I




　Não despendia de demasiado tempo desde o último caso resolvido, na verdade ainda nem havia deixado a cena do crime em questão. Saito almejava com afinco o mais alto cargo da Força Policial da Folha, mas ainda estava no processo para conseguir o posto de Comandante, tendo em vista a necessidade do título para só então entrar na briga pela chefia. Suas vestes quando efetuando suas investigações e analises eram resumidas a um terno preto simples e uma gravata da mesma cor. Por baixo da camisa social branca utilizava uma regata colada de cor preta, a qual lhe servia muito bem quase como um colete. Sobre a testa a tão famigerada bandagem. As ataduras escondiam a tatuagem no centro, a qual em momentos de necessidade dava lugar ao terceiro olho. Nas orelhas sua assinatura, os brincos em formato esférico.


　　Naquela tarde em questão, o Capitão da Policia da Folha se encontrava no último andar de um dos prédios da aldeia, encarando o vilarejo a partir da grande janela de vidro ali disposta. Do lugar, era possível ver o outro lado da rua. O parque onde rotineiramente se encontravam os mais variados tipos de pessoa, quase sempre em momentos de lazer, contava com uma presença especial, Tsurugi, com quem formava o poderoso Trio Monstro da Folha.

　　— Parece uma boa hora para conversar com um amigo — Disse Saito, retirando o cigarro dos lábios ao encaixa-lo entre os dedos indicador e do meio de sua destra.

　　Talvez pela ansiedade, talvez pelas mais variadas cenas de horror que contemplou após sua entrada para a Policia. O fato é que o jovem rapaz havia adquirido o hábito de fumar costumeiramente. Principalmente após resolver um caso como aquele. As paredes atrás de Saito estavam manchadas de sangue e no solo o corpo coberto por um tecido negro. A primeira suspeita era de homicídio, mas no desenrolar da trama descobriram se tratar de um suicídio. Ao que a equipe responsável pelo corpo chegou, Saito livrou-se do cigarro ao deixa-lo cair no solo, esmagando o mesmo com a ponta do pé esquerdo. Desceu as escadas afrouxando a gravata presa em seu colarinho e dirigiu-se até a posição de Tsurugi. Anunciando-se ao estar próximo.

　　— Não acha que está velho demais pra ficar brincando em parques? — Sua mente estava cansada e conversar com um companheiro iria ajudar. Suas duas mãos estavam em seus bolsos, sua postura era tranquila, mas Tsurugi sendo alguém próximo, saberia que algo estava incomodando Saito.

II




　Era inegável que com o passar dos dias naquela função Saito acabou se distanciando mais do que seria uma pessoa completamente feliz, mas longe de ter se tornado um ser obscuro e completamente alheio a sentimentos. Na verdade, sentir demais talvez fosse o problema. Ver a maldade e sua capacidade de corromper outras pessoas ao ponto de se tornarem capazes de orquestrar os mais deploráveis atos é que lhe feriam a alma. Naquele dia o suicídio havia sido o de uma garotinha poucos anos mais nova do que Saito e Ren na época em que se conheceram. O motivo, no inicio um tanto quanto incerto, se mostrou ser nada mais nada menos que o desgaste mental causado pela super cobrança proveniente dos pais. No caso em questão, a maldade era pintada em sua forma mais bruta no desejo incontrolável de moderar a vida da menina por parte de seus patriarcas. O que levou-a a ideia de que a única maneira de alcançar a paz fosse tirando a própria vida.

　　— Imperdoáveis — Talvez não fizesse sentido algum para o amigo que ouviria o pensamento alto de Saito sair como um sussurro.

　　Um longo suspiro se deu ao passo que aceitou o convite de seu amigo. O rapaz sentou-se no banco ao lado do companheiro inclinando o tronco para frente, apoiando-se com a destra sobre seu joelho. A canhota por sua vez levou de encontro a testa enquanto seu cotovelo serviu de suporte, também sobre o joelho. Seus olhos estavam fechados e em sua mente parecia repetir-se as diversas cenas de crime que vinha tendo o desprazer de avaliar rotineiramente.

　　— Sabe, Reo — Pausadamente se dispôs a responder, ponderando a cada palavra acerca de qual seria a melhor forma para expor as situações que vinha passando — Nem todos os dias são tão ruins assim. Mas existem dias como o de hoje em que tudo que me sobrecarrega desaba e eu não consigo sustentar. Quase sempre, nesses momentos, eu estou sozinho e sem ninguém para conversar, acabo preso num loop revivendo as mesmas coisas sempre. É um pesadelo. Pelo menos hoje eu tive a sorte de te encontrar e de alguma forma eu sinto como se estivesse dividindo o fardo pesado que carrego.

III




　Um instante de lucidez foi suficiente para tornar a racionalidade e calmaria de outrora. Saito endireitou sua postura e sentou-se apropriadamente naquele banco de concreto disposto no parque. Como rotineiramente fazia em seus dias de infância, lançou seu olhar contra o céu e encontrou beleza em cada detalhe do que viu, por mais cinzento que estivesse. De maneira acalentadora, as doces palavras de Reonashi surtiram o efeito que aparentemente era pretendido e um simples toque no ombro com intuito de passar a mensagem de estar sempre a disposição do amigo conseguiu não apenas aquecer o lugar mas também aliviar o espirito do Capitão que vagava pesado.

— Me sinto muito egoísta te falando dos meus problemas logo na primeira vez que nos vemos em dias — Entre um riso leve Saito se expressava.

Passou sua canhota em volta do pescoço daquele que tinha como ninja número um em procrastinação e o trouxe para próximo de seu tronco. Com a destra, desarrumou os cabelos de Reonashi, sorrindo como se não estivesse minutos antes abraçado pela mais profunda depressão pós-crime.

— Você sabe que também pode contar comigo pra seja lá o que for não é? Afinal, nós três somos a equipe número um da Folha! — Sua vangloria sai acompanhada de uma risada profunda, como se tirasse sarro do fato de tantos na aldeia consideram aquele trio como os maiores protetores de seu povo.

Com o movimento abrupto de seu companheiro, Saito foi pego, mas logo solto. Aquilo rendeu uma boa risada frouxa para talvez ambos. No fim, o convite era irrecusável aos olhos do jovem de madeixas negras. Tateou o bolso esquerdo em busca do maço de cigarro, empunhou-o com a mão e procurou por um fumo. Para seu azar ou para sua sorte, não existia mais conteúdo algum no interior da embalagem e porquanto a lançou contra o cesto de lixo mais próximo.

— Certo, vamos até esse tal bar. Mas lembre-se que temos que dar o exemplo, hein? Nada de álcool antes do horário de expediente acabar! — Sua animação podia ser tida como contagiante ou não. O fato é que agora seguia com um companheiro para um de seus escassos momentos de lazer.