Uma chuva qualquer, uma brisa mais forte. Nenhum relâmpago se intitulava como imponente ao ponto de rasgar os céus com seu brilho estrondoso, ainda assim, poucas pessoas se aventuravam a andar pelas ruas encharcadas da aldeia. No interior das residências talvez encontrassem o calor de lareiras e portas fechadas, tendo conhecimento da chuva apenas pelos sons emitidos do choque incansável de suas gotas nos telhados bem ornamentados que se erguiam em direção ao firmamento imponente. Em outro cenário seria um dia de trabalho como qualquer outro para todos ali, mas de fato não era. Exceto para Saito.

No complexo onde se localizava o quartel general chovia tanto quanto em qualquer outro lugar num raio de três quilômetros com relação a aldeia, todavia, nenhum trabalho ou serviço provindo de atos criminosos esperaria que o clima se alterasse. Um chamado talvez inoportuno, tendo em vista que retirou o Uchiha de seu momento de relaxamento enquanto sentado sobre sua cadeira fazendo a leitura de um livro religioso que vinha lhe despertando muito interesse a cada nova pagina lida, tirou completamente o seu foco. Não poderia ser num momento pior. Tal chamado chegou ao rapaz por meio de ninguém menos que Robin e foi suficiente para deixar que sua paz se esvaísse rapidamente.

Mas poderia ser pior. Ao menos a ordem de convocação havia sido dada a Robin, a paixão resguardada e obscura do jovem Uchiha. Naquele dia em questão estava trajando roupas mais largas, tal qual um kaori esverdeado com detalhes floridos em negro. Por baixo de todo aquele tecido cabia apenas a mente fértil de Saito desvendar enquanto perdido em devaneios a despeito disto e apenas disto. O rapaz fechou o livro em suas mãos abruptamente no instante em que caiu em si e percebeu que talvez estivesse esboçando em sua face a expressão mais boba possível.

— Desculpe pelo incômodo, Comandante Saito — Indagou a jovem de cabelos loiros enquanto colocava-se entre a porta e a quina da mesma — O Chefe Guts solicita sua presença na sala de reuniões.

O Uchiha umedeceu o lábio inferior inconscientemente enquanto admirava a tão bela formação ali, de pés diante de seus olhos. Os movimentos da boca de Robin enquanto falava despertavam em Saito certos desejos que não conseguia entender perfeitamente. Era necessário se dar conta por si só de que vinha trotando lentamente como um bom corcel domável na direção de uma baia romântica nunca antes visitada para que só assim conseguisse resolver tal problema com uma solução sucinta e deste modo cessasse os seus eventos de distração que vinham tornando-se tão frequentes quanto o ato de se respirar, mesmo que apenas enquanto na presença da jovem. Seus olhos se tornaram avermelhados e ele se levantou. Estava pronto para a reunião.

Por conta de seu nível de importância estar subindo gradualmente, mas de maneira acelerada em demasia, seu cargo dentro da corporação responsável pela proteção e coordenação dos aldeões era inferior apenas ao grande do Chefe de Policia, Guts. Como prêmio não recebeu apenas muito mais obrigações em função de investigações e cumprimento da lei, mas sim uma sala própria no segundo andar do prédio. Seu destino por outro lado ficava no terceiro e mais alto: a sala de reuniões. Os passos que o guiaram para fora do recinto onde poderia ser encontrado nas horas vagas eram temerosos e seus olhos carregavam a vermelhidão de um caçador astuto.

— Quem está me aguardando na sala? — Questionou o Uchiha ao que viu-se diante da moça, momentos antes de obter sua resposta e seguir pela mesma na direção das escadas.

— Os três capitães, o primeiro comandante e o chefe de policia — Essa fora a resposta e ela indicava com facilidade que se tratava de um caso um pouco mais sério do que o mais simples executado como rotina.

Sua destra tateou o corrimão de ferro que outrora foi verde. Enquanto acariciava a ferrugem, dando seus passos pelos degraus que antecediam o andar pretendido, considerava a possibilidade de aquilo ser apenas mais um encontro mensal não programado entre os membros do alto escalão.

Os curtos passos eventualmente o despuseram diante da porta azulada da sala onde o aguardavam Kira, Levi, Mustang, Sengoku e Guts. Do lado de fora não conseguiu ouvir muito mais que sussurros por conta da parede mais espessa que os separava, mas a indicativa era de que já haviam começado a reunião. Ótimo, estou atrasado. Duas leves batidas fizeram o som ecoar pelo lado de dentro, o que silenciou momentaneamente todo e qualquer diálogo no cômodo. De seu assento, o Chefe de Policia ordenou que entrasse e contra qualquer fibra de seu corpo que se prontificasse a resistir à ordem, Saito rodou a maçaneta que segurou com a canhota e abriu a porta lentamente.

— Desculpem o atraso — O rapaz olhou para todos se levantando de suas respectivas cadeiras para o receber e precisou inventar uma desculpa o mais rápido — A escada estava encharcada e no meu descuido eu acabei caindo.

— O homem mais inteligente da policia e não consegue ao menos inventar uma desculpa — Retrucou Kira sorrindo a fim de provocar o companheiro — Se estava molhada do jeito que você diz, como não tem uma gota sequer em sua roupa?

— Eu disse que cai por conta da escada cheia de água, não que cai na água — Saito teve de exigir um pouco mais de seu cérebro para não sair por baixo e ser taxado como um mentiroso por alguém tão baixo como Kira.

Para quem se despusesse a observar aquele diálogo apenas como um mero espectador, talvez não parecesse que a brincadeira mais poderia ser chamada de provocação. Talvez nem mesmo os membros do alto conselhos que se sentavam àquela roda entendessem a relação conturbada e manchada por atrito que havia se estabelecido entre Saito e Kira antes mesmo de o mais jovem ter entrado para a corporação. O fato é que além da atenção direcionada ao rapaz desde sua entrada pela sua desenvoltura acompanhada da tão invejável inteligência, que o fizeram subir a um cargo bem mais alto que de Kira em tão pouco tempo, existia também a suspeita do desaparecimento de Kayoshi pairando em torno do ex-sargento.

— Sentem-se. Agora podemos dar inicio a reunião de fato — As palavras saíram de maneira tranquila da boca de Guts, mas soou no ouvido de todos os seus subordinados ali presentes como uma ordem direta e clara. Saito dirigiu-se a sua respectiva cadeira rapidamente, enquanto os que haviam se levantado fizeram o mesmo — Comandante Saito, antes de mais nada preciso lhe deixar a par de uma situação. Alguns dos postos avançados da aldeia foram atacados recentemente. Esses postos são nossa primeira linha de defesa, como você bem sabe. Sem a devida guarnição estamos relativamente desprotegidos. Precisamos traçar um plano de ação rapidamente e designar um esquadrão para investigar o caso.

Saito tinha de fato o conhecimento acerca da existência das guaritas espalhadas pelo País do Fogo em diversos pontos dos arredores da aldeia, sabia muito bem também sobre suas funções como proteção inicial em casos de invasões, tendo em vista que não existia uma forma de chegar ao vilarejo sem passar pelos tais postos. Com aqueles ataques poderia facilmente assumir que adversários e inimigos da Folha já estivessem nos limites da mesma, ainda que não conseguissem entrar pelos muros sem que fossem percebidos pelos ninjas de tipo sensor que guarneciam como era devido e alertariam rapidamente caso um chakra não catalogado como membro desse entrada.

— Temos alguma ideia acerca da possibilidade de terem nos invadido? — Saito levantou a questão ao fim da explicação.

— Na verdade não temos como saber. Precisamos descobrir a quanto tempo os guardas foram mortos para ter uma ideia de quando foram atacados e quão próximo da aldeia estão os assassinos — Disse Sengoku, mostrando já ter mais conhecimento acerca da situação.

— Ideias? — Guts era inteligente e poderoso, sua experiência o havia ajudado a chegar àquele posto, mas em situações mais delicadas ele preferia dar ouvidos e decidir

— Precisamos de ao menos um terço dos shinobi de sensoriamento responsáveis pela guarnição do grande muro para seguir com seis equipes diferentes em todas as seis direções a partir da muralha. Eles tem a habilidade de identificar chakra desconhecido. Serão úteis para antever uma investida inimiga. Precisamos de seis ao menos para que cubram o ponto cego um do outro a medida que avançamos e encurtamos sua área de ação. Isso só pra começar — A estratégia de Saito era relativamente obvia e por isso não se continha ao explicar com detalhes o que deveria ser feito.

— Gosto do seu jeito de agir, mas você não enxerga nenhum problema no seu plano? — O levantamento da questão se dava por parte do líder ali. Guts já havia se dado conta de um ponto dificultoso no pano do jonin de elite que ocupava o segundo maior cargo dentro da corporação, mas esperava que ele já tivesse se atentado a isso. E de fato já o havia feito.

— Na verdade, senhor, já identifiquei de antemão o problema. Se seguíssemos o plano sem corroborar para que a vila se mantivesse protegida iriamos apenas entrega-la de mão beijada a quem quer que estivesse tentando contra ela — Saito carregava uma expressão séria e suas palavras eram carregadas de cortesia e rigidez na mesma proporção — Se retirarmos um terço dos ninjas sensoriais que ajudam na identificação de possíveis invasores iremos diminuir de maneira não tanto considerável o contingente do qual fazem parte, todavia o baque maior seria no restante dos policiais que teríamos de enviar para escolta-los.

— Já sei o que está pensando — Disse Guts — Quer mesclar os times com alguns membros da ANBU, não é mesmo?

— Na verdade senhor é exatamente isso, com adição também dos mais novos — Saito completou — Mas ainda precisamos fazer uma aposta com base em nenhum dado para analise. Onde nós queremos os genin, na frente da batalha ou auxiliando em uma possibilidade? De algum modo encontraremos os assassinos, seja com eles vindo até a aldeia enquanto os caçamos ou cruzando conosco enquanto o fazemos. Os genin tem que ser alocados onde podem ser úteis e não alvos fáceis. Mas isso deixarei ao seu encargo — Finalizou.

Guts levou a única mão que ainda tinha até seu rosto, cobrindo-o por alguns instantes enquanto respirava fundo. Mesmo que fosse algo difícil e crucial, não teria como escapar ou delegar a escolha. Era seu dever e inteiramente seu o de eleger o método que seria utilizado para dar uma solução ao caso. Saito não ficava menos aflito. Para o mal ou para o bem, sabia perfeitamente e sem qualquer indicio de orgulho demasiado que seu plano de ação era o melhor sobre a mesa e certamente seria o escolhido, mas isso não o animava pelo simples fato de ele não ser perfeito.

— Certo — Guts bateu na mesa — Eu ficarei responsável pelo contingente que defenderá a aldeia. Saito você ficará com um esquadrão, Ho. Sengoku, você se responsabilizará pelo esquadrão Mizu. Mustang, Levi e Kira serão os lideres dos respectivos Tsuchi, Kaze e Rai. Escolham cada um de vocês um membro da força dos genin para suporte, um ninja do sensoriamento, um caçador ANBU especialista em assassinato e dois policiais da corporação de classe aspirante.

— Vai afunilar os inimigos? — Questionou Kira — Isso quer dizer que o senhor assumiu que eles já estão em nossas terras e iram perceber a nossa investida?

— Sim, capitão — Respondeu Guts prontamente.

— Isso não tornas as duas equipes em volta do funil como alvos fáceis? — Questionou Levi, estranhamente colocando o cérebro para funcionar.

— Gostaria de me oferecer para liderar o esquadrão de um dos lados do afunilamento, senhor! — Bradou Saito enquanto se levantava, bem como um soldado.

— Eu também, senhor — Indagou o imponente Sengoku, acompanhando seu amigo — Gostaria de assumir o outro lado do funil.

O colosso sentava-se em maior destaque diante do circulo que se desenhava àquela mesa com um vazio em seu meio. Seus olhos enchiam-se de orgulho com todo mérito da coisa no instante em que seus ouvidos ouviam as palavras firmes e cheias de convicção que partiam de seus dois comandantes. Saito não possuía qualquer destaque sobre Sengoku por ter se oferecido primeiro para uma posição de maior periculosidade, mas era notável a ênfase que poderia se dar nas observações a serem feitas pelo tão jovem Uchiha. Era fato que em questão de tempo estaria ocupando o mais alto posto daquela corporação.

— Certo! No que tange a direita do vazio premeditado por esse conselho, Saito ficará a frente; Enquanto que a esquerda será de total responsabilidade de Sengoku. Reúnam suas respectivas equipes e assumam suas posições no grande muro — As palavras de Guts ecoaram pela sala enquanto se levantou imponente. Sua grande espada até então vinha sendo mantida escorada do lado de seu quase trono, ainda que não perdesse toda a sua presença física. Com a destra e única mão estando revestida por ataduras empunhou-a e levou-a até as costas, onde permaneceu desde então. Saito saiu da sala já tendo em mente os nomes que adicionaria ao seu grupo.

Ainda nas imediações do quartel general da força policial da aldeia, Saito ponderou acerca de como faria para saber o estado do grupo de Sengoku, a fim de prestar o devido apoio ao mesmo se por acaso houvesse a infeliz necessidade. A solução que encontrou durante seu devaneio iria servir para todos os destacamentos que avançariam, mas apenas num alcance mais limitado. O Uchiha tomou como rumo o almoxarifado do prédio e recolheu do mesmo cinco rádios comunicadores reguláveis que poderiam ser alocados nas jugulares dos capitães de cada esquadrão e deste modo poderiam trocar informações.

— Levi — Indagou ao encontrar com o sujeito de expressão apática pelos corredores enquanto se dirigia para fazer a convocação de seus dois aspirantes — Preciso que avise ao restante dos capitães que me encontrem do lado de fora do quartel em dez minutos.

A resposta que obteve não passou de um aceno com a cabeça e se fosse sincero consigo mesmo, era mais do que precisava. Os passos já não eram mais tão vagarosos quanto anteriormente, visto que agora estava a par de uma situação consideravelmente mais drastica e que exigia certo grau de seriedade. Pelos corredores dirigia-se até a sala do refeitório onde sabia que encontraria os dois membros que fariam parte de seu contingente.

— Feitan, Mello — Da porta avistou os dois sentados juntos em uma mesa e de onde estava bradou para os rapazes — Encontrem-me em quinze minutos do lado de fora. Temos uma missão fora da aldeia que pode envolver confronto direto e levarei vocês comigo.

Caminhou para fora dali com certo pesar. Seria a primeira missão externa que faria com um grupo e não levaria sua tão amável companheira Robin. A quem perguntasse o motivo, responderia rapidamente e sem pensar demais que se tratava de uma ação única e inteiramente estratégica que não tinha nenhuma ligação com seus sentimentos, nem mesmo os mais ocultos. Todavia, a verdade é que via aquela operação como sendo perigosa demais para colocar em risco a vida de alguém com quem se importava tanto.

De alguma forma os oponentes, que haviam se declarado publicamente inimigos da Aldeia da Folha no simples ato de tirar a vida de membros da guarnição de diversos postos avançados espalhados pelos arredores, haviam colocado um alvo em suas costas, por mais escondidos que estivessem, o que levava Saito a assumir que esse tipo de adversário, o que procura pela batalha, já vai de encontro a ela com a vantagem da preparação. Apesar da Folha agir rápido e ter um plano unificando diversas forças para conter a investida até então secreta do inimigo, detinham pouco ou nenhum conhecimento acerca do paradeiro ou ao menos de quem se tratavam os oponentes. Nenhuma misera habilidade, nenhum nome ao menos. Antes uma menção sequer. Algo que fosse útil. O fato é que não colocaria a si mesmo em uma posição desvantajosa tendo alguém importante demais para defender enquanto busca pelos malfeitores que em tese já o aguardavam.

Ao encontrar-se com os três capitães e o primeiro comandante do lado de fora exatos dez minutos após ter combinado com Levi nos corredores do quartel general, Saito retirou de dentro de uma mochila os cinco rádios comunicadores que havia retirado do inventário da policia para utilizarem na missão. O plano era simples de ser interpretado, mas faria questão de explicar enquanto vinculava o objeto ao seu pescoço e orelha.

— Precisamos de um meio de nos comunicarmos para termos segurança suficiente. Devido a distância considerável e o alcance limitado dos rádios vamos organizar da seguinte maneira: O vocês iram se conectar apenas com o mais próximo da direita e o mais próximo da esquerda. O que estiver a sua esquerda vai sempre ser a pessoa que você vai ajudar e o da direita o que virá ao seu socorro caso você precise. Nunca ajude o da direita sem autorização do que estiver a sua esquerda ou vai deixa-lo exposto. Nunca dê autorização ao da direita sem o consenso com o da esquerda — Saito observava se todos alocariam corretamente os comunicadores e então finalizaria dizendo — Vocês não vão conseguir ouvir os esquadrões ao derredor e por isso devem sempre passar a informação que receberem da esquerda para a direita. Boa sorte.

Saito retirou-se dali abruptamente para o ponto de encontro onde iniciaria a segunda parte da missão eventualmente. O genin designado já devia o estar esperando com o caçador ANBU. Mello e Feitan o acompanhavam durante sua jornada.