A necessidade de provação batia na porta sempre que minha mente se fechada dentro de um estorvo. Frequentemente fugia das minhas obrigações, provável consequência da indiferença que eu sentia em relação a qualquer assunto que não fosse eu mesmo. Eu era, de fato, uma pessoa completamente egoísta, e na maioria das vezes tal atribuição não me incomodava. Ainda assim, por vezes uma voz em meus pensamentos surgia com o único intuito de me aborrecer. Ela me dizia que eu me afastava da realidade pela minha incapacidade de lidar com ela, e em certos momentos meu subconsciente parecia ter razão. Isso somente fazia com que eu o odiasse cada vez mais.

Em dados momentos eu sentia a urgência de provar a mim mesmo que eu estava errado. Passar um dia inteiro realizando tarefas para a Vila, ir até a biblioteca para adquirir um pouco de conhecimento ou simplesmente treinar uma técnica nova. Eu procurava formas de martirizar meus próprios pensamentos, como se meu corpo e minha mente estivessem sempre em uma fatídica discussão para decidir qual deles entendia mais a meu respeito.

Naquele dia, a maneira que encontrei de atormentar minha cabeça não era tão complexa, afinal. Estava com dois pergaminhos nas mãos, que descreviam missões que eu iria me empenhar em concluir. Ler o conteúdo deles parecia impossível, como se minha mente gritasse a todo instante para criar uma perturbação. Vez ou outra a única coisa que eu desejava era apenas não ser eu mesmo.

 

A brisa corria contra a minha pele enquanto eu me dirigia ao campo de treinamento da Vila. O clima estava agradável, feixes de raios solares raramente cortavam as minhas pupilas, que me forçavam a simular uma espécie de boné com a minha palma para cobrir meus olhos. Era como se a mãe natureza ou qualquer outra entidade estivesse me mostrando um cenário agradável para fazer eu me sentir um pouco melhor.

O campo de treinamento era espaçoso. Não era a minha primeira vez no local e, por tal coincidência, decidi ir até lá primeiro para realizar uma das minhas tarefas, imaginando que seria a mais simples de ser feita entre as duas que me foram entregues. Procurar uma arma por um campo aberto e sem muitos obstáculos não parecia sequer um trabalho que necessitasse de um ninja para ser feito. A não ser, é claro, que o dono de tal objeto fosse completamente cego.

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Procurar uma arma em um campo ligeiramente aberto deveria ser, a princípio, uma tarefa completamente simples. Mas é claro que, para isso, o objeto em questão deveria ao menos existir e, necessariamente, estar no lugar onde fora perdido. Depois de perambular por quase toda a área do campo de treinamento como um andarilho, tive praticamente certeza de que o objeto não se encontrava naquele lugar, e permanecer apenas o procurando de um lado para o outro seria uma simples perda de tempo.

“Ao menos isso explica o fato de terem pedido um ninja para encontrar a tal arma” pensei, refletindo em seguida sobre o que deveria fazer para intensificar minhas buscas. O simples fato de sentir uma leve dificuldade e não ter as coisas como imaginava que seriam me deixava irritado, uma leve pontada de arrependimento me fazia questionar se teria mesmo de prosseguir com a execução daquela missão entediante ou não.

Andei um pouco mais ao extremo do campo de treinamento, para o único lugar que ainda não havia procurado a arma. Era uma região mais afastada, e não tinha passado por ali até então por precipitar a ideia de que ninguém teria se dirigido para aquela área em específico para realizar um treinamento, dessa forma a arma certamente não estaria por ali. Foi então que, quase no limite do campo de treino, me deparei com uma situação certamente intrigante.  

Havia uma pessoa, mais precisamente um garoto, completamente sozinho naquele lugar. Nada nele chamaria muita a minha atenção, mas o fato de ver ele frequentemente arremessando uma espécie de faca para o céu me fez permanecer um pouco distante e analisar com certa cautela toda aquela situação.

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O garoto parecia brincar com uma arma, mais especificamente uma faca com um formato relativamente estranho. Ele arremessava o objeto para o ar, e esse mesmo objeto de alguma maneira parecia retornar exatamente para a sua mão alguns instantes depois. Eu não entendia muito bem porque isso acontecia, mas segui analisando o comportamento do garoto.

Não havia muitos indícios de que a faca que o garoto usava para brincar era de fato a mesma arma que eu procurava, mas o fato de que eu não havia encontrado sequer outro armamento por todo o campo de treinamento me fez concluir essa ideia precipitadamente. De qualquer maneira, eu ainda deveria encontrar alguma forma de confirmar minha hipótese se quisesse concluir a missão adequadamente.

Eu não era a melhor pessoa para lidar com crianças, mas a única forma que encontrei de descobrir se a faca do garoto era de fato a que eu procurava foi através de uma abordagem simples. Me aproximei do garoto com passos suaves, e assim que estava próximo o suficiente dele, interrompi seus movimentos e iniciei um diálogo.

— Ei, garoto. Posso conversar com você? — Ele sequer me notou chegando e ficou levemente surpreso com a abordagem, parando de arremessar a arma para cima e se virando para mim.

— Posso sim, tio. O que houve?

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— Essa faca parece bem legal. Onde você arrumou? — Questionei ao garoto, de uma maneira a demonstrar certa simpatia que eu claramente não teria em outra circunstância.

— Ah, essa faca aqui? — Ele, com a arma na mão direita, esticou o objeto à frente enquanto apresentava um semblante sorridente. — Eu achei ela aqui mesmo no campo, e brincar com ela é muito divertido. Sempre que jogo ela pra cima, ela volta na minha mão. Parece mais com um bumerangue do que com outra faca que eu já tenha visto antes.

A arma realmente tinha uma estrutura diferente de outras facas mais comuns. Sua empunhadura era levemente curvada e mais curta que o normal, e tal curvatura também se espelhava na lâmina da faca. Ela claramente tinha sido feita por um ferreiro habilidoso, e certamente para um cliente especial.

Tais afirmações me faziam acreditar que a faca era realmente a arma que estava descrita na minha missão. Para a infelicidade do garoto e, também, para a minha facilidade, bastava apenas pegar a faca e levar até o dono que a minha primeira missão já estaria concluída.

Porém, outro lançamento de arma feito pelo menino fez eu me sentir um pouco mais sortudo que o normal. Era como se as condições se entrelaçavam para facilitar o meu trabalho naquele dia.

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O garoto jogava a arma para cima mais uma vez, mas agora eu entendia o verdadeiro propósito daquela ação. Acompanhando a trajetória da arma, percebi que o garoto a utilizava para tentar atingir um pássaro que aparecia um pouco mais alto no céu, voando por cima do campo de treinamentos.

Claro, caçar animais não é uma atividade incomum e eu tampouco estava preocupado com a vida daquele pássaro, se o garoto tinha encontrado um passatempo que o divertia isso não me incomodava. Ainda assim, após focar minha atenção no animal abatido, percebi que ele se tratava de um dos pássaros mensageiros de Iwa, isso porque ele carregava uma pequena bolsa em sua pata esquerda para reservar a mensagem que carregava.

— Aí, peguei mais um! — O garoto comemorava ao ver o pássaro ser atingido pela arma e lentamente cair até não ser mais visto. Aquilo já era o suficiente para afirmar que as minhas duas missões estavam curiosamente conectadas, mas decidi prolongar um pouco mais a conversa para não restar nenhuma dúvida quanto a ação que precisaria tomar em seguida.

— Você parece ser muito bom com essa arma. Quantos pássaros desse você já acertou?

— Eu já derrubei tantos que perdi a conta. — Uma leve risada acompanha a fala do garoto, que somente servia para confirmar minha tese anterior.

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Com as afirmações feitas pelo garoto e pelo entendimento que tive da situação, decidi aceitar a ideia de que a faca que o menino usava como brinquedo era a arma perdida pelo ninja que eu deveria recuperar. Não apenas isso, mas os pássaros que o garoto derrubava se tratavam dos pássaros mensageiros da vila, aqueles que estavam morrendo de maneira desconhecida até então. Mais uma vez, o destino parecia moldar a minha realidade de uma forma curiosa, mas dessa vez era como se ele estivesse tentando facilitar as coisas para o meu lado, era a primeira vez que isso acontecia.

Bastava, agora, recuperar a arma do garoto — o que não seria muito complicado — e assim os pássaros também deixariam de morrer. Afinal, ele não teria mais a arma que utilizava para tal proeza, e as armas comuns que o garoto poderia conseguir não seriam hábeis o suficiente para que ele voltasse a importunar as aves da vila.

Esperei pelo momento em que o garoto arremessou a arma para o céu mais uma vez, e então voltei a conversar com ele.

— Ei, garoto. Preciso te dizer algo sobre essa faca aí.

— Pode falar, tio. O que foi?

— Eu vim até aqui só pra pegar essa faca que você tá usando de brinquedo.

— O que? Como assim pegar? — O garoto voltava sua atenção para mim e o semblante de surpresa me passava a ideia de que ele não estava muito contente com a situação.

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