Minha consciência se esvaiu dentro das primeiras horas, mas não pude dizer que houve tempo para uma recuperação mental satisfatória.

Por costume, era de praxe minha ter sono pesado. Profundo o bastante para não me recordar, mantendo-me imerso na escuridão de meu âmago. Entretanto, aquela maldita sensação de estar sendo observado me atingia como uma flecha. Era como voltar em alguns anos no tempo, na época onde a escuridão tomava formas em meu quarto no meio da madrugada, associado aos meus maiores medos. Do breu, apenas vislumbres de duas grandes esferas douradas eram captadas pela minha visão periférica. Mas, ao encará-la de frente, era dissipada. O pavor, entretanto, se mantinha, junto a uma voz gutural que parecia sussurrar a milímetros de meu tímpano.

— Por quanto tempo acredita que essa casca fraca irá me segurar, Gwyndolin? —


Respirava profundamente, como quem tivesse acabado de emergir do fundo do mar depois de horas. Olhava para os lados, apenas para sentir a pele tostada pelo sol intenso do deserto. — ...Estamos perto, pelo jeito. — Diria mais para mim mesmo do que para qualquer outro. Depois de tanto tempo de viagem, estava me sentindo péssimo por não estar sendo capaz de caminhar a viagem pelas minhas próprias pernas. Cansei de contar as vezes que amaldiçoei o Shinigami Branco pelo que quer que tenha feito comigo, mas agora começava a compreender melhor as coisas. A maldita besta de areia estava ali, comigo, e seus sussurros me indicavam que apenas estava esperando a oportunidade perfeita para ressurgir mais uma vez.

A areia quente soprava incessantemente pelo deserto, envolvendo meu corpo frágil e enfraquecido. Agora, um pouco mais renovado, caminhava com passos vacilantes, cada vez mais pesados, como se o próprio solo árido sugasse minhas energias, extraindo cada gota de vitalidade que me restava. Era uma batalha árdua, não apenas contra as adversidades naturais, mas também contra o torpor implacável que se instalara em meu espírito.

Selado em minha essência, a criatura que nos deparamos em Amegakure se manifestava como uma presença insaciável, um poder antigo e selvagem que não conhecia limites. Sua influência, como um vento incontrolável, soprava pelas fronteiras da minha consciência, sussurrando desejos obscuros e alimentando a ira dentro de mim.

Enquanto meus pés se arrastavam penosamente pela paisagem impiedosa, a voz da besta ecoava em minha mente, como um coral de murmúrios enlouquecedores. Sua presença se agigantava, às vezes tão intensa que eu temia ser engolido por sua tempestade interior. Ele era o deserto em sua forma mais brutal, a areia abrasadora que me penetrava e rasgava minhas esperanças em farrapos.

Em minha luta desesperada para manter a lucidez, encontrava refúgio nas metáforas que tecia na teia de minha mente. Via-me como uma pequena semente, lançada ao vento impiedoso do deserto, à mercê das correntes invisíveis. A cada passo, a cada respiração ofegante, eu me transformava, minhas raízes se enraizando no solo árido, buscando qualquer resquício de vida e força para sobreviver. Olhava para os lados, buscando refúgio na figura de meus aliados e tentar fazer com que fosse penetrado em minha mente de que as coisas estavam sob controle. Eu me cobria com uma armadura imaginária, erguendo defesas para conter o poder avassalador do demônio. Cada pensamento negativo, cada tentação de abandonar a luta, era enfrentada com uma coragem que eu mal sabia que possuía.

Entre os sussurros enlouquecedores que vinham de meu âmago, sentia também o eco da minha própria alma, uma voz frágil e determinada, que se recusava a ceder. Ela me lembrava de quem eu era, de todos os sonhos e anseios que alimentavam meu coração antes da sombra do diabo se abater sobre mim. Era uma melodia tênue, mas persistente, que se misturava ao rugido das dunas distantes.

E assim, com o sol escaldante a me banhar e a criatura a me desafiar, eu persistia. Minha jornada pelo deserto não era apenas uma busca por sobrevivência, mas sim uma caminhada em direção à redenção. Pois, no cerne do meu ser, eu sabia que, mesmo enfraquecido, carregava dentro de mim a força para moldar meu próprio destino e provar que, mesmo nas tempestades, um espírito determinado pode se erguer e desafiar o inevitável.

Sequer pude compreender com exatidão o momento da passagem pelos imponentes portões do vilarejo. Apenas acordei de meu estupor, observando o Sombra do Vento indicando que estava dispensado, que ainda haveria de chegar o instante no qual eu teria seu tempo para conversarmos. — ... — O silêncio não era um reflexo de insubordinação, raiva ou remorso, mas sim da mais pura exaustão de uma batalha que eu mal havia começado a travar.