|野郎






— Aquela coroca bandida, você vai pegar ela, não vai? — O velho esbravejava, tão irado que espumava o canto de sua boca — Você vai dar uma surra nela garoto? Não, não, aí acho que já é demais.  

— Senhor, vou apenas recuperar a joia, certo? É como descrito aqui no pergaminho da missão. “Recuperar o item...” — Eu falava de forma quase didática, mostrando sílaba por sílaba no papel. É impressionante a paciência que eu conseguia ter com esses senhores de idade, se quer saber. Sentia que eles já haviam vivido tanto e passado por tanta coisa na vida que suas histórias eram interessantes demais. Chegar ao fim do caminho é triste e eu de forma alguma conseguiria tratá-los mal. Além do mais, aquela era minha missão ninja. Eu adorava desfilar com minha bandana por aí fingindo que era o fodão que protege a vila, mas a verdade é que normalmente só sobravam essas missões pra mim, então ao menos eu deveria cumpri-las bem — Mas aqui, to com uma dúvida. Se o senhor é que é o relojoeiro, porque a joia estava com ela e não com o senhor, e agora ela precisa “devolver”?

— Ah, garoto… É que aquela joia é muito rara e ela vendeu-me quando ofereci um alto valor pelo fragmento azul. Mas aquela gorda maldita… — Tomou fôlego, ficando vermelho de raiva novamente — Ela não cumpre seus tratos e, arrependida, pediu pra vê-la uma última vez e levou embora a pedra! Ela até deixou meu dinheiro de volta. E agora?

— Calma, vovô — Dei algumas batidinhas em seu ombro, consolando-o — Eu vou até lá, levo o seu dinheiro e ofereço uma troca. Você não quer oferecer algum presente, algo à mais? Talvez um relógio como brinde?

— Oferecer presentes à uma ladra? Você está de brincadeira?

— A joia não é mais importante que um relógio qualquer jogado no seu porão? Me ajuda, seja esperto — Dei uma piscadinha e ele finalmente pareceu entender.

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Se aquele senhor parecia uma pessoa difícil, essa velha então era algo fora da casinha. Daquelas que usam colares preciosos até doer o pescoço, cabelos armados de bobs e salto alto dourados. Ela até andava com um gatinho na coleira e um cachorro na bolsa - e você não entendeu errado. No entanto, algo me admirava: Se tem algo que eu reparo nas pessoas é o modo como se vestem, e aquela socialight não deveria estar trajada de preto da cabeça aos pés num dia de verão como esse. Ela com certeza entende de moda e sabe que luvas e chapéus pretos são itens ultrapassados.

— Você tem que me entender, garoto. Eu achei que fosse capaz de me desprender do valor daquela joia, mas óh! Como é difícil me desprender dela, de todas essas memórias! Tem sido tudo tão difícil — Ela colocou o verso da mão na testa e entoou um choro quase teatral de tão comovente — Aquele relojoeiro ambicioso quer a joia para ele, mas ela não pertence a ele! Deixei até mesmo o dinheiro de volta. Eu não sou nenhuma ladra!

— De forma alguma, senhora. O relojoeiro só quer fazer o melhor negócio entre vocês. Um ótimo homem — Ela fez uma cara de dúvida, como quem discordava fielmente, mas eu a interrompi antes que começasse a falar — Veja bem, ele sabe de sua perda e se mostrou muito sensível com sua perda. Parecia extremamente comovido com a sua história e não queria que ficasse nenhum mal entendido entre vocês.

Nesse momento, tive que pensar um pouco rápido e confiar no meu sexto sentido. Chutaria que aquela mulher estava de luto a julgar pelas roupas e que a joia pertencia ao seu marido

— Veja bem, antes de morrer, seu marido mandou que o relojoeiro arrumasse esse relógio, pois era o que ele carregava no bolso na primeira vez que te viu — Menti, temendo que a história fosse fraca demais para que ela caísse — Como ele nunca foi buscar, o relojoeiro quer entregar-lhe como boa fé. Além do dinheiro, claro. Veja bem, senhora. Com certeza seu digníssimo marido preferiria que você fizesse bom uso do dinheiro que esse fragmento te daria.

Uma última vez, ela olhou-me nos olhos e então subiu até seu quarto, voltando em seguida e entregando-me a joia. Não demorei para entregá-la novamente ao senhor. No fim, as coisas só tem a importância que damos a elas, e pessoas só precisam trocar o objeto de apego; humanos, tão previsíveis.

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