O dia estava tranquilo demais para ser verdade. Kaginimaru prosseguia realizando toda sua rotina diária no gabinete quando fora surpreendido pela chegada de Pandora com olhar e ações extremamente ameaçadores. Embora não fosse comum, o Hachidaime sorria em vê-la durante o horário de trabalho, era sempre um prazer, mesmo que sentisse a iminência das revelações de que tinha feito algo de extremamente errado.

Dito e feito. Logo a mesma revelava a insatisfação com o fato de Kagi ter poupado a vida de um conspirador e transpassava a ideia de que já havia resolvido o "problema". A complexidade da situação o forçava a se manter calado por alguns segundos, refletindo como poderia explicar a decisão de maneira que não soasse como um idiota. — "Um garoto fraco e magricelo chega em um grupo de rapazes fortes e diz: Um dia eu serei mais forte do que todos vocês. E então todos passam a rir dele, menos o mais forte, que se lembra de quando era criança e passou pela mesma situação." — Parafraseava um conceito que havia aprendido durante sua infância de treinamentos. O fato de ter sido diretamente desafiado por aquele homem, mesmo sendo visivelmente superior em porte físico transpassava uma grande credibilidade ao inimigo. Não que lhe desse razões, ainda continuava sendo um traidor, mas no fundo o próprio Tsuchikage o entendia bem.

Assim que terminasse a frase, viria então a explicação; — No lugar dele, eu teria feito a mesma coisa... Além do mais, a dor dos ossos quebrados que ele sentiu não chegou nem perto da dor causada pela piedade que tive, enxerguei isso em seus olhos. Para homens de verdade, morrer é bem menos pior do que a humilhação de depender da benevolência de outro homem. — Revelava. Pandora agora poderia ver que não havia enxergado a situação com os olhares para o orgulho masculino, o ponto mais importante diante de enfretamentos entre dois. Agora possuiria plena noção da maldade do Colosso de Pedra no que tangia ferir mais fundo do que ferimentos físicos fossem capazes de abranger, ou talvez Kaginimaru apenas estivesse contando bobagens para tentar se livrar da responsabilidade e acalmar a esposa. Quem sabe? — Mas deixe isso em segredo, ok? Não é um assunto que nós homens costumamos revelar ou conversar sobre. — Diria sorridente e com ambas as mãos na nuca, aproveitando para espreguiçar todo o próprio corpo.

As respostas diretas de Pandora sempre causavam uma mesma reação em Kaginimaru; ele sorria. Sorria pois sabia que aquela era a Pandora de sempre, a mesma Pandora que havia conhecido em muitos anos atrás. O jovem se posicionava melhor na cadeira em que se encontrava durante as falas seguintes. Estavam tratando de um assunto sério, divergente entre a dupla por muito tempo. — Eu não posso me acostumar a matar. Não quero acabar me tornando que nem ele. Faço isso somente quando necessário ou inevitável. — Expressava diretamente suas motivações, embora fossem evidentes e a Heinstein certamente soubesse. Acompanharia com o olhar os passos da mulher, se perguntando o que tanto a incomodava. Estava visível, a esposa não se encontrava confortável.

Com a pergunta e as constatações, o Hachidaime Tsuchikage permanecia em silêncio. Não existiam respostas cabíveis neste instante; ela estava certa e o mesmo já havia presenciado isto com seus próprios olhos por diversas vezes. Talvez fosse a hora de mudar? O próprio questionamento pairava em sua mente, mas a resposta ainda não seria definida. Não se tratava de uma simples decisão assertiva, mas sim uma mudança drástica em suas próprias ações que muito provavelmente não teria volta.

Kaginimaru então se levantava e partia diretamente em direção à esposa. Buscaria abraçá-la de lado, com o braço dominante passando por seus ombros e o oposto no fim de sua cintura. — Não me importo com quem esteja vivo ou morto, uma das coisas que realmente importa está bem aqui do meu lado. Esqueça este assunto, já está feito. Você precisa descansar e parar de pensar em mortes. — Dizia, finalizando com um beijinho na testa da morena. Sua intenção era a de buscar acalmá-la; nunca havia visto ela neste estado, mas presumia se tratar de estresse do trabalho ou coisa parecida.

Observar o fluxo do vilarejo através das grandes janelas do gabinete era um dos hobbys prediletos do Tsuchikage, mas tinha em mente um ainda melhor e estava pronto para convidá-la. — Que tal irmos para casa mais cedo? Lá vai ser divertido. — Sugeria, sorrindo e olhando diretamente nos olhos dela. Acreditava que, talvez assim, conseguisse ajudá-la a melhorar.

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Embora fosse resistente, nem mesmo o mais imbatível dos homens era capaz de lidar normalmente diante da dor de algo fino, veloz e forte como o golpe executado diretamente contra seu dedo mínimo do pé. Quase que de imediato, institivamente, Kaginimaru começava a pular em uma perna só — utilizando-se da qual não havia sido golpeada, além de reclamar através de gemidos a dor que sentia. As falas iniciais de Pandora não eram menos do que o esperado neste momento. Lá no fundo, o Hanma já esperava uma reação deste nível, quem observasse de fora, com conhecimento prévio sobre ambos, poderia facilmente presumir que tudo aquilo estava sendo feito de propósito para que a morena se acalmasse, mas seria esta a realidade?

De repente, toda a dor parecia cessar. Ela ainda estava presente, mas sua importância se tornava nula diante das duras palavras que auscultava. Ainda estaria ali, fingindo estar pulando de dor, talvez somente em uma escala mais baixa, mas a ação apenas havia se tornado um meio de fugir de responder o que havia escutado — afinal sequer restaria tempo para refletir sobre ou simplesmente expressar a realidade sobre os objetivos que tinha.

Já sozinho, passaria alguns minutos refletindo sobre. Embora tivesse noção dos motivos para suas próprias decisões, questionava-se sobre estar certo ou não. — "Eu deveria ter matado... (?) — Em sua concepção, um inimigo fraco, uma vez brutalmente derrotado como aquele, nunca mais seria um problema, pois se este fosse realmente um homem, sofreria dos males da covardia por todo o restante da sua vida. Já perante alguém habilidoso que demonstra ser um inimigo, não podia se dar ao luxo de permitir que continuasse vivo, pois certamente teria problemas futuros ainda piores. Agora, o verdadeiro problema, se dava pelo que havia sido posto em jogo.

Alguém que ameaçava a família do Hachidaime jamais mereceria um perdão. O que a Heinstein talvez jamais perceberia era o sadismo envolvido na situação; o Colosso da Pedra praticamente havia destruído o crânio do inimigo, além das centenas de ossos quebrados e demais ferimentos por todo o corpo. Era duvidável que aquele homem conseguisse voltar a andar, talvez até mesmo a falar, mas estaria ali, vivo, vegetando e convivendo com a própria insignificância desencadeada por conta do seu desejo de vingança sem que tivesse o poder necessário. Isso, além de ter seu próprio orgulho totalmente ferido com a piedade mascarada de ter sido contemplado com a oportunidade de continuar vivo, para um homem, certamente seria pior do que a morte.

Mas nem mesmo o próprio tinha noção disso, seus instintos reinavam aqui e esta se resumia em ser a razão pela qual se encontrava tão confuso. Se nem o responsável conseguia se autocompreender, como sua parceria seria capaz? Ainda mais possuindo seus visíveis próprios problemas.