Poderia apenas aceitar que ser um ninja era uma tarefa mais fácil do que o esperado, mas me lembrava sempre das palavras de meu avô, seu discurso a respeito do poder do clã Senju e sobre como feitos memoráveis estavam escritos em meu futuro. Talvez uma afirmação tão esperançosa pudesse estar enganada, mas sabia como meus primeiros dias como um genin estavam sendo.

Missões tão simples quanto as de rank-D não apresentariam desafio algum para um ninja como eu, mas assim elas seriam para qualquer um que fosse capaz de se formar na academia — ou é o que imaginava. Deitado em minha cama, encarando o teto sem dizer uma só palavra, algum sentimento de desconfiança brotava em meu peito, um sexto sentido que insistia em me dizer que havia algo errado nisso tudo, alguma coisa estava fora do lugar.

A noite fria da névoa oculta era silenciosa, diferente de meus pensamentos agitados, fazendo com que erguesse-me da cama na madrugada, buscando um copo de água na cozinha para tentar acalmar a mente. As luzes desligadas permaneceram desta forma, enquanto cruzava a escuridão pelo caminho já conhecido, em silêncio absoluto. Talvez pela confiança tão grande em seguir um caminho predeterminado, eu acabei por posicionar o pé no lugar errado do piso, vindo a chutar uma mobília antiga.

A dor nos dedos surgiu como um raio, fazendo os olhos se arregalarem em surpresa, enquanto a perna se recolhia para que os pequenos dedos fossem apertados por ambas as mãos quase que de imediato. O barulho do choque com o móvel reverberou por alguns instantes, sinal de que havia sido pior do que imaginei, fazendo até que me questionasse se ele estava inteiro ainda. Luzes acesas então, apenas para ter certeza. Com o fim da escuridão, consegui notar a ausência de sangue ou unhas quebradas nos dedos do pé, um excelente sinal. Examinando o móvel atingido, no entanto, a surpresa foi um pouco maior.

A grande estante foi movida alguns centímetros, revelando um pequeno padrão de madeira diferente na parede de trás, poucos centímetros acima do solo até o mesmo. Claro que a curiosidade é um perigo para um ninja, mas a simples chance de haver um cômodo secreto na residência de meu falecido avô me tornou induzido a saber com certeza o que havia naquele local. Meu primeiro desafio seria mover aquele grande móvel, uma vez que ele possuía quase três vezes meu tamanho, estando completamente recheado de livros, revistas e pergaminhos antigos, também relativamente pesados.

Dito e feito, algumas boas tentativas e muito tempo foi preciso para que a estante sequer começasse a se movimentar, deixando riscos grossos e aparentes no chão de madeira. Canalizar o chakra pelo corpo tornava a tarefa um pouco mais fácil, graças ao aumento leve na força dos músculos. Apesar da aparente falta de experiência no controle de energia, pouco a pouco eu crescia como um shinobi, dominando cada vez mais as artes de um ninja. Horas tendo já se passado, o sol se mostrava no horizonte, trazendo consigo uma atmosfera alaranjada e marcante, difícil de não se notar depois de horas de esforço.

Foi no começo da manhã que espaço o suficiente foi alcançado, permitindo que uma passagem oculta fosse descoberta. A pequena escotilha de madeira levaria para algum lugar interessante, com toda certeza, mas a escuridão em seu interior me fez ter que preparar algo antes da travessia. Uma grande vela em mãos, acendida no fogão, iluminaria o caminho o suficiente para que pudesse explorar o interior daquele local.

O ambiente era gelado e úmido, revelando ser uma enorme escadaria em espiral que descia rumo ao desconhecido, sem qualquer detalhe além destes. Com a vela empunhada e muita coragem empregada, desci degrau por degrau, sentindo que apesar de estar começando a sentir muito cansaço pela falta de descanso, a ansiedade pela grande descoberta me manteria acordado facilmente.

Foi no fim daquela descida sem fim que achei uma sala de madeira escura, com estantes sem fim e alguns móveis que pareciam ter o intuito de tornar o local em uma grande biblioteca particular. Livros grossos, velhos e empoeirados poderiam ser vistos por toda a parte, junto de pergaminhos em igual estado. Talvez não tivesse muita energia restante no tanque para ler tudo aquilo, mas a curiosidade seria o suficiente para ir atrás de um pouco mais de informação.

Poucos passos foram feitos para o interior daquele grande salão, mas as luzes pareceram se ligar automaticamente, como se um sensor houvesse sido ativado. Foi aí que pude notar um símbolo no fundo do salão, algo que parecia uma enorme espiral vermelha, cravada em relevo em um gigantesco quadro de madeira. Não conhecia e nem havia visto aquilo em toda minha curta existência nesse mundo, mas poderia julgar que parecia um símbolo, algo que supostamente deveria remeter à algo.

A biblioteca não possuía exatamente um sistema de organização, ao menos não que eu tivesse encontrado, mas sabia que uma pequena sessão da mesma estava datada e servia como cronologia. Julgando pelos números, o ano de 753 foi o último de utilização, encerrando misteriosamente e sem aviso. Cada um dos manuscritos pareciam relatar o cotidiano de um casal de ninjas, como um verdadeiro diário, sem nada muito relevante. A única coisa que me chamou um pouco de atenção foi próximo dos capítulos finais, quando a mulher parece relatar o começo de sua gravidez e o quanto procura um nome para colocar em sua filha. Diante de tantas opções, pressionada pela indecisão, ela diz que escolheu enfim um nome especial.

— Aruna? Esse não é…

Enfim algo que poderia ter certeza, o nome escolhido era o mesmo de minha mãe. Isso provavelmente indicaria que esse diário pertenceu aos meus avós, não é? Mas o nome do homem não era o mesmo do meu avô, o que isso poderia significar? Perto da entrada da biblioteca, um caderno mais novo e conservado do que a maioria daquele lugar chamou a atenção, fazendo com que sua leitura se tornasse quase obrigatória. A caligrafia era obviamente de meu avô, tanto é que ele até mesmo se identifica em meio ao monólogo.

Agindo também como uma espécie de diário, ele fala sobre a decisão de adotar uma garota e criá-la como sua própria filha, contrariando as expectativas de seus pais em continuar a linhagem de sangue do próprio clã. Foi verdadeiramente um choque, mas descobrir que não há ligação de sangue com o velho não mudaria em nada agora, não depois de tanto tempo juntos. Talvez, a surpresa maior seria a de que eu não pertenço ao clã Senju, como havia esperado todo esse tempo, mas de um outro clã, que nunca havia ouvido falar.

Seguindo a leitura adiante, é possível até achar um tipo de carta, algo que meu avô pareceu deixar para mim, dada a presença de meu nome no topo. Segundo ele, essa enorme sala foi um último presente dos meus verdadeiros avós, um amontoado de conhecimento esquecido pelo tempo, totalmente pertencente ao clã Uzumaki. Se procurasse corretamente, encontraria pergaminhos com jutsus próprios do clã e livros de história a respeito de seu passado. Um último aviso foi  feito, marcado com tinta vermelha e sublinhado diversas vezes. Por se tratar de conhecimento dos Uzumaki, a escolha do que fazer com tudo aquilo era totalmente minha, mas a sugestão do velho foi para que não dissesse para ninguém a respeito da sala, pois nunca se sabe quando a informação poderia vazar.

Muitas coisas aconteceram numa noite tão quieta, mas de alguma forma, minha cabeça havia se tornado tão silenciosa quanto. Minha jornada provavelmente viria a se tornar mais clara a partir de agora, em um mundo onde a verdade foi descoberta.

Considerações: