Olhei pela janela e vi a garota de cabelos castanhos curtos se aproximando. Ela carregava uma mochila grande com alguns papéis à mostra e seu caminhar era animado demais para aquela hora da manhã. Na noite anterior, eu havia recebido sua mensagem em minha caixa de correio onde ela me convidava para um passeio no bosque afirmando que precisava de um segurança. Respirei fundo, ainda com o café quente em mãos e abri a porta do alpendre da solitária casa no bosque.

— Que bom que você aceitou minha proposta! — Ela estava muito animada e altiva. Suas botas se molhavam no orvalho enquanto ela quase dava pulinhos de tão radiante.

— Eu não disse nada disso… — Dei um gole no café. Toda essa situação era um pouco embaraçosa, afinal não havíamos nos falado desde aquele beijo, mas ainda assim ela continuava sendo a Maya, certo? Não tinha porque ficar tão preocupado. É só que aquela havia sido a primeira vez que isso me ocorria e eu não sabia muito bem como lidar com — Tá bom, entra. Eu preciso de um tempo pra me trocar. Sabe como é, você costumava me pagar pra esse tipo de coisa.

Ela deu uma grande risada.

— Talvez seja por isso que eu me aproximei de você. Faz tudo parte de um grande plano onde eu escravizo um chuunin a cumprir missões de escolta comigo sem que eu precise gastar um ryou sequer — Fez uma pose de donzela em perigo com a mão na testa, quase como se desmaiasse. Sua encenação a levaria para os meus braços, mas eu comecei a subir as escadas antes que aquilo pudesse se tornar desconfortável — Vamos, Treze. Eu não tenho o dia todo. Além do mais, não estou te levando pra nada perigoso ou coisa do tipo.

— E o que vai ser hoje? — Gritei do segundo andar enquanto colocava uma camiseta preta, calças militares verde-oliva e uma bota azul-marinho onde meus dedos não ficavam à mostra — Que tipo de animal assassino você quer pintar?

— O Majestoso Cervo Dourado, o Cervo-Rei! — Espalhafatosa como era, gesticulava imitando a grande galhada que o animal deveria possuir, mimetizando-os com os braços sobre a cabeça — Ele não tem nada de perigoso, Treze. Ele é mais como uma criatura sagrada. É um ser lendário, difícil de ser encontrado e que deve ser tratado sempre com o maior respeito possível.

— Parece que eu sei onde você quer chegar, Maya. É claro que você quer um rastreador com você… — Desci as escadas e me mostrei pronto, abrindo a porta e deixando que ela saísse primeiro — Eu estou me concentrando pro Torneio, você sabe disso. Não vou poder demorar na floresta e nem ficar gastando muita energia. Faltam só dois dias. Preciso estar na minha melhor forma.

— Nossa, como você tá rabugento hoje — Ela rolou os olhos e começou a caminhada — Você não entende nada, né? Seu ninja burro. Eu só tô querendo passar um tempinho com você.

Não retirei meus olhos da grama, não esboçando mais do que um sorriso amarelo. Estava com tantas coisas na cabeça. Recentemente, uma conversa com o Hokage havia me trazido para mais perto da realidade de ir atrás da Igreja do Fogo e acabar com todas as atrocidades que ela cometia. Se eu fosse bem no Torneio, teria liberdade para isso. Eu precisava ficar mais forte, não tinha tempo para piqueniques, por mais duro que isso pudesse soar.

Pedido em meus próprios pensamentos apenas concordava com a cabeça para as coisas que Maya me contava, sobre sua família - que eu também havia conhecido em outra ocasião - e que havia vendido algum quadro de algum animal. Eu gostava de ouvir sobre isso, mas hoje eu estava longe demais. Dessa forma, andamos por um caminho que eu não conhecia que durou cerca de uma duas até que chegamos a uma corrente d’água coberta por copas de árvores tão densas que não deixavam a luz do sol entrar. O lugar era calmo e silencioso onde até mesmo a voz dos insetos parecia se calar dentro da minha cabeça, como se todos ali estivessem adormecidos.

— Aqui é tão quieto. Nossa… — Fechei os olhos e deixei que meu corpo caísse sobre a cama macia feita de grama. Senti o cheiro suave da floresta e respirei bem fundo para tentar captar o máximo possível daquela sensação — Às vezes me pergunto… Porque eu só não fico por aqui? Sabe, não é como se muitas pessoas fossem sentir minha falta. Eu não quero ser dramático, não me entenda mal. É só que… Sinto que aqui eu estou tão longe de todos os problemas e responsabilidades, tão longe de todas as promessas que fiz para mim mesmo e ainda mais longe de todos os inimigos que fiz pelo caminho. Que merda, Maya, eu me sinto completamente perdido.

Sem que eu percebesse, ela tomou lugar ao meu lado na relva verde e relaxou suas costas. Após alguns segundos de silêncio, ouvi sua voz me alcançar:

— Até onde eu sei, você é meio maluquinho pelo jeito que trataram você. Sinto que você não quer que mais pessoas assim sejam tratadas… E é por isso que você só não conseguiria ficar por aqui e descansar igual um animal solitário na floresta enquanto outras pessoas sofrem o mesmo que você já sofreu — Com a cabeça apoiada na grama ela olhou pra mim e eu a olhei de volta — Isso tudo porque você não é um covarde, Treze. Você é gentil. Vejo você como um herói, e talvez você entenda que sua força seria totalmente desperdiçada enquanto você pode fazer coisas grandiosas pelos outros.

Desviei meu olhar por um segundo, olhando para o outro lado onde ela não poderia ver minhas lágrimas que rolaram.

— Eu não posso mais te ver, Maya — Falei pra garota de uma vez. Após a frase, engoli a saliva forçadamente e apenas fiquei ali deitado olhando para cima onde a copa da árvore fazia o nosso teto — Você é um distração nesse meu mundo louco. Ficar ao meu lado pode ser perigoso. Eu… Lido com pessoas que são assustadoras, entende? Se eu quero realmente ficar forte e conseguir cumprir com meus objetivos, vou precisar de espaço.

— Não, Treze, é que… Se for pelo beijo.., eu também acho que a gente é novo demais e…

— Não é sobre isso, Maya — Ela era incrível. Quase consegui confessar, mas guardei o comentário — É pro seu próprio bem. Não posso deixar que nada te aconteça.

De repente, por entre duas árvores do bosque que se abriam por uma colina, a figura resplandecente parou por alguns segundos e nos olhou. Eu nunca havia visto nada igual aos seus chifres, com tantos ramos que chegava a me deixar confuso. Logo ele partiu, e eu finalmente olhei para a garota ao meu lado. Ela não havia visto nada daquilo, apenas esfregava os olhos tentando segurar o choro.

Naquele dia, a volta pra casa foi silenciosa. Tinha tanto pra dizer, mas fui fraco. Assim como ela, que deixou aquele alpendre do bosque pela primeira vez sem um sorriso no rosto.

Considerações: