais que duzentas gramas de arroz cozido, ao lado de uma um pouco maior contendo cinco ovos cozidos já descascados. Na fruteira, um pouco mais distante, uma variedade bem maior de alimentos que lhe serviriam como sobremesa. Ao passo que tateou com a destra a mesa e recolheu seu hachi, juntou as palmas das mãos e agradeceu. Todavia, antes de iniciar sua refeição, um pássaro semelhante a um falcão se aprumou na janela mais próxima. Saito viu uma mensagem na pata e estendeu a canhota paralela ao corpo. A ave voou pela casa rapidamente e pousou sobre o braço do jovem, que recolheu a nota e a leu, liberando o mensageiro empenado.

V




　Nas linhas transcritas no pedaço de papel que havia recebido listavam duas missões em uma. Já havia feito trabalhos como aquele outrora, mas aparentemente se tratava de um chamado de maior importância tendo em mente seu cunho e o fato de ser repentino em demais. A descrição indicava um local para encontrar uma espécie de caravana de mercadores e seus familiares que seguiria para um povoado no arredores da aldeia e que precisaria de escolta, o que caracterizava a primeira parte da missão, enquanto que a segunda seria dar cabo dos bandidos que vinham roubando os viajantes e espreitavam na estrada.

Aquele era um trabalho para uma equipe de três iniciantes e um especialista, mas por conta da escassez de contingente era bem provável que os responsáveis por atribuir missões estivessem sem uma opção válida e aquela situação exigisse que eles mandassem a pessoa mais capacitada disponível no momento. Sendo Saito o shinobi de maior capacitação na aldeia enquanto o restante dos ninja estavam fora lidando com uma situação mais delicada no País dos Rios, não haviam motivos para deixa-lo de fora da missão em questão. Levando em conta o teor caótico e a necessidade, finalizou seu jantar em poucos minutos e viu-se a caminho do portão principal onde iniciaria sua escolta.

VI




　No lugar, avistou três carroças resistentes e abastardas de material unidas por uma corrente que fazia com que todas seguissem em fila uma quarta carroça, a qual era bem maior que as demais pois era nela que os familiares iam. Para o responsável pela escolta um cavalo negro como a noite já estava amarrado a um tronco ali disposto.

　　— Boa noite a todos — Saito se aproximou do grupo que aparentemente o aguardava - Me chamo Saito e serei o responsável por escolta-los.

　　— Boa noite, rapaz. Me chamo Kan e sou o líder da caravana — O mais velho se aproximou se apresentando e estendendo a mão. Era claramente um idoso que dependia dos lucros de suas vendas para sobreviver.

　　— Bom, se não estiver faltando ninguém, gostaria que partíssemos — Saito se aproximou do cavalo separado, deduzindo que era seu transporte. Do alto de um gancho na parede ao lado do estabulo avistou uma sela, a qual recolheu e colocou sobre o animal.

　　A caravana saiu sem perca de tempo. Ao lado da mesma, entre a segunda e a terceira carroça, Saito mantinha-se com as rédeas em mãos e seu cavalo negro trotava acompanhando o grupo. Seus olhos e ouvidos se mantinham atentos a tudo que os cercava.

VII




　Exatamente onde esperava ser surpreendido pelos bandidos, e porquanto não sendo, Saito ordenou que a caravana parasse levando dois dedos a boca assim realizando um assobio estridente. Havia, sem muitas dificuldades, vislumbrado o reflexo de uma ponta de lança no meio da mata que cercava a estrada.

　　— Ouçam, todos os corajosos escondidos na floresta — Bradou o jovem de cima de sua montaria — Vocês tem exatos cinco segundos para se revelar e se entregar sem resistir.

　　Antes que começasse a contar, como havia planejado, ouviu o balanço abrupto de folhas a sua direita e um som que se assemelhava ao lançamento de uma lança. Por experiência e reflexo, inclinou o tronco para trás apenas o suficiente para que não fosse acertado. E de fato não foi. A lança passou direto.

　　— Não querem os cinco segundos então? — Saito levou ambas as mãos a frente do corpo e realizou uma série de selos.

　　A ideia era colocar sobre o efeito da ilusão do surgimento de uma arvore que os entrelaçava todos aqueles que estivessem escondidos. Aparentemente com êxito. Fizeram-se audíveis gritos de horror e suplicas de misericórdia. Saito desceu de seu cavalo, amarrou todos os bandidos que haviam sido afetados pela ilusão e subiu novamente, usando a montaria para arrasta-los pelo caminho.

　　— Podemos prosseguir — Bradou para a caravana.

VIII




　Custou mais um punhado de minutos para a caravana ser entregue, em total segurança, ao seu destino. No que conferia aos bandidos, por outro lado, um punhado de três com a saúde mental comprometida e cobertos de poeira e lama pois vinham sendo arrastados. No povoado em que deixou os mercadores haviam guardas que se responsabilizaram por trancafiar e aplicar a devida punição aos malfeitores e porquanto Saito viu-se livre de tal fardo. O garoto despediu-se dos amigos que havia feito durante a missão e prometeu retornar algum dia para visita-los, subiu em seu cavalo outra vez e tomou como rumo a Folha.

　　No percurso de retorno, procurou se atentar ao que o cercava, mas não propriamente dito para antever uma investida inimiga. Como bom apreciador da natureza em sua primeira instancia, gostava de se prontificar a simplesmente contemplar a beleza até das coisas mais simples como o nascer do sol. Àquela hora, por entre a paisagem disposta no horizonte das montanhas em cadeia, surgia lentamente a estrela gigante, liberando sobre cada ser vivo o seu resplendor magnânimo. Os olhos de Saito se encheram como se visse o evento pela primeira vez. Só poderia ficar melhor com o vislumbre da aldeia surgindo no horizonte. E assim ficou. Estava em casa enfim.