Era uma tarde comum, minha barriga estava cheia depois de almoço e minhas obrigações para o dia estava concluídas, ou assim eu pensava. Cruzei a sala de minha casa passando o dedo indicador pelo braço da cadeira no centro e analisando um rastro de poeira que ficara em meu dedo. A casa estava suja, precisava de uma faxina mais tarde. Antes que pudesse me afogar no tédio de morar sozinho, contudo, a campainha tocou.

Andei até a porta da frente e olhando pelo olho mágico me deparei com um carteiro parado em frente à porta. Os barulhos da trinca ecoaram pelo cômodo antes que a porta se abrisse entre nós dois.

- Olá, bom dia. - O cumprimentei.

- Bom dia! - O homem me respondeu energicamente. - Hozuki Kaiton, não é mesmo? -

O homem começou a folhear a massiva quantidade de papéis que levava em suas mãos até que se deparou com a que estava procurando.

- Aha! Aqui está! - Disse estendendo a mão para mim com a folha entre os dedos.

Depois que a apanhei, o homem me acenou com a cabeça e se despediu desejando-me um bom dia novamente. Se aquilo fosse o que pensasse que era, o fato de meu dia ser bom ou ruim dependeria muito da sorte.

Levei o papel até próximo ao rosto e comecei a ler o seu conteúdo. Era um pedido incomum, e ainda assim fiquei apreensivo com o que deveria esperar, mas aquele homem estava me chamando até o campo de treinamento, coisa boa não podia ser. Deixei o braço pender à esquerda, ainda segurando a carta e dei um longo suspiro observando o corredor vazio, era bom eu me preparar para o que me esperava.

Mais uma vez entrei em casa e fechei a porta. Andei então até o meu quarto e dentro do guara roupa procurei por minhas roupas de trabalho, as que ele mesmo havia me entregado pessoalmente com aquele olhar de poucos amigos. Não o havia visto desde então, mas sabia que estava me observando, por que mudar a abordagem agora?

Foi pensando nisso que cruzei a porta de casa, me dirigindo até o campo de treinamento de Konoha.

cruzei o campo, que estaria deserto se não fosse a presença de uma única pessoa parada ao centro. Tratava-se de um homem, mais velho que eu, mas ainda assim jovem. Possuía um cavanhaque e cabelos castanhos, pele clara e um olhar ameaçador, o mesmo que já vira várias e várias vezes despontar do mesmo rosto. Nós já nos conhecíamos à algum tempo, ele era um dos políciais da vila e ajudava na segurança do presídio em que fiquei. Nunca tivemos uma relação fora do comum com o que ele tinha com os presos, mas todos os conheciam por ser um homem estremamente rígido, comigo não era diferente.

No dia em que fui "liberado", nos juntaram em uma sala e revelaram que ele ficaria responsável por acompanhar meu desenvolvimento e cuidar para que eu me mantesse fora de encrencas.

Nenhum de nós tinha ficado satisfeito com isso, o homem, que todos chamava de capitão Kotokami, não gostara por ter que cuidar de um delinquente como eu, e eu, não gostara por ter medo dele.

Como disse, ele era um homem muito rígido conosco da prisão, eu temia, mas respeitava isso. Ele era guiado por seus princípios, e nós desrespeitávamos a maioria deles.

Até o momento ele não havia me chamado pessoalmente, apesar de que eu tivesse certeza de que estava sempre me observando. Mas se agora decidiu me chamar, algo mudou, e eu me questionava o que.

Parei em frente à ele no centro do campo, nós dois nos encarávamos, envoltos no silêncio esmagador daquele dia.

- Chegou, muito bem. - Ele começou

- Bom dia. - Lhe respondi antes que ele continuasse a falar.

Kotokami juntou as mão atrás do corpo e começou a andar em minha direção. Chegando perto, começou a circular-me enquanto falava, do jeito típico que você estaria acostumado a ver policiais fazerem.

- Então, ouvi dizer que a vila ficou satisfeita com o seu resultado nas últimas missões, e acreditam que é hora de você dar o próximo passo. -

Ameacei dar um sorriso quando Kotokami me repreendeu.

- Não fique convencido, as missões que você vinha fazendo até agora, minha filha de 8 anos poderia tê-las feito. Não, isso só quer dizer que você não é um idiota, mas ainda não é bom o suficiente. -

Desfiz o meu protótipo de sorriso imediatamente.

- Quando recebemos a notícia de que você se tornaria um ninja, além de ser contra, também fui designado para ser seu professor e te ensinar o básico sobre as técnicas e conduta shinobi. Você parece ter entendido bem o básico, mas agora o vilarejo quer que você aumente seu nível, e nesse nível o básico não vai te impedir de ter sua cabeça decepada antes que consiga dizer "espere".

- O que está dizendo, capitão? - Lhe perguntei.

O homem parou de andar em minha frente com seu olhar penetrante fixado em meus olhos.

- Eu vou voltar a treiná-lo a partir de hoje, e não vamos discutir a matemática por trás de um arremesso de shuriken, nós vamos te transformar em uma força para a vila da folha. Estarei te esperando neste mesmo horário, neste mesmo lugar, todos os dias. Se prepare, sua vida vai se tornar um inferno daqui pra frente, mas quando acabar você terá despertado uma parte de sua verdadeira força, e aí talvez possamos considerar você um guerreiro.

Kotokami me deu as costas e começou a andar de volta ao lugar em que estava antes quando o interrompi.

- E quando nós começamos? -

- Agora. -

E como se estivesse esperando que eu perguntasse, retirou rapidamente um pergaminho do bolso e o jogou por cima do ombro em minha direção. Agarrei o pergaminho no ar, e ainda um pouco atordoado, o abri.

Tratavam-se de instruções para uma técnica chamada Kirigakure no jutsu. Levei um tempo lendo os detalhes da técnica, não me preocupando em ver as instruções no momento.

Tratava-se de um jutsu para criar névoa a partir de chakra. Não vou mentir, parecia bastante útil, mas perigosa. Elevei os olhares do papel para Kotokami mais uma vez e o questionei.

- Me perdoe o ceticismo, com certeza isso será útil para fugas, mas também me soa como uma faca de dois gumes. Se a ideia é diminuir a visibilidade do inimigo, também precisamos estar cientes de que a minha visibilidade também vai ser afetada.

Kotokami me fitava sem esboçar nenhuma reação no rosto.

- Sim. Isso não é algo para você se preocupar agora, só foque em aprender o que eu te passar.

- Mas...

- Ser um ninja não é só ter uma gama de poderes perfeitos. Jutsus são como qualquer outra arma, esperamos nunca precisar usá-los, mas sabemos que vão estar lá quando a hora chegar. Não existe nenhum jutsu sempre perfeito, a ocasião faz dele perfeito, e se você não sentir qual poder a ocasião pede, você não é um ninja.

Não soube bem o que podia responder àquilo, Senti pela fala anterior de Kotokami que ele parecia ter algum tipo de plano, algo corria em sua mente e eu, obviamente, não sabia o que era. Tendo isso em mente, e também por ter um pouco de medo dele, resolvi baixar o olhar para o papel mais uma vez e somente lhe responder.

- Okay... - Voltando a ler as instruções.

Enquanto lia, Kotokami deu de costas e foi se afastando a passos lentos até sentar sob a sombra de uma ávore com as costas encostadas no tronco. Na sua mão direita estava uma maçã, que não sabia mais se sempre havia estado ali, e se não, de onde ele a tirara.

As instruções eram bem simples, e o jutsu não parecia ser muito mais complicado do que os que eu aprendera em meu treinamento shinobi básico. Quando terminei de Lê-las, olhei para o policial em baixo da árvore e o avisei.

- Terminei! - Gritei.

Kotokami somente deu uma mordida bastante barulhenta em sua maçã e fez um floreio com a mão como se dissesse "continue".

Sabendo o que fazer, guardei o papel no bolso e fiz os sinais de mão o mais bem executado que consegui, concentrando-me ao máximo para executar a técnica de um jeito bem feito.

Assim como esperado, comecei a expelir água de minha boca enquanto uma névoa começava a tomar conta do campo de treinamento. A névoa era espessa, mesmo assim ainda era possível ver as silhuetas das árvores e até mesmo de Kotokami ao longe, ainda podia ser aperfeiçoada.

- Hm... Não esperava que fosse pegar logo de primeira, mas eu ainda consigo ver onde você está. - Disse Kotokami jogando sua maçã no ar até acertar minha cabeça.

- Ai!...

- Quanto mais você demorar, mais vamos ficar aqui! - Respondeu rispidamente.

O resto do dia se resumiu a mim tentando criar uma névoa o mais espessa possível. Sinceramente, não demorou muito para que eu conseguisse, mas Kotokami parecia discordar de mim e continuou a me incitar a continuar.

Não tendo outra escolha, fiz como ele mandou, e aos poucos fui sentindo o cansaço me vencer.

Horas depois, quando Kotokami se deu por satisfeito e enfim levantou de seu local de descanso, a névoa abriu espaço para meu corpo deitado sobre o campo de treinamento, buscando enfim algum descanso.

Minha visão do céu logo fora obstruída pelo olhar julgador de Kotokami vindo de cima. Ele não perdera tempo antes de falar com sua voz ríspida.

- Levanta. -

Estava cansado demais para responder, o som da minha respiração deveria ser suficiente para que Kotokami entendesse que aquele pedido eu simplesmente não poderia entender, mas pensei errado. Não sei porquê fiquei surpreso, mas ele não parecia se comover com seu esforço. Ele deixou isso bem claro em suas próximas falas.

- Se esse é o seu limite, sugiro que desista dessa loucura e volte para a sua cela. O que nós fizemos hoje não foi nada comparado ao que está por vir, então se esse é realmente seu limite... -

- Por que estamos aqui?... Por que você decidiu me ensinar do nada? - O interrompi finalmente.

Kotokami continuou a me encarar por alguns segundos antes de abrandar sua expressão, não para uma amigável, mas sim para uma cansada, como se estivesse ainda mais ansioso que eu para ir para casa.

- Os chefões disseram que já estavam satisfeitos com o seu desempenho nas missões de Rank D, e encubiram a mim a tarefa de te fazer subir ao próximo nível. Não se esqueça de que você está aqui para cumprir uma importante missão, detento. Os chefões geralmente são impacientes, então querem que esse dia seja o mais cedo possível. Isso significa que nós vamos fazer muito em pouco tempo, e por isso te digo que o que fizemos hoje não é nada comparado ao que está por vir.

Saber que o que me aguardava era ainda pior me dava medo, para ser sincero. Mas qualquer coisa era melhor do que voltar a passar meus dias encarando as paredes cinzentas da prisão. Engolindo em seco, tentei ao máximo controlar a respiração e me coloquei de pé lentamente, encarando Kotokami.

- Eu estou bem, isso... Não foi nada... - Disse por entre minhas expirações.

Kotokami me olhou de lado, ja pronto para dar um passo na outra direção e ir embora.

- O quartel General aprovou a atribuição de missões Rank C para você, e isso significa possíveis combates. É bom estar preparado, não pense que tem o direito de morrer antes de pagar o que deve à sociedade.

E então Kotokami seguiu seu caminho, deixando-me sozinho com a brisa fresca do campo de treinamento passando por meu corpo cansado. No fundo, eu estava com medo do que vinha, mas pelo menos havia me tornado mais forte hoje.