I




Estava sentado com ambas as pernas cruzadas e com as mãos postas sobre os joelhos. À sua frente, seu velho conselheiro Watanabi tinha um incomum olhar duro prezo no seu rosto, como se o estivesse repreendendo. Jamais o havia visto com esta expressão. Entre os dois, um grande pergaminho de cor negra com alguns detalhes em carmesim pousava fechado. Podia sentir a tensão pairando e quase ignorava os olhos de sua mestra postos sobre si num canto distante naquele campo aberto.

　　O velho e a Nara foram um dos poucos a quem confidenciou todos os detalhes do ataque que caiu sobre a Nuvem no que era para ser uma reunião de paz. Todos já sabiam da aparição da grande besta de dez caudas, mas quase ninguém havia sido informado do estranho encontro com o homem negro. A lembrança daquele momento era bem viva, o Warui que partira não era o mesmo que regressava.

　　Os três estavam a sós no gabinete quando o Sexto pousou uma caneca cheia de café sobre a mesa de madeira. A noite já havia caído e a lua tinha o fino brilho minguante com as estrelas pintalgando aqui e ali o céu negro a sua volta. Os filetes da bruma fantasmagórica dançavam por entre as vielas, ele pudera ver pouco mais cedo pela janela de seu prédio. Agora, seu semblante soturno recebia as reações dos dois em quem mais confiava.

　　— Quando o homem que doma demônios caminhar entre os mortais, o caminho para o nascimento de um deus se desenhará... — Tomoko repetia como se estivesse pensando alto.

　　Naquele momento, porém, fora a primeira vez que vira o velho afiar os olhos daquela maneira. Era como se estivesse perturbado por ter uma parte de seu passado desenterrada, mas as histórias transcendiam o tempo, a palavra as haviam eternizado e ele conhecia bem o conto do invocador de demônios da Névoa.

　　— Mizukage-sama, estas criaturas são especialmente complicadas de domar. Mesmo após todos estes anos, só sou capaz de invocar os dokis.

　　Um silêncio aterrador tomou o ambiente, mas o brilho intenso nos olhos vermelhos de Warui não se alterou. Viu o velho suspirar como se estivesse encurralado e no fundo os dois sabiam que ele estava. O conselheiro não negaria um pedido daqueles; e o líder não desistiria tão facilmente.

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II




　　— Um autoproclamado deus representa uma ameaça a Névoa e ao mundo, senhor Watanabi. — ele rompia o silêncio com o tom brando, sem nem ao menos ser ríspido. — Eu me tornarei um verdadeiro deus e eliminarei qualquer ameaça, principalmente à minha nação. — fez uma pausa, mergulhando nos cansados olhos de seu velho conselheiro. — Eu domarei todos os demônios.

　　Viu o dedo indicador enrugado do homem tocar o lacre do grande pergaminho. Não parecia haver pesar nem receio no ato e nem sequer houve um suspiro antes de fazê-lo, e nem deveria haver. Warui fora treinado por Tomoko e aprimorado pelo avô de Haru, eles sabiam, melhor que qualquer um, que ele seria capaz – ou morreria tentando.

　　A mão esquerda rolou o manuscrito sutilmente para o lado, revelando alguns poucos nomes em katakanas vermelhos riscados no branco encardido.

　　— Isto é um pergaminho de contrato, aqui estão todos aqueles que se aliaram a este tipo de criatura, assinando sua lealdade com o próprio sangue. — o outro explicava, com sua voz sempre parecendo carregada de sabedoria e cansaço.

　　Corria os olhos por cada nome e sobrenome, já havendo notado que não eram tantos. O último, porém, o fizera arquear uma das sobrancelhas. Ele é último invocador de demônios?, indagava na quietude de sua mente que acelerava processando informações. O comportamento relutante, uma rara insistência em se colocar no seu caminho por poder.

　　Naquele momento, ele entendeu tudo.

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III




　　— Você pretendia morrer sem passar este conhecimento, — os olhos do Sexto se cerraram e seu timbre não denotava qualquer dúvida nas palavras. — ou estou errado? — ele já sabia a resposta.

　　O semblante do velho obscureceu como se uma grande sombra pairasse sobre ele. Viu-o juntar ambas as mãos por baixo das grandes mangas de seu quimono e franzir o cenho como dificilmente o fazia.

　　— Estas criaturas não são como as outras invocações. — o tom era de advertência, como se soubesse que nada que pudesse dizer convenceria Warui de não fazê-lo; e estava certo. — Demônios não são submissos e os que saem de seus reinos são muito difíceis de controlar. — a mão tremula tateava levemente nome por nome que constavam no pergaminho. — Não é sem motivo que são criaturas raras de se ver andando pela terra, são poucos invocadores e nenhum desses foi capaz de domá-los...

　　— Eu não pretendo me curvar a falsos deuses, nem tampouco a demônios.

　　A Sombra interrompeu, empurrando a guarda de sua espada com o polegar esquerdo causando um baixo tilintar antes de passar suavemente a pele no fio. Sentiu o sangue quente escorrer e então molhou o dedo indicador da mão direita para que pudesse inserir seu nome com o vermelho.

　　Riscava cada katakana cuidadosamente no papiro: primeiro o da tempestade e então, cada letra daquele que se tornaria o verdadeiro deus.

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IV




　　Voltou sua atenção para o último dos invocadores de demônios após ter seu nome inserido no contrato. Ele mesmo fez questão de enrolar o pergaminho outra vez antes de ver o velho fazer um único selo com a mão direita e o objeto desaparecer num estouro.

　　— Toda vez que desejar invoca-los, deverá oferecer um pouco de seu sangue. — o conselheiro orientava, sabendo que não havia mais volta. Um último suspiro escapou, mas notava que o olhar do outro estava mais brando agora. — Eu pretendia morrer com este conhecimento, sim.

　　— E por qual motivo? — a pergunta escapava enquanto o Sexto se levantava e via o velho fazer o mesmo.

　　— Eu tentei no passado domá-los, Warui-sama. — as palavras soavam como uma confissão pesarosa. — E mesmo eu não tendo sido um shinobi fraco no passado, eu não era bom o suficiente para eles.

　　— Eles?

　　— Você saberá.

　　— Os contos falam dos demônios que você conjurava para ajudar a lutar ao lado da Névoa e das antigas Sombras...

　　— Faça os selos e invoque-os de uma vez. — era um tom de ordem; não de conselheiro para Sombra, e sim de mestre para aprendiz.

　　Warui conhecia a sequência da técnica, já até havia visto uma grande serpente ser conjurada em combate. Uniu as mãos em velocidade que olhos nus não conseguiriam acompanhar, com a mão esquerda banhada no próprio sangue. Agachou levando a palma até o piso de grama, manchando o verde levemente com o carmesim.

　　As marcas negras se espalharam – e ele não disse uma palavra.

　　Viu o velho dar três passos para trás e uma cortina de fumo surgir subitamente envolvendo seu corpo a partir de onde seus dedos tocavam. Três grandes silhuetas se ergueram e fizeram a fumaça branca dissipar tão rapidamente quanto se erguera. Eram muito maiores que um ser humano comum e com presenças carregadas de um chakra único.

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V




　　Todos eles tiveram suas bocas costuradas?, ele notava enquanto analisava friamente cada uma das criaturas. Uma, à esquerda, de longos cabelos desbotados e pele pálida portava um grande bastão com espinhos; outra, à direita, tinha os braços faltando e o corpo todo coberto por ataduras e aparentava se postar de costas; a última e que posava no centro, era robusta, sem cabelos e com duas garras enormes amarradas nos antebraços que pareciam serem feitas ossos.

　　Notou que os olhos de todos os três estavam vendados de alguma maneira – um por uma venda, outro pelas ataduras e o com bastão tinha o cabelo longo demais – mas pareciam saber que sua presença estava diante deles. Pousou a mão esquerda sobre o cabo da espada calmamente, deixando a postura o mais relaxada possível, externando sua serenidade. Deu três passos adiante, ficando ainda mais próximo dos demônios e sentindo o forte cheiro que cada um deles exalava.

　　Claramente não pertencem a este plano. Um estranho odor que lembrava enxofre invadia suas narinas e por trás das criaturas estava o outro invocador. Atravessou no meio do trio e se postou diante do velho Watanabi, percebendo a movimentação de seus parceiros logo em seguida, voltando-se para a mesma direção que Warui apontava.

　　O olhar do velho ainda estava cerrado.

　　— Estes são os dokis, são os mais submissos dos demônios. — ouvia a explicação, sabendo que havia mais a ser dito. — Se conquistar a confiança destes, terá bons aliados em batalha.

　　— E quanto aos outros? — questionou e percebeu o conselheiro engolir seco, mas seu rosto permaneceu impassível.

　　— Falarei ainda que você não vá me escutar. — era a primeira vez que havia o ouvido falar com tanto peso em seu timbre. — Não vá ao reino dos demônios.

　　Warui ergueu a mão direita num único selo e os três atrás de si desapareceram. Os olhares se desafiaram como espadas tilintando em beijos de aço numa batalha de vida ou morte. O caminho para um deus havia começado a ser trilhado, e deuses não se curvam a nada e nem ninguém.

　　— Obrigado por mais este ensinamento, senhor Watanabi.

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