O corte na região do abdômen ainda doía, mas ao menos não mais sangrava.

Aquele dia havia sido conturbado do início ao fim. Encarregado de uma missão particularmente perigosa, Gin foi instruído a investigar uma série de assassinatos no mínimo peculiares, onde todas as vítimas detinham das mesmas características post-mortem: redução de massa corporal, quase como se tivessem sido literalmente sugadas de toda musculatura e energia que uma vez em vida tiveram. O culpado pela situação não era exatamente a pessoa mais metódica do mundo — realizava suas empreitadas em plena luz do dia e parecia ter um certo apreço pela presença de testemunhas oculares, fato esse que facilitou o trabalho do ninja imensamente.

O combate provou-se mais árduo do que o de costume: a areia de Gin, mesmo que dotada de características magnéticas relativamente poderosas, ainda sucumbia às habilidades singulares do assassino dos cabelos ruivos. Foi somente se expondo à um ataque direto — o que lhe rendeu um pequeno, porém profundo corte no abdômen — que o Jonin conseguiu embosca-lo em uma armadilha que se beneficiava da velocidade superior de suas técnicas.

Com o assassino ruivo finalmente nocauteado e carregado em seus ombros, bastava Gin dar início à segunda parte daquela investigação.

Considerações:

— Mais um morador não-voluntário pra vocês. — Ironizou conforme fornecia as informações básicas a respeito de si ao guarda do Quartel General da Areia. O subordinado apenas rabiscou poucas letras em um pedaço de pergaminho e os alcançou para Gin, que desajeitadamente escreveu sua assinatura e deu alguns passos extras para por fim adentrar a estrutura. Não fosse seu cargo nos rankings militares, o jōnin provavelmente teria a carreira de caçador de recompensas como seu ramo de vida, dadas as inúmeras vezes em que já havia adentrado as catacumbas dali carregando um fugitivo da lei consigo.

O corpo desacordado foi então jogado para dentro de uma das celas. Envolvendo a haste de um balde em seus dedos, Gin encheu-o de água e prontamente arremessou na direção do rosto do dorminhoco ruivo com claras intenções pouco amigáveis. — Bom dia, chuchu. — Apaticamente declarou, mantendo suas pupilas envoltas por profundas olheiras permanentemente fixas no homem. — Escuta, eu já tô de saco cheio, então não vou perder muito tempo tentando ser razoável contigo. — Agarrando o assassino pelo colarinho, o shinobi empurrou-o contra a parede, permitindo que fizessem contato visual direto um com o outro. — Se você colaborar comigo, o pessoal daqui da prisão pode ser um pouquinho mais amigável com você.

Considerações:

Passar por cima da coragem do assassino ruivo foi tão fácil quanto tirar uma soneca: Gin sequer precisou utilizar da força física para obter as informações necessárias para o bom andamento de sua missão. Sua simples feição tomada por olheiras profundas em conjunto com o ambiente úmido e de meia-luz das catacumbas do Quartel General foram suficientes. Uma nova variável, no entanto, havia sido colocada em jogo: o fora-da-lei detinha a capacidade especial de absorver o chakra alheio, explicando o motivo da conformação cadavérica de suas vítimas — que por sinal, eram todas ex-colegas maldosos da época de escola, mas isso não vem ao caso desta história.

O próximo passo seria dado nas imediações das quatro paredes infinitas da Biblioteca Central. O homem tragou um último gole do saquê de seu cantil e preparou-se para abrir a porta dupla do local, mas preferiu pensar duas vezes antes de cometer tal ato tão danoso para si mesmo. Ninguém merece. Só pra achar algum pergaminho que fale dessa merda de técnica vai demorar horas, falou mentalmente, pensando consigo mesmo sobre como não havia tirado um cochilo sequer nas últimas doze horas. Gin suspirou fundo e dirigiu-se lentamente até a mesa mais ao fundo, no canto mais escuro.


Gin não sabia ao certo ditar os motivos pelos quais tinha tanta propensão à 'descansar os olhos' em frequências que beiravam o absurdo: muito provavelmente sua falta de objetivos e apreço pela própria vida influenciavam diretamente na sua falta de vontade de se erguer e ir de encontro ao mundo. Dormir era mais fácil, poupava ele das mazelas de sua vida imunda e irresponsável. Um pequeno feixe de luz irradiou por entre uma das venezianas, penetrando suas pálpebras e causando um leve e conhecido desconforto. Vamo lá, cara, não dá pra levar bronca de superior de novo, pensou, conversando consigo mesmo, quase como se dentro dele houvessem duas personalidades, onde uma delas era ciente das consequências inerentes ao fato de tirar sonecas durante o expediente.

De visão ainda turva e cara amassada, o homem se colocou em pé mais uma vez, sem noção de quanto tempo havia perdido naquele ato de vadiagem. Cambaleando entre seus próprios passos, ele se enfiou por entre as múltiplas estantes de livros e pergaminhos em busca de algo que elucidasse os achados sobre a missão.

Considerações:

Técnicas antigas esquecidas pelo tempo, volume três.

Tinha uma puta cara de livro de curiosidades variadas para adolescentes se acharem inteligentes sendo os mestres do leigo, mas, tinha que pelo menos levar a algum lugar. Gin teve de ler das mais diversas baboseiras já contidas em um livro: supostas técnicas capazes de alterar a realidade, prender pessoas em loops temporais indefinidos e até mesmo trazer alguém de volta do doce abraço da morte. Coitado de quem for puxado de volta pra cá, pensou à respeito da última. Um dos capítulos, no entanto, citava a já presenciada Técnica de Absorção de Chakra — mais precisamente, instigava um suposto rumor de que Sunagakure havia, em tempos mais remotos, sido fundada parcialmente por ninjas dotados de tais capacidades.

As demais informações ali contidas haviam claramente sido escritas por um ser unicelular: citavam a necessidade da realização de um ritual de sangue para comunicação espiritual com os antigos portadores daquela habilidade, caso o leitor desejasse também deter tal técnica. Gin portanto foi atrás de pergaminhos que tivessem alguma relação com o suposto clã e recolheu o mais antigo dentre os disponíveis. Vamos ver o que aquele cara tem pra falar pra mim sobre isso daqui.

O pergaminho em questão contava a história de um clã sem nome recheado de membros com a capacidade de absorver a energia de seus inimigos. Tal habilidade, no entanto, não era limitada àqueles que partilhavam do mesmo sangue, e sim simplesmente ensinada de forma secreta entre gerações. Dada a eventual extinção do clã, o pedaço de papel citava a técnica como uma espécie de "ninjutsu inverso": onde o usuário, ao invés de manifestar seu próprio chakra, simplesmente o retraía quando em contato com terceiros.

Então é como se eu tivesse que dar uma sugada com meu chakra.

Considerações:

Já faziam por volta de cinco dias desde aquela tarde na biblioteca da Areia.

Gin acabou por se tornar visitante frequente do assassino dos cabelos ruivos — que por sinal se chamava Ura —, e de uma certa forma deturpada, praticamente seu pupilo. De todas as situações não convencionais que já havia vivido ou imaginado, aprender com o seu inimigo de forma literal certamente não estava na lista. O acordo entre ambos era a de uma redução na pena caso o funcionamento da Técnica de Absorção de Chakra fosse repassada ao jonin, sendo que a prova de que todas as informações eram verdadeiras seria a eficácia na realização do jutsu por parte do próprio jonin. Não faço a menor ideia de como vou fazer pra diminuírem o tempo de prisão desse maluco, mas isso eu descubro depois.

Além de prisioneiro, Ura havia se tornado cobaia. Na duração daqueles cinco dias, o ruivo era o objeto de teste de Gin: era quem tinha seu chakra sugado de pouco em pouco. Levando em consideração que ambos se encontravam dentro de uma catacumba escura e úmida, a situação era praticamente a de um vampiro e seu escravo. Gin no entanto não enxergava a situação como algo cruel — afinal, não tinha a menor intenção de causar um homicídio —, e sim apenas como um passo científico na direção do sucesso.

O primeiro dia foi o mais difícil. O conceito de fazer o inverso da manifestação de chakra comum parecia simples quando escrito em papel, mas muito mais complexo na prática. Usando-se de um exemplo prático, era como pedir para que um destro escrevesse com sua mão esquerda: talvez ele até conseguisse realizar a tarefa, mas certamente não de forma tão efetiva quanto se estivesse com sua mão dominante. A situação de Gin era exatamente igual: tinha sucesso ao tentar absorver o chakra de sua 'cobaia', mas não era tão perfeito quando deveria ser.

Ou ao menos, não ainda. Afinal, a pressa era inimiga da perfeição.

Considerações: