A vida de um shinobi não é fácil. Entre missões e treinamentos, o que sobra? Talvez aquele Hatake pensasse nisso, talvez não. Desde que havia recebido sua bandana, sentia-se mais sozinho ou mais completo? Seus amigos de infância, cujo qual compartilharam memoráveis momentos não estavam ali agora. Isso havia se tornado recorrente? Talvez ele tivesse um bom motivo para estar ali, caminhando nos arredores de seu vilarejo sobre as montanhas, alto sobre o mundo e tão perto das nuvens, ou quem sabe só estivesse vagando entre seus próprios pensamentos. Isso, apenas Fuyuki poderia dizer.

Fato é, independente do motivo, que o Genin poderia observar o céu alaranjado se iluminando pelo horizonte, caso gostasse de contemplar a beleza que apenas o País do Relâmpago poderia fornecer. O caminho mostrava-se largo e seu aspecto era em sua maioria rochoso, embora algumas árvores e arbustos crescessem por perto. Não notava a presença de alguém há muito tempo, mas um som estrondoso de deslizamento cerca de cinquenta metros a frente soou em uníssono com um grito agudo e infantil.

Uma grande nuvem de poeira cobria a área de onde o grito veio, então seria preciso se aproximar para saber quem o pronunciou. Repentinamente, um cão de focinho achatado e pelagem abricot aparecia para tentar puxá-lo pelo tornozelo, claramente buscando por sua ajuda. Caso atendesse o chamado, ao adentrar na nuvem de poeira causada pelo deslizamento de terra, veria que vários cães mordiam-se formando uma corrente que se sustentava com a finalidade de segurar um garoto, este que era mordido em sua camiseta pelo último cão, à beira do precipício. A queda estendia-se, quem sabe, por quilômetros.

Provavelmente, os cães não conseguiriam se segurar por muito tempo. O garoto agora estava há vinte cinco metros de Fuyuki, com os dedos sangrando de tanto tentar cravar as unhas no paredão de pedra a fim de encontrar algum apoio, em vão.

O que ele faria?

Considerações:

Ao que tudo indicava, aquele não seria um dia de folga para Fuyuki. Pelo contrário, ainda que ele não soubesse, a data seria de grande valia para seu crescimento ninja e os desafios que provavelmente o esperam no futuro. Claro, se assim fosse de sua vontade. O que significaria aquela corrente de cachorros que se empenhava tanto em salvar a criança?

Eis que, atendendo ao chamado de resgate, o Genin utilizou de seus conhecimentos ninjas para sustentar-se sobre aquela inclinação quase totalmente vertical. Era melhor não olhar para baixo, já que a sensação de vazio traria um frio na barriga indescritível. O chão onde Fuyuki pisava era instável, repleto de pedras soltas e muita poeira: Proteger-se daquela nuvem marrom seria impossível, e manter-se preso à beira do precipício merecia concentração. Entretanto, ele era um exímio conhecedor de ninjutsu e sabia bem como controlar o seu chakra. Logo, não falharia numa técnica tão básica.

O garoto estendeu a mão, agarrando-se com toda sua vida ao braço do shinobi que pintou-o de vermelho com o sangue de seus dedos que agarravam-se à rocha. Tamanha a força aplicada pelo menino para sobreviver, apertou-lhe o braço enfaixado - graças à última missão ao lado de um certo ninja mal falado - a ponto de deixar marcas roxas. Segundos antes do segundo deslizamento, com um puxão, Fuyuki seria capaz de jogar tanto o menino quanto a si novamente até uma ponta plana e segura, movendo-se metros para mais perto da estrada.

Ao fim de tudo, o garoto estava deitado de barriga para cima, ofegante. Suas lágrimas misturavam-se à terra deixando seu rosto muito sujo, mas ainda assim era nítida sua tristeza. Pasmem, os cães haviam sumido, como se tivessem virado fumaça ao deslizarem precipício abaixo com o segundo deslizamento. Com toda certeza, o Genin sentiria-se incomodado, coçando a garganta e com o nariz escorrendo. Que droga de espirros…

— O-Obri… — O menino parecia em choque demais para falar.

Como se não bastasse, outra voz soou ao longe. Dessa vez mais fraca, antiga, porém muito preocupada. Um cão muito grande e preto aproximava-se carregando um velho de cabelo branco em suas costas, aproximando-se rapidamente da cena graças à passada do animal tão rápida quanto a de um ninja.   

— TADASHIIII! EU JÁ ESTOU CHEGANDO! — O homem chamou desesperadamente enquanto se aproximava — O que você fez com meu neto?!

Suas palavras continham muita raiva e eram direcionadas diretamente ao Hatake. Ainda que ele não soubesse por que, mesmo que a aparência daquele senhor fosse frágil, havia um tipo de aura poderosa em sua volta. Seria melhor que ele não atacasse, mas isso dependeria de Fuyuki. Ou não?

Considerações:

A situação que outrora parecia de risco, agora se tornaria de mais simples entendimento para Fuyuki. A aproximação rápida e imponente do cão negro foi freada ao ouvir as palavras do garoto de cabelos pratedos, mas não só por isso. O animal observava a situação, ponderando todos os acontecimentos recentes.

— Ele não está mentindo, Hogoshi — Disse o cão com uma voz que, caso eu tentasse descrever o dublador, com certeza diria ser o Guilherme Briggs — Houve um deslizamento e Tadashi foi salvo pelo garoto. Tente ser um pouco mais gentil, homem.

Caso o Genin observasse, veria que os olhos do velho não se focavam em nada, bem como sua íris possuía um aspecto leitoso. Também era possível perceber que suas pernas não possuíam movimento, mais finas do que o restante do corpo. Provavelmente, o cão negro era os olhos e pernas daquele senhor.

O cão se aproximou do garotinho, cheirando-o e conferindo se ele estava realmente bem. Farejou o sangue em seus dedos e lambeu-os, tentando limpá-los. Após entender o que estava acontecendo, finalmente Hogoshi se pronunciou mais uma vez.

— Tadashi, você está bem? — Após a confirmação de seu neto que já começava a se levantar, finalmente ele se voltou para o Hatake — Quer dizer que… você é um herói e eu te tratei como criminoso. Peço perdão, caro…?

Ele esperava para saber se o garoto se apresentaria para então continuar:

— Imagine como é assustador o mundo para um cego incapaz como eu, garoto. Logo, acabei ficando desesperado e tomando conclusões precipitadas. Eu me chamo Shouryu Hogoshi, e este aqui é meu mais fiel companheiro, Moloch — O cão fez uma mesura cortês, muito educado e solene.

— Agradeço também por cuidar do nosso pequeno Tadashi enquanto estávamos fora. Garanto-lhe que esse velhote não é má pessoa, mas já viveu tanto que aprendeu a não confiar em ninguém — Disse o grande animal — Você tem cheiro de ninja, poderia apostar uma bisteca de carne nisso. Estou errado? Quem és tu jovem? Parece que estamos em dívida contigo.

Considerações:

O genin acabaria não vendo isso, graças à mania de abaixar a cabeça após a apresentação, mas a expressão de surpresa no rosto de Hogoshi era eminente. Moloch o olhou por cima dos ombros, como se precisasse ver a cara do velho após ouvir o nome de Fuyuki.

— Hakate…? — O homem estava pensativo com uma das mãos no queixo — E ainda um Genin de Kumo? O destino é realmente algo interessante.

Moloch deu uma risada canina, como se concordasse com o fato. O homem e sua montaria ouviram os questionamentos do ninja e então começaram as explicações, sendo o cão o primeiro a se pronunciar.

—  Ora, como eu sei falar? Meus pais me ensinaram… acho que com todo mundo é assim, não? — Ele parecia se divertir com a resposta e seu tom era leve — Você acha que não fico surpreso quando vejo macacos como vocês andando e falando por aí também?

— Ele é um cão ninja, garoto Hatake. É uma Invocação de alto nível — Moloch se deitou, deixando Hogoshi se acomodar perto do neto encostado numa pedra à beira da estrada — A especialidade do seu clã! Tanto que… o meu mestre era um de vocês, e ele foi o responsável por me ensinar esse Jutsu há muitos anos. Aqueles cães de mais cedo eram um bando que eu invoquei para que tomassem conta de Tadashi enquanto eu entrava na vila.

Quando mais ele falava, mais sua voz soava cansada.

— Minha vinda até aqui tem um motivo… Meus filhos morreram em missão, eu não vou viver por muito tempo. Queria pedir um favor pessoal ao Raikage graças aos meus muitos anos de serviço… Gostaria que quando fosse a hora, Tadashi entrasse para a academia ninja — Tadashi apertou sua mão, parecia não gostar quando o avô dizia que morreria em breve — Meu neto ainda não tem nível suficiente em ninjutsu para aprender a técnica, mas talvez você tenha… Fuyuki, eu tenho uma dívida com você, portanto quero ensinar-lhe o Kuchiyose no Jutsu para que também possa invocar cães ao seu auxílio. A única coisa que lhe peço em troca é que ensine à Tadashi quando for a hora. O que me diz?

Considerações:

— Isso me deixa muito feliz, Fuyuki — O homem sentava-se como se meditasse, escorando as costas na pedra alta. Tadashi permanecia ao seu lado, porém calado e cabisbaixo. O olhar da criança estava quebrado, quase como se não se importasse tanto com o que ocorria ali. O avô então continuou — Sendo assim, já que posso contar com você, vamos começar o seu aprendizado…

Ele mordeu o dedão, deixando que um fio de sangue escorresse.

— A Técnica de Invocação é um ninjutsu de espaço-tempo que permite que o invocador transporte seres através de longas distâncias instantaneamente através do sangue do usuário — Ele colocou a mão no chão, fazendo surgir um Selo que se espalhou pela terra. Uma fumaça fez “puf” sobre o selo e sobre o lugar agora estavam vários cães (o mesmo bando de mais cedo) — Para isso, é necessário que um contrato de sangue seja assinado. Entende o peso disso? Não é um Jutsu comum.

Moloch estava ao lado de Fuyuki, como se o incentivasse. O olhar dizia “siga em frente, não tenha medo”, atento enquanto Hogoshi abria um pergaminho e estendia-o pelo chão. A matilha invocada outrora estava aos pés do Genin, lambendo-o e balançando os rabos de todos os formatos.

— Eles parecem gostar de você, isso deve ser graças à compatibilidade entre o seu clã e os cães. Eu não quero forçá-lo a nada, entretanto, caso sinta-se à vontade, deverá colocar o próprio sangue nesse pergaminho — O velho apontou para o lugar correto, um espaço em branco que parecia ter sido guardado para o garoto. Ao lado, poderia reparar em outros nomes e digitais pintadas com sangue. Shouryu Hogoshi, Hatake Ugon, Hatake Yuna... Entre outros que não significavam nada ao Genin — Pense bem. Após assinar com os Cães, não será possível entrar em contrato com nenhum outro animal. É o que deseja? Se sim, siga em frente

Considerações:

— Muito bem.

Ambos pareciam orgulhosos, tanto humano quanto seu cão. Ao lado de outros nomes Hatake, ali também estaria eternizado o de Fuyuki, escrito com o carmesim daquilo que temos de mais precioso: Nosso próprio sangue. O Genin agora via seu instrutor de jutsu realizar um selo com a mão, desaparecendo com o pergaminho e abrindo um leve sorriso satisfeito.

Os cães da pequena matilha se sentavam como crianças assistindo a um jogo, todos enfileirados enquanto Hogoshi passava para as próximas instruções para o ninja mais novo.

— A técnica de invocação é um jutsu de rank C, mas você deve escolher o animal calibrando o chakra gasto na habilidade. Para invocar animais de rank maior, antes precisará vencê-los ou torná-los seus amigos. Como Moloch, que é uma invocação de rank A, mas eu o venci no passado e acabamos nos tornando grandes amigos após tantos anos — Ele fez dois selos com as mãos. “Macaco e cachorro” — Estes são os selos da técnica, treine-os enquanto molda o seu chakra. Pode fazer isso? Conecte-se ao seu interior e expresse sua vontade de quebrar a lei de espaço-tempo para trazer o cão até aqui, batendo a mão ensanguentada no chão. Tente, chame pelo Kuchiyose no Jutsu!  

Considerações:

Era a primeira vez que Fuyuki completava o ritual de invocação. Com preparo e concentração, ainda que sem prática, parecia que ele já sabia como tudo deveria ser feito, captando muito bem tudo que Shouryu havia-o ensinado. Uma fumaça brotou do selo que se espalhou na terra através de sua mão. Houve um momento de tensão, mas quando a fumaça sumiu pelo sopro do vento foi possível notar um cãozinho por perto com seu focinho achatado e pelo bege escuro. Vestia a bandana de Kumogakure e não parecia estar muito feliz de estar ali.

— Ah, era tudo que eu precisava. Outro Hatake? — O cão falava com uma voz de fumante, carregando um semblante de sono — Fala aí, garoto. Porque você não invoca o Urushi, hein?

— Pakkun? De primeira? — Moloch deu uma grande gargalhada — Você tem talento, garoto. Quem sabe um dia consiga invocar até a mim. Pelo cheiro do seu chakra ainda é impossível, mas o Pakkun é um ótimo cão rastreador. Será de grande ajuda na sua caminhada ninja.

— Sabe no que eu sou bom também? — O cão estava lambendo suas próprias bolas — Em ser invocado quando realmente precisarem de mim.

Ao que parecia, o Hatake precisaria ganhar o respeito de sua única invocação possível. Como faria isso?

Considerações:

— É claro que não sabe do que eu tô falando. Maldito Urushi, era pra ser a vez dele — Ele revirou os olhos, desanimado — Bom... Parece que fui invocado e não há o que ser feito.

Ele deu de ombros, olhando para Fuyuki com um olhar intrigado. Aquele cachorro era uma figura interessante. Embora reclamão, parecia carismático e a cada palavra que o cão e focinho achatado e cor abricot dava, Moloch e Hogoshi se divertiam aos montes, dando pequenas risadas e uivando - esse último, apenas Moloch. O fato é que os três pareciam ser amigos de longa data e isso trazia uma leveza para aquela conversa, ainda que as palavras de Pakkun não fossem muito acalentadoras.

Após avaliá-lo, Pakkun se aproximou e conferiu seu cheiro, colocando o focinho bem perto de suas botas.

— Você tem um cheiro... Interessante — Ele se sentou e começou a conversar com o Genin — Se vamos trabalhar juntos, preciso saber se sua vontade ninja é realmente forte. Me diga, garoto, um dia, quando estiver em uma missão de busca e seu grupo for pego numa emboscada... Você pode completar a missão e levar a informação de volta à vila, a informação que eu demorei horas para rastrear após ser invocado por você. Seu grupo não sobreviveria, entretanto. Caso fique, poderiam tentar lutar para que todos se salvassem correndo um grande risco da informação se perder com vocês. O que você faria?  

Considerações:

Pakkun parecia tomar nota de tudo que o garoto falava, embora não expressasse nada além de uma feição emburrada. Ao lado, Tadashi estava sentado abraçando os joelhos com a mesma expressão triste de sempre. O homem cego coçava o queixo, pensando sobre a decisão do Genin em relação à pergunta de Pakkun e Moloch deitava-se altivo com o pescoço ereto e as patas dianteiras cruzadas. Todos pareceram gostar do que ouviram, mas o farejador continuou sério.

— O homem ao seu lado teve que fazer exatamente essa decisão — Os olhos de Pakkun se voltaram para Hogoshi — Isso lhe custou a visão e o movimento das pernas. Ele foi um dos ninjas mais brilhantes que já vi em batalha, cotado até mesmo para um dia poder ser Kage, na época.

Um silêncio se instaurou na planície de Kumogakure, só o vento podendo ser ouvido no despenhadeiro ao longe.

— Para salvar o seu esquadrão, ele sacrificou todo o seu futuro. O caminho ninja não é fácil, garoto. Consegue entender isso? Nem sempre as coisas são pretas no branco. Estou cansado de trabalhar com Hatakes inconsequentes e vê-los morrer. Eu já… estou cansado de perder amigos.

— Não seja sentimental, Pakkun — Moloch cortou o discurso — O garoto tem um longo caminho pela frente.

— Espero que sim… — Uma fumaça tomou o lugar onde Pakkun estava, mas uma voz pôde ser ouvida na mente de Fuyuki, ou era o ar que trazia? “Me invoque quando for preciso”.  

Considerações:

Com o fim daquele treinamento, a noite já seguia com a lua alta no céu. Moloch se levantava do descanso de onde assistiu a todos os acontecimentos com o garoto de cabelos platinados. O cão abaixou-se para que os braços fortes de Hogoshi o apoiassem para que subisse na montaria. Tadashi fez o mesmo, e o cão negro gigante já arrastava as patas na terra, como se aquecesse para a viagem.

— Não há o que agradecer, pelo contrário. Obrigado por salvar o meu neto e também pela sua promessa — O velho parecia exausto, tossindo uma última vez — Quando chegar a hora, sei que seus caminhos se cruzarão.

— O… O-brigado — O pequeno menino disse de uma forma meio tímida, e parece que aquilo seria tudo que diria, conseguindo apenas completar a frase que tentou mais cedo antes de seu avô chegar.

Com todos prontos para a partida, Fuyuki poderia observar a silhueta daqueles viajantes sumindo no horizonte, sentindo-se livre para continuar sua caminhada entre seus pensamentos ou finalmente ir para casa.

Considerações: