I




　Não conseguia se dar ao luxo de acreditar no que estava se desenhando. Havia perdido seus pais e acreditava já ser suficiente para moldar sua personalidade se era de fato aquele o objetivo do universo. Mais uma punição sem causa para alguém com tantos sentimentos puros e bonitos para de bom grado dar ao mundo, e ainda com tanto desejo de proteger os seus conterrâneos era não só injusto como imperdoável. A paciência já não era mais um artificio em seu arsenal, sendo algo que vinha perdendo pouco a pouco. Agora fazia parte da Força Policial da Aldeia da Folha e mais do que nunca colocaria tudo de si em uma missão quase que auto imposta. Como sua primeira tarefa, trajado de seu terno, dirigiu-se até o Quartel General e se apresentou para o serviço. Sua postura havia se tornado imponente, mais do que o habitual jeito cortêz. Seus olhos eram carregados de odio, indiferente a quem se indignava a encara-los. Seus punhos seguiam com movimentos quase que espasmáticos dentro dos bolsos de sua calça. Todos que viam o novato chegar sentiam o ambiente antes profissional se tornar agora hostil.

　　— Aspirante — Saito disse em tom brando, mas firme ao responsável por assinar sua ficha — Aspirante Saito se apresentando para o serviço, senhor.

　　O sujeito não escondeu o espanto em sua expressão facial. Seus olhos se arregalaram por cima do balcão que os separavam deixando claro que o motivo era o jovem rapaz. Despendeu mais tempo do que um cego de nascença demoraria para encontrar uma caneta numa das gavetas. Realizou perguntas que qualquer formulario requer, mas se mostrou mais inquieto acerca de uma parte em especifico.

　　— Sem sobrenome? — O sujeito indagou, não mais confuso do que segundos atrás.

　　A resposta que obteve foi um simples silêncio acompanhado do olhar imutável de mais puro ódio. Não era de maneira alguma direcionado ao atendente, mas naquele dia em questão, nada mais o incomodaria, nem mesmo o fato de deixar quaisquer pessoa ao seu redor ou derredor desconfortável com a presença de espirito negativa que exalava por onde quer que passasse. Sua mente estava perturbada por um motivo bem específico. O desaparecimento e o modo como se deu de seu mentor e professor da academia Kayoshi. A cena já havia sido revisada em sua mente uma porção de vezes, mas sentia que estava deixando algo passar desapercebido. Não ia se manter assim por muito tempo.

　　No instante em que recebeu liberação para entrar nos domínios da Policia Militar da Folha, dirigiu-se até a sala de Kuro, responsável por sua convocação. Já tinha ideia de suas exigências em troca de seus serviços e não abriria mão de qualquer uma das mesmas.

　　— Kuro — A porta foi aberta de maneira lenta e seu corpo passou pela mesma com a cadência exatamente igual — Estou aqui para começar — Sim, estava. Logo o Comandante da Policia saberia disso — Antes que me diga para realizar qualquer missão de rotina, tenho que falar meus pontos. Primeiro, eu servirei com todo meu ser a corporação, não tenha duvidas disso, mas a minha prioridade no momento e até que se resolva o caso será única e inteiramente encontrar Kayoshi. Segundo, não irão interferir nem positivamente e nem negativamente no caso que eu estou assumindo, apenas me interrompam caso a Vila da Folha seja invadida e terceiro, eu quero tudo sobre o caso do desaparecimento do meu sensei na sala de reuniões agora mesmo. Não deixe que ninguém vá até lá.

　　Antes de receber uma resposta de confirmação, saiu da sala sem ao menos fechar a porta. Estava sobrecarregado e logo isso refletiria em seu corpo, mas não da forma que esperava. Já na sala de conferências, aguardou sentado na cadeira da ponta e viu chegar uma a uma as caixas com as provas, dados e todo tipo de informações que detinham no Quartel General. Após todos deixarem a sala, trancou a porta e retirou o paletó, deixando-o bem esticado no encosto de uma das cadeiras. Dobrou ambas as mangas de sua camisa social branca até o meio do antebraço. Abriu algumas caixas e colocou as coisas de Kayoshi bem organizadas sobre grande mesa.

　　Foi como um disparo em seu coração. Numa das caixas estava um retrato antigo, surrado pelo tempo e de resolução pífia. Mas não dava pra esquecer. Seus olhos se encheram de lágrimas e sua respiração começou a dar trabalho para controlar. Sem perceber acessou uma técnica ocular poderosa, uma linhagem sanguínea que nem ao menos sabia que possuía, mas da qual abusaria muito no que restava de sua vida. Estava próximo de conhecer toda a extensão de seu poder. Muito próximo. Havia dado inicio a uma busca que o levaria direto para a potência máxima e também ao seu professor.