Seus olhos rolavam de um lado para o outro passeando em uma dança envolvente com as escrituras expostas no tecido do pergaminho que tinha em mãos. Se mantinha completamente incrédulo acerca do conteúdo e se recusava a tomar qualquer palavra que fosse daquele manuscrito como sendo verdade absoluta e imutável. Aquilo tudo, caso fosse de fato a realidade, tornaria o restante da caminhada de Saito muito mais fácil e com muito mais vislumbre de potencial, mas mexeria também no seu passado, este se tornaria nebuloso e turbulento. Por mais sentido que fizesse aquele pergaminho, as coisas transcritas no mesmo mudavam não apenas o rumo do garoto, mas o que passou também. Para que seja possível entender acerca da dor do conhecimento recentemente adquirido faz-se necessário entender também o processo que o levou até aquele pergaminho. O motivo e a razão não seriam surpresa para qualquer espectador que já soubesse do desaparecimento de Kayoshi e de como este vinha sendo a figura paterna de Saito desde o falecimento de seus pais durante uma missão na qual saíram juntos, todos na mesma noite fatídica. Abandonaram, o agora tokujo, nas mãos de alguém confiável, mas que eventualmente também desapareceria deixando poucos vestígios.


Depois de rolar na cama por alguns minutos e de se envolver em uma briga avassaladora contra o sono, que buscava de todas as formas que podia lhe dominar uma segunda vez, Saito abriu os olhos lenta e parcialmente. Um bocejo se fez audível por toda a casa, onde sua única companhia vinha sendo seu gato Metatron há pelo menos cinco anos. Entre o bocejo, a máxima contração de cada um dos grupos musculares que dispunha e seu corpo enquanto se esticava por completo na cama, abrindo os braços em direções paralelas; estava se espreguiçando. O primeiro olhar, quando recobrou sua total consciência e deixou de lado todo o devaneio momentâneo do despertar, foi lançado na direção da extremidade da cama onde seu companheiro felino costumava dormir e sem nenhuma surpresa o avistou, ainda dormindo. Saito levantou-se relutante e depois de uma rápida passada pelo banheiro, dirigiu-se até a cozinha onde preparou todo o seu café da manhã em questão de minutos: dois ovos fritos, três tiras de bacon e um copo de café quente. Sentou-se à mesa baixa da cozinha e tratou de terminar a refeição da maneira mais rápida possível. Estava com pressa para retomar a busca por Kayoshi.


Depois de terminar sua primeira refeição, tratar de suas vestes e da higiene geral, tomou como rumo o Quartel General da Aldeia da Folha, mas não sem antes passar pela casa de Kayoshi. Desde o ocorrido, tudo que sabia acerca do desaparecimento de seu primeiro mentor era fruto das informações que a própria Policia com auxilio dos shinobi da ANBU disponibilizaram ao rapaz, deixando o caso completamente sobre seu encargo. Com isso em mente, decidiu que iria até o lugar e tiraria suas próprias conclusões, por mais que já tivessem depenado o lugar como se faz com uma galinha que já tem seu destino traçado até a panela. Ao passar pela porta, esgueirando-se entre as faixas que ordenavam a distancia a qualquer um que se dispusesse a lê-las, Saito viu-se num ambiente diferente. Nem estava organizado como Kayoshi sempre o mantinha, nem completamente devastado como da última vez que esteve ali. Claramente os responsáveis pela coleta de material importante para a busca e também de provas havia feito o seu trabalho perfeitamente, limpando o lugar como se fossem camareiras profissionais de um motel onde acontecem rotineiramente crimes de assassinato e sequestro. Abutres.


Com não mais de vinte minutos de olhar superficial, Saito decidiu fazer uma busca ainda mais minuciosa. Uma garoa fina começou a cair, impedindo que o sol surgisse no alto dos céus mesmo já estando com seu horário apertado para fazê-lo. Saito começou a retirar toda e qualquer pintura que avistasse na parede da residência, certo de que Kayoshi vinha escondendo algo que desse a alguém um motivo plausível para sequestrar ou no pior dos casos matar o policial da Folha. Para seu azar, nenhuma das artes ali despostas escondia um compartimento secreto. Por um instante parou e ponderou acerca de onde poderia estar seu amigo mais antigo. O garoto se abaixou e logo a garoa fina se tornou em uma chuva tempestuosa com raios que rasgavam os céus seguidos por trovões poderosos e imponentes. Uma lágrima escorreu dos olhos de Saito que logo se cerraram. Estava envolvido em suas emoções de saudade, medo e raiva. O garoto abriu os olhos lentamente e um relâmpago não tão distante dali iluminou todo o céu da Aldeia da Folha, mas fez bem mais do que isso no interior daquela casa. A luz do fenômeno retumbou na residência de maneira tamanha que revelou um compartimento secreto no forro da sala de estar de Kayoshi. Saito expressou sua confusão e alivio em toda sua face e tratou de levantar-se, retirando da bochecha esquerda a lágrima solitária de outrora.

— Eu sabia que estava escondendo alguma coisa — Saito disse a si mesmo.

De pé, esticou ambas as mãos e puxou, com toda destreza no movimento, a tábua fina responsável por vedar o compartimento. No que trouxe a mesmo a baixo, viu que havia sobre esta uma caixa pequena de não mais de quinze centímetros. O rapaz deixou-a sobre o criado mudo e puxou com a destra uma das cadeiras ali dispostas, subiu na mesma e enfiou a cabeça no compartimento secreto no teto, verificando se havia algo mais. A chuva torrencial não parava. Não havendo mais nada ali, sentou-se na cadeira e colocou a caixa em seu colo, abrindo-a lentamente até deparar-se com o conteúdo. Haviam cartas abertas endereçadas a Kayoshi cujo o nome do remetente era o de uma mulher da qual nunca havia ouvido falar anteriormente, fotos de pontos específicos da aldeia e outras coisas que não tiraram em nenhum momento a atenção das fotografias de Kayoshi ao lado dos pais de Saito. O menino não entendeu o que aquilo queria dizer mas certamente mostrava que a relação dos três era bem mais antiga do que realmente fizeram parecer.

No verso da fotografia havia algo escrito. "Protegerei o herdeiro de vocês como vocês me protegeram pelos tantos anos em que fomos juntos uma equipe". Aquilo foi um choque para Saito, mas mal perdia por esperar. Um pergaminho tinha o kanji de seu nome escrito e logo tratou de abrir. Não podia estar preparado para aquela revelação. Ali dizia que Kayoshi, Satoshi e Naomi – os pais de Saito – eram membros de um mesmo time, mas também de um mesmo clã. Aquela informação havia sido oculta do rapaz por tempo demais. Saber que toda sua vida foi uma mentira bem elaborada para que fosse evitado que o mesmo entrasse em contato com uma maldição hereditária só fez com que passasse a possui-la. A fúria de ter sido enganado foi tamanha que sua herança sanguínea se mostrou uma vez mais no tornar de seus olhos a cor vermelha do sharingan, possuindo em sua íris dois tomoes girando em torno do eixo da pupila. Uma chama de amor deu lugar a uma chama de ódio intensa que fulminava as lembranças boas de seus pais e as corrompia, visto que uma mentira como aquela fazia todo o resto deixar de ser verdade.

A dor da perda era grande demais e custou ao menino se habituar com a mesma, agora nutria ódio pelas pessoas que mais amou em toda sua vida e aquilo era imperdoável ao seu subconsciente que como punição provocava sensações abruptas de um ataque de ansiedade no jovem rapaz. Saito levou a mão ao peito e sentiu uma pontada no mesmo. Sua respiração se tornou ofegante e desesperadora. Com a destra afrouxou a gravata acreditando que aquilo aliviaria sua sensação, mas viu-se errado. Jogou-se contra o solo de joelhos e começou a chorar como uma criança. O chão estava molhado pelas gotas da forte chuva que transpassavam pela janela e agora também pelas tantas lágrimas de Saito. O garotou fechou o olhos e apertou fortemente o peito. Sua dor era grande demais, seu ódio era grande demais. Precisava encontrar as respostas e para isso precisava encontrar Kayoshi, mas não havia nenhuma prova que o ajudasse ou uma pista deixada, nada. Se desesperou. Seu cérebro respondeu aos estímulos. Seus olhos estavam fechados, mas se abriram no instante em que deixou todo aquele sentimento sair em forma de um brado que poderia facilmente ser ouvido pelo antigos vizinhos de Kayoshi. Os dois tomoes em cada olho se afastaram lentamente enquanto giravam. O sharingan parecia cintilar com aquilo. Surgia um terceiro tomoe e por meio de fortes emoções, de um trauma o – agora ciente de ser um Uchiha – Saito evoluiu uma vez mais a herança que recebera e que tentaram lhe esconder. Havia angariado mais informações acerca de Kayoshi e usaria o conteúdo daquela caixa para encontra-lo e conseguir através do mesmo, mais respostas.