Três toques firmes foram desferidos contra a imensa porta de madeira. Quem poderia ser a essa hora, a garota pensou, se não um ladino oportunista? Permaneceria indiferente ao chamado, como prometeu a si mesma antes de deitar-se despreocupada em seu dormitório, pois não era raro que vez ou outra salteadores  tentassem a sorte de invadir o templo ao encontrá-lo tão solitário e isolado na densa floresta do coração da Folha. No entanto, embora parecesse um alvo fácil à primeira vista, muitos encantamentos protegiam o lugar de tal maneira que mesmo ela, a Guardiã e única residente do local, não tinha com o que se preocupar. Eles sempre desistiam após um tempo.  

Ainda assim, não havia selo no mundo que pudesse vedar o incômodo som que vinha das várias pancadas que, agora mais fortes, martelavam incessantemente e ecoavam por todo lugar. Por mil demônios, a garota praguejou quando se viu levantando do leito confortável, estremecendo ao tocar os pés descalços no chão frio. Caminhou em passos duros pelo corredor estreito até encontrar o sanctum sanctorum, o local mais sagrado para o seu povo, que mesmo sendo o salão comunal e principal área do templo, poderia parecer apenas uma construção abandonada à quem olhasse sem sabedoria. O salão não possuía piso de concreto batido ou pedra refinada, mas sim um chão rico em vegetação onde além da grama alta, ervas esticavam-se como braços pelas paredes negras, abraçando-as e revestindo tudo com o seu verde cintilante. No centro, uma grande árvore era iluminada pela luz da lua que entrava pela clarabóia, a mesma luz que brilhou sobre a jovem Guardiã que atravessou o salão, irritada, mas antes que pudesse gritar através da porta com o responsável por todo aquele barulho e enxotá-lo logo dali, seu coração quase saltou pela boca. Afinal, os insetos em seu corpo reconheciam aquele chakra. Era ele, só podia ser.

─── Pela carapaça do Santo Escaravelho, Treze ─── disse ───, o diabo fez um serviço ruim ao trepar com a sua mãe.

O sorriso do garoto estava vermelho, pois tossia sangue a cada vez que tentava respirar. Olhando-o assim, pálido e fraco, a Guardiã percebeu que por vezes esquecia-se do quanto ele era jovem. Deus Inseto, chamavam-no, mas quase sempre mostrava-se só um jovenzinho impertinente que estava sempre se colocando em problemas maiores que ele. Dessa vez, não era diferente, e por isso ele batia à porta do jardim sagrado, pois sabia que ela adorava sua impertinência e tinha certeza que o ajudaria quando mais precisasse. Eram família, de uma forma tortuosa e desconexa, e a única que ambos possuíam - ainda que nunca tenham usado literalmente a palavra irmãos para se referirem.

Seja por isso ou por qualquer outro motivo, ela viu-se firmando o corpo para aparar a queda do caçula que já estava desacordado antes mesmo de desabar em seus ombros. A Guardiã o arrastou para dentro com dificuldade, selando novamente a porta e correndo sem demora pelo santuário para procurar unguentos ou qualquer cataplasma de ervas que poderia estabilizar sua febre, mas era difícil medicá-lo sem antes diagnosticá-lo. Após algumas horas e muitos panos quentes umedecidos, o shinobi sobre a esteira finalmente acordou - e continuava sorrindo, é claro, com aquele maldito sorriso debochado que seus lábios carregavam.

─── Obrigado, Shika ─── sua voz estava rouca, mas havia ternura no tom ───, dessa vez, achei que fosse mesmo morrer ─── depois, outro sorriso de deboche carregado de orgulho daqueles que a deixava nos nervos ───, mas eu consegui.

─── O que você conseguiu? ─── empertigou-se a guardiã.  

─── Domar os insetos nanométricos.

Como se uma luz fosse jogada sobre sua consciência, finalmente Shika entendeu o que estava acontecendo e, pasmem, sentiu vontade de ajoelhar-se ao lado da esteira e rezar à Beru, o inseto mais sagrado de sua fé, mas controlou seu instinto e permaneceu quieta, boquiaberta. Afinal, alguns membros do clã costumavam depositar a confiança de que Treze era a reencarnação do próprio rei escaravelho, mas essa havia sido a primeira vez em que a Guardiã tendia a acreditar nessa infame heresia, pois, os insetos nanométricos eram o último estágio para que o Aburame se tornasse o maior manipulador de insetos vivo e essa barreira havia sido ultrapassada, não restando mais dúvidas.

─── Seu corpo… você parece estabilizado, garoto, e se a causa de seu estado anterior for mesmo a peçonha dos rinkaichuu, o simples fato de estar vivo agora significa que conseguiu adaptar-se às toxinas e não corre mais risco de morte ─── ela trocava o pano sobre a testa do garoto, olhando-o nos olhos ─── Você sabe o quanto eles são difíceis de usar, não sabe?  

─── Ah, isso é uma coisa que eu realmente sei ─── o Deus Inseto levantou a palma da mão e deixou que ela se colorisse com a pigmentação roxa característica dos insetos menores que um grão de poeira ─── Eles são mesmo bem durões, não acha? Sinto que… eles me aceitaram, Shika, e criam o antídoto em meu corpo tão rápido quanto produzem o veneno.

─── O veneno mais mortal dos Aburame ─── ela lembrou o fato ───, e não há usuário vivo que conseguiu fazer de seu corpo um criadouro eficiente sem morrer no processo.

─── Não havia, você quis dizer.    

─── Não seja tão metido ─── esbravejou, irritada ───, você poderia ter morrido! Além do mais, eles compõem uma vantagem apenas de curto alcance, você acha mesmo que vale a pena todo esse risco?  

─── Mas não morri, irmãzinha ─── a fala repentina e a forma como o garoto sorriu fez com que ela corasse, mesmo que fosse a séria e imperturbável Guardiã do jardim secreto ─── Além do mais, eu já dei um jeito nisso. Existem pergaminhos antigos que contam sobre o maior usuário de insetos que já viveu e todos concordam que, apesar da capacidade de alcance ser reduzida pela metade, é possível criar uma nuvem tóxica que mata rapidamente quem quer que a inale. O melhor de tudo? Eu aprendi essa mesma técnica, e não foi difícil.

É claro que foi, tanto que ele quase se matou tentando. Treinou intensamente por dias, desgastou-se, mas ainda assim continuou. A técnica chamava-se Dokujin, e possuía uma alta fatalidade a quem tocasse ou inalasse a nuvem - como foi demonstrado pelo próprio Treze, dois dias depois, quando finalmente conseguiu se recuperar e levantar da esteira. A Guardiã, que embora não transparecesse, parecia orgulhosa ao ver a nuvem roxa cobrindo as árvores, corroendo o que tocasse e desaparecendo um instante depois. Uma técnica tão bela quanto perigosa, mas que inegavelmente evidenciava o óbvio: talvez aquele garoto fosse mesmo a encarnação de Beru.

Considerações

— gaiden solo (1.040 palavras); aprendizado de jutsu:

Dokujin no Jutsu
Rank: A
Classe:
Tempo de Preparação:
Requerimentos: Nanosaizu no Dokumushi
Descrição: Formando uma pequena esfera de seus Insetos Venenosos entre suas mãos, Torune pode explodi-los em uma cortina de fumaça em toda uma área a sua frente. Dada a natureza de seus insetos, esta técnica é de curta duração se não for eficaz, a nuvem de insetos rapidamente se dispersa. No entanto, se tocada ou inalada, a fatalidade é garantida.