|野郎






Tudo estava tão barulhento.

Minha visão turva provavelmente me enganava. Aquilo não poderia estar acontecendo.

Alguém colocou uma toalha quente em meus ombros e me pediu para esperar. Minha cabeça ainda zunia e eu não conseguia confiar em meus pensamentos. Dentre os rostos que eu via passando para lá e para cá através de uma pequena fresta na porta, nenhum me era semelhante. Não que eu tivesse forças para me manifestar e perguntar o que estava acontecendo. Permaneci apático, claramente drogado demais para fazer alguma coisa.    

Uma mulher usando um colete verde oliva entrou e me ofereceu um balde, apoiando-o em seguida sobre meus joelhos. Bebi de um copo onde ela misturou água e um remédio em pó, tão amargo que ao cair em meu estômago fez com que tudo que estava lá saísse direto para o balde, ainda que nada mais que algumas pílulas e muita bile.

— Os exames do garoto já saíram? — Um homem entrou pela porta, impaciente.

— Você sabe que não é assim que as coisas funcionam, Nobu. O QG tá à mil, a coisa lá foi feia de verdade. Esse moleque foi o único que sobreviveu e ele tá completamente drogado — Ela usou uma canetinha com luz pra mostrar minha pupila pra ele, mas eu a interrompi pra vomitar mais um pouco no balde, abraçando-o como se fosse o meu melhor amigo. A mulher estava com seus cabelos negros nitidamente amarrados às pressas, e sob os óculos eram profundas as olheiras — Sinto muito por...

— Porque ele tá usando esse nariz de palhaço idiota? — O homem a interrompeu, avançando até onde eu estava na intenção de retirar o objeto do meu rosto. Por algum motivo, o zumbido se tornou muito mais intenso quando ele se aproximou. Assustei-me com o movimento e deixei com que o balde caísse no chão, tentando me afastar de suas mãos bruscamente. Nenhum deles se sujou, obviamente ninjas excepcionais demais para serem pegos por aquilo - mas disso eu só entendi depois.

Eu me senti mais disposto após a desintoxicação, mas que barulho todo era aquele? Era como se milhares de vozes agudas soassem como agulhas em minha cabeça. Vinham de cima do prédio, mas também do subsolo. Ecoavam entre o assoalho e… Sobre a caneca. Mas nenhum zumbido era mais alto do que o que vinha do homem na sala. Tapei os ouvidos com as mãos e tentei me esconder debaixo da mesa. Ali, também zumbiam. Eu deveria temê-los? Eles me diziam - de alguma forma - que não. Sentia que poderíamos cooperar juntos. “Oferecer minha carne e meu chakra à eles em troca de poder”. Isso não soava horrível? Gritei, assustado, encolhido debaixo da mesa e abanando a mão, gritando para que eles saíssem de perto de mim. Eu podia ouvir suas asas se aproximando, mas isso era tudo em minha mente.  

— Ele é louco, Tamura! — O homem tentou cochichar, mas sua voz era profunda demais.

— Cala a boca, seu filho da puta! — Ela parecia extremamente ofendida, como se o homem chamado Nobu estivesse falando a maior insensibilidade do mundo — Você ficou sabendo dos Adoradores do Fogo Vivo? Aqueles fanáticos desgraçados há anos construíram uma igreja em uma cidade no País do Fogo e espalharam suas crenças de que chakra é a energia de onde vem todo o mal. Esse garoto dizia poder ouvir os insetos desde muito novo e sua mãe religiosa o levou até os sacerdotes. Ele foi mantido prisioneiro em um falso manicômio, sendo usado para experimentos horríveis daquela crença imunda! Eles o drogaram e o mantiveram em uma sala esterilizada para que não tivesse contato com insetos. Você tem noção? Ele é só uma criança! E ainda é só um dos casos. Kagure acabou com todo o esquema e prendeu todos os sacerdotes charlatões.  

A Jonin do esquadrão médico jogou - com muita raiva - algumas pastas com documentos e fotos em seu tórax. Ele pegou tudo e abriu sobre a mesa ao lado de onde eu estava, ajeitando os óculos para ler alguns relatórios. Minutos depois, seu semblante mudou

— Isso é horrível...

Nas fotos, crianças que demonstraram alguma habilidade com chakra agora jaziam secas sobre uma mesa de pedra, testadas pela arma que a Igreja do Fogo Vivo jurou algum dia concluir com a finalidade de exterminar o Chakra de todo mundo. Os olhos do homem lacrimejaram. Talvez não fosse tão durão assim. Pela primeira vez, o corpulento de óculos e roupas sociais se agachou e falou diretamente comigo:

— O ninja que te tirou de lá era meu melhor amigo. Foi ele quem te deu esse nariz maldito, né? É a cara dele fazer esse tipo de coisa. Eu sempre dizia que heróis morrem cedo… — Ele parou um pouco para engolir em seco — E ele me respondia que heróis deixam legados, e legados são eternos. Agora eu entendi tudo que aconteceu. Você é o único sobrevivente da missão que Kagure passou meses para completar. Era um esquema horrível e fico feliz que ele tenha conseguido, afinal somos ninjas e estamos preparados para a morte. Me desculpe se fui rude com a sua história. Você deve ter sofrido um bocado, né? Também entendi porque me chamaram aqui essa hora da madrugada.  

Com cuidado, ele me retirou debaixo da mesa e colocou novamente na cadeira. Parecia um pouco mais calmo, e eu não ouvia o zumbido mais tão alto assim. Nobu parou em frente à cadeira e esticou o indicador, onde um pequeno besouro passeou. O inseto, de alguma forma, me era extremamente familiar. Ele voou até mim e eu senti que poderia tê-lo como pet, se quer saber. Foi quando ele sumiu por debixo da minha unha.

— Você não tem nenhuma doença, demônios e nem é louco. Seu pai é um membro do clã Aburame, mas eu não faço ideia de quem seja. Garanto-lhe que não sou eu. Você herdou esse sangue, e também por isso algumas habilidades. Nós vivemos em simbiose com insetos e em troca oferecemos chakra como alimento e uma casa para morar. O nome da espécie deste é Kikaichū, com quem divido o corpo desde o meu nascimento — Repentinamente, vi a sala infestada dos mesmos pequenos besouros. Meus olhos brilharam e eu estava tão empolgado que nem ouvi o grito de desespero de Tamura — Eles já salvaram minha vida incontáveis vezes e você pode ser muito forte ao lado deles, se quiser.

— Muito forte? — Pela primeira vez minha voz soou por aquela sala. Nobu abriu um sorriso.

— Tão forte que ninguém conseguiria fazer isso com você ou com as pessoas que você ama, mas primeiro você teria que se formar na academia e mostrar ser um ótimo ninja pra merecer conhecer os segredos do clã.  

— Eu quero.

— Qual o seu nome?

Que pergunta estranha. Minha mãe dizia que eu atraía pragas e que não merecia um.

— Eles me chamam de Paciente Treze.

— Nossa, que nome péssimo. O que acha de só Treze?

Eu sorri. Era o meu número da sorte.

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