Todo mesmo dia do ano ocorria a mesma barulheira.

Gin geralmente era encarregado da segurança do Festival das Lanternas, tradição anual da Areia e uma bela desculpa para juntar todos os comerciantes dos quatro cantos do deserto em um único e enorme camelódromo na praça central. O trabalho não pagava lá tão bem, mas ao mesmo tempo, não era difícil: nos últimos cinco anos em que havia assumido aquela função, o maior problema que encontrou fôra uma dupla de adolescentes completamente alucinados de saquê e outros tipos de bebidas alcóolicas. "Amadores", resmungou mentalmente para si mesmo, lembrando-se do sermão que dirigiu à aqueles dois jovens infratores — e a grande ironia daquela situação, dado o histórico pouco exemplar que ele mesmo detinha. Quem sabe aprenderam e não vão ser pegos da próxima.

Sua tarefa consistia basicamente em permanecer à paisana e dar conta de cuidar de qualquer tipo de eventual problema. Pessoas sorrindo, gritando e perturbando a paz do silêncio até eram considerados um problema para Gin, mas não para os seus superiores. Seus dedos deslizaram pelas vestes amassadas até a altura da cintura, de onde recolheu seu pequeno cantil de cerâmica. O doce sabor do álcool tocou-lhe os lábios e aliviou todas as suas malezas por alguns poucos segundos. Beber durante o serviço não era exatamente permitido pelas forças Shinobi, mas para todos ali em volta, aquilo podia muito bem ser apenas um simples cantil repleto de água.

Os corredores de pequenas lojas e barracas abrigavam todos os nichos imagináveis: desde vendedores de lembrancinhas à uma floricultura repleta das pétalas mais peculiares  e admiráveis existentes em um deserto. Considerando que no último ano surgiu uma lua vermelha no céu, até que isso daqui tá bem movimentado, pensou consigo mesmo conforme tentava se espremer entre a multidão de pessoas felizes, hipnotizadas por aquele festival que, querendo ou não, trazia consigo seus benefícios para a maioria da população — mesmo que os distraísse dos atuais problemas políticos advindos do imponente castelo do Shinigami Branco.

Ao finalmente alcançar a periferia da praça, o homem das olheiras profundas tragou mais um gole de seu cantil antes de encarar de forma inexpressiva um jovem baixinho que jazia sentado em um dos bancos. Gin não citou uma palavra: a simples presença de sua postura levemente corcunda geralmente já era o suficiente para afugentar a maioria dos adolescentes problemáticos daquele tipo de evento. As coisas estão tão esquisitas que esse moleque com metade da minha idade já tem a cabeça branca. Seus olhos, então, voltaram-se para a calçada iluminada e logo identificaram o que talvez viesse a se tornar uma boa história: um felino de coloração negra assustado em cima de um dos vários postes de luz.

É, parece que achei a tarefa pra essa noite.

Considerações:

Festa das lanternas

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