O frio que abraçava toda a aldeia da folha era envolvido e motivado por um assobio fino que caracterizava o vento gélido daquela madrugada de verão que antecedia o inverno tortuoso. No alto do firmamento não retumbava qualquer estrela e tão pouco a lua, completamente subjugada pelo fascínio de um louco em acometer contra todos os seres vivos do mundo com sua devastação alheia a própria vida. Na realidade, tudo que se fazia possível contemplar eram as densas nuvens marrons que se alastravam por todo o céu como se estivessem carregadas da chuva mais torrencial e prejudicial que toda a folha já havia visto.

No interior do quartel general se assentava em sua poltrona avermelhada o jovem do clã Uchiha que agora exercia o cargo de maior grau dentro da corporação da policia militar da folha. Mesmo sendo tarde da noite, ainda se mantinha ali para cumprir com o turno que estabeleceu a si mesmo. A quem interessar pudesse, já haviam muitas noites sem lua que Saito não adormecia por mais de quatro horas ininterruptas, sendo sempre requisitado pela função que tanto almejou durante seus anos de vida. Naquela fatídica em questão, já tinha noção acerca do trabalho que teria de fazer e apenas aguardava pacientemente pelo sujeito responsável por lhe acompanhar na mesma, meramente como um guia.

Sobre a mesa à sua frente repousava uma bule com chá quente rodeado por xicaras bem ornamentadas de porcelana que concediam ao lugar uma aparência sofisticada e tornava os ares muito mais atraentes as pessoas que poderiam adentrar o mesmo. Desde que assumiu o posto de chefe de policia, Saito esforçou-se para efetuar o menor número de mudanças no que conferia tanto aos membros da corporação e suas funções quanto aos modos como se dispunham pelo ambiente os móveis e artefatos artísticos, como por exemplo a pintura clássica da paisagem da aldeia da folha em uma tela enorme pendurada em uma das paredes.

Ainda tratando acerca das artes, no alto do tabique atrás da poltrona na qual se sentava, havia uma pintura do jovem Uchiha trajando suas vestes características da função, que por sua vez evidenciavam certo teor de seriedade mais elevado, ainda que pacifico em abundancia. A calmaria que a tela expressava somente poderia ser equiparada a própria do jovem Saito, que mesmo após sofrer com diversos eventos considerados catastróficos, mantinha-se firme única e inteiramente em prol do bem estar da aldeia da folha e daqueles que um dia jurou proteger, e que de fato iria. Com o desaparecimento abrupto da sombra do fogo, era necessário que a aldeia tivesse ao menos uma figura de liderança para seguir e Saito vinha evitando se tornar esta, mantendo-se centrado em continuar concluindo com as missões que lhe eram atribuídas.

Em um dos papéis ali dispostos havia, de maneira muito resumida, o objetivo da tarefa da qual vinha sendo incumbido e a qual faria o possível para concluir de maneira imediata, ainda que dependesse quase que inteiramente da pessoa que vinha aguardando. Em suma, teria de viajar até a fronteira do sul do país do fogo enquanto executaria a escolta de um arqueólogo. O dito sujeito era peça importante para a aldeia e estava sendo enviado para encontrar algo próximo de um tesouro escondido em uma gruta perdida que havia sido mencionada em um dos pergaminhos antigos usados para estudo por parte do grupo a qual o homem pertencia.

Apesar de se tratar de um trabalho relativamente simples que comumente não exigiria uma escolta e ainda por cima realizada pelo membro de mais alta patente na força policial da folha, Saito estava sendo requisitado e destacado para aquela tarefa pelos próprios anciões da aldeia, tendo em mente que o artefato a ser encontrado era de muito valor para o vilarejo e de estima elevada em demasia. Não obstante a tamanha importância, ninjas inimigos da folha também procuravam por aquele tesouro e ameaçavam diretamente a segurança do arqueólogo. Com a responsabilidade recaindo sobre os ombros do Uchiha, os anciões sentiam-se muito mais confiantes com a recuperação do artefato e a proteção do pesquisador.

Seus olhos avermelhados seguiam rolando pelo cômodo enquanto sentia-se consumida por certa ansiedade. Não havia como negar que sua calma e paciência eram ambas virtudes facilmente invejáveis por aqueles que se indignavam a nota-la, entretanto, como tudo no que tange ao universo, eram também limitados e encontravam o fim em algum momento. Para desvencilhar-se do paradigma de perder completamente a sanidade enquanto aguardava o arqueólogo que acompanharia na excursão, Saito cogitou momentaneamente acender um dos cigarros que vinha cada vez mais adotando como rotina. Talvez estivesse beirando o vicio com a primícia de que fumar o ajudava a manter a calma.

Talvez estivesse enganado e no fim aquilo apenas encurtasse os seus dias, mesmo que não fosse ainda algo completamente descontrolável. O fato é que no instante em que abriu a gaveta de sua mesa e tendentemente dirigiu a destra para recolher um dos cigarros, ouviu ressoar pela sala o som de duas batidas — Pode entrar — Enquanto a figura entrava pela porta, o rapaz fechou a gaveta e desfez-se do desejo momentâneo pelo trago — Senhor Saito? — Indagou em tom doce e sereno. Para a surpresa do Uchiha, tratava-se de uma mulher e não um homem aquela pessoa que teria de escoltar. Isso fazia mais sentido — Me chamo Nico.

A moça que transpassou a entrada da sala exalou por todo o ambiente uma energia sentimental da mais pura simpatia que beirou afetar até mesmo o mais complexado dos Uchiha. Quase que instantaneamente, em resposta a apresentação da mais bela mulher que já viu em seus dias de vida, Saito levantou-se e agradeceu mentalmente por não ter tido tempo de acender o cigarro que certamente deixaria o ambiente com o mal cheiro característico do fumo — Eu estava aguardando você, senhorita Nico — Retrucou o jovem rapaz da maneira mais cordial que seus lábios hesitantes conseguiram encontrar.

O sujeito andou pela sala como se tivesse uma boa parcela de pressa atribuída aos seus atos e motivações, dispondo uma cadeira à frente da moça — Queira se sentar, por favor — Saito não costumava ficar nervoso quando próximo de mulheres, na verdade sempre lidou bem com elas devido seu alto grau de carisma atrelado a uma boa aparência, entretanto, Nico parecia sobrepujar os atributos de simpatia do rapaz e deixa-lo a beira de seu bel prazer. Felizmente, suas intenções não eram as piores e sua resposta para aquela forma de agir foi única e inteiramente entregue na forma de um sorriso genuíno. A moça sentou-se a cadeira e preparou-se para tratar dos assuntos como fora até ali fazer.

A destra de Saito percorreu a superfície da mesa após ambos estarem sentados e encontrou a alça do bule com chá que ali havia disposto — Aceita? Sinceramente eu sou muito suspeito para falar do sabor já que não consigo sentir gosto de nada, mas foi feito pelo antigo chefe de policia e eu sei bem que ele é um aficionado por chás — A moça pareceu estar inclinada a aceitar e não hesitou em recolher de sobre a mesa uma das xicaras de porcelana do conjunto que Saito esbanjava ali, todas de cabeça para baixo sobre seus respectivos pires.

— Me perdoe, mas tenho que dizer — Indagou a moça enquanto o Uchiha despejava sobre o recipiente uma quantidade considerável de chá, que por sua vez possuía uma cor avermelhada — Eu esperava alguém muito mais velho quando ouvi sobre suas capacitações e sobre seu cargo — Saito esboçou um sorriso e logo alocou à sua frente uma das xicaras na qual logo também despejou o chá — Não se desculpe, eu também não esperava uma mulher tão bonita quando me disseram que teria que escoltar alguém para uma ruína antiga onde poderíamos encontrar pessoas mal intencionadas com relação ao tal arqueólogo que iria escoltar — Saito levou a xicara até seus lábios e assoprou.

Era fato que nenhum dos dois ali estava cara a cara com a pessoa que esperava, mas nem de longe isso era algo ruim ou considerado como tal por algum dos dois. Em verdade, Saito e Nico eram ambos atraentes e carismáticos o suficiente para sentirem-se atraídos um pelo outro, mesmo que o foco ainda fosse igualitariamente o de concluir a tarefa pretendida e não envolver-se em um romance que poderia acabar distraindo a dupla — Eu já sei que as ruínas ficam próximas da fronteira do sul do país, mas você sabe especificar a distância? — Saito havia respirado bem fundo para concentrar-se e desviar dos golpes de sorte lançados pelo olhar penetrante de Nico.

— Por sorte, a localização da aldeia da folha é bem mais perto da fronteira do sul do que de qualquer outra, então teremos um caminho não tão longo. Estimo cerca de cinco, seis quilômetros — Nico precisou da mesma quantidade de esforço para desvencilhar-se, tal como Saito, dos prazeres que vinha encontrando no flerte envolvente que vinha ocorrendo com simples interações como a de servir chá e elogiar indiretamente a bela moça. Ambos despejaram toda a sua atenção e foco na conclusão da missão e em seu objetivo e agora tratavam apenas sobre este assunto.

Saito particularmente ficou aliviado de não precisar despender de tanto tempo assim com a locomoção, tendo em mente que a parte mais chata do seu trabalho, tirando a de esperar, era essa. O jovem rapaz levantou-se e olhou para os dois lados como se procura-se por algo — Eu acho que estamos prontos para ir, certo? — O Uchiha puxou as lapelas do kaori branco que expressava sua patente por meio de firulas espalhadas tanto na parte de trás com um kanji enorme que significava "ordem", como também nos adornos amarelados próximos da região do pescoço. Estava pronto para seguir com a missão.

— Sim, senhor Saito — Retrucou Nico, levantando-se e mostrando estar a disposição. Ambos os dois saíram do quartel general e tomaram como rumo o portão da aldeia. Apesar de ser uma arqueóloga, a bela moça parecia versada no mínimo das artes shinobi, movendo-se com devida maestria pelos telhados que os guiaram rapidamente até o ponto de partida. Estava se tornando algo comum, para a sorte de Saito, estar na companhia de belas mulheres durante suas missões, como se os anciões lhe enviassem uma mensagem nada ortodoxa: está na hora de encontrar alguém. Todavia, mesmo que se sentisse atraído por mulheres bonitas e mais velhas, o Uchiha sentia um amor ainda maior e consideravelmente incontrolável por sua aldeia, e ela sempre seria sua prioridade.

Não precisaram despender de mais de meia dúzia de minutos para verem-se diante do imenso portão da aldeia. O raiar do dia já não estava tão longe quanto era de se imaginar ao admirar o firmamento alastrado por imensas nuvens marrons que tornavam tudo absurdamente escuro, feito que a falta de uma lua, mesmo que avermelhada, nos céus ajudava a tornar possível. Na guarita haviam dois shinobi cumprindo com o turno imposto pelo próprio Saito, que logo lhe agraciou com um caloroso "bom dia". O Uchiha era muito respeitado por todos os seus subordinados, sendo visto por muitos na força policial como o maior e mais promissor chefe de policia que já tiveram.

— Edward, Alphonse! — Bradou no instante em que seus pés tocaram o solo após o avanço que se deu após tomar impulso em um dos postes que serviram de plataforma para seu percurso do quartel general até ali — Senhor, Chefe de Policia Saito! — Exclamaram em um coro quase ensaiado no embalo do susto que tiveram ao se deparar com a figura de seu líder. Rapidamente os dois dentro da cabine se levantaram e ficaram de prontidão como se preparassem a si mesmos para uma bronca — O que é isso, galera? — Indagou rindo ao se aproximar — Vocês estão fazendo um ótimo trabalho, podem ficar a vontade. Estamos aqui de passagem, precisamos seguir até as ruínas do sul.

Fez como havia dito que faria. Parabenizou os dois homens na guarita e ordenou que prosseguissem no que vinham fazendo. Após notifica-los também acerca de sua saída e do objetivo da mesma, olhou com seus olhos avermelhados para os negros daquela que o acompanhava e confirmou com um único aceno com a cabeça se de fato estavam os dois prontos para dar continuidade a viagem, ou melhor dizendo, seu inicio. Com a resposta em afirmativo por parte de Nico, não tardou para Saito começar sua caminhada para fora do vilarejo através do portão colossal à sua frente.

— Você tem quantos anos? — A questão levantada pela moça não parecia carregar qualquer interesse muito maior do que meramente criar um assunto para que a viagem, já iniciada, não fosse marcada por um silêncio perfurante — Dezesseis na verdade — A expressão de surpresa no rosto de Nico evidenciava o fato de não apenas o cargo estar em disparate com a aparência jovial do Uchiha, mas também com sua idade — Incrível! Então você é jovem demais para o cargo e para sua aparência também! Podia jurar que tinha em torno dos vinte — Os saltos os guiavam na direção do sul no que conferia ao país do fogo, onde se localizava as tais ruínas.

A paisagem era verdejante em qualquer hora do dia, mesmo na escuridão daquela madrugada gélida se fazia possível perceber a coloração tão característica e abundante da aldeia da folha. Entre os muitos saltos que tiveram de fazer para locomover-se em direção as ruínas antigas de onde outrora havia um templo, no sul do país bem próximo da fronteira, Saito e Nico trocaram informações irrelevantes para a missão, mas que de certo modo os aproximou. O Uchiha passava a ideia de ser culto e muito bem educada, enquanto que Nico mostrava não ser apenas um rosto bonito com um intelecto avantajado. Ambos tinham mais a oferecer e para a sorte, talvez, os dois haviam percebido aquilo.

— Já estamos chegando — Indagou a bela moça com seus cabelos negros esvoaçando ao chocarem-se com os ventos frigidos vindos da direção na qual fluíam como o próprio rio Naka — Eu imaginei, afinal já consigo ver alguns poucos feixes de luz do sol tentando iluminar o céu — Retrucou Saito, apontando com sua destra para o horizonte onde se fazia de fato possível contemplar alguns poucos raios de luz lutando bravamente contra as tantas montanhas que circundavam o país e tornavam a vista tão bela. Não despenderiam de muito mais que uma metade de hora para chegar ao destino.

No campo de sua visão surgiu pouco a pouco se erguendo rumo ao firmamento as tais ruínas do templo que tanto almejavam — Bom, ali está o seu templo — Indagou Saito enquanto reduzia a velocidade e deixava que seu corpo despencasse na direção do solo completamente dependente da gravidade, flexionando os joelhos para efetuar o pouso com o qual já vinha se acostumando — Você quer dizer "o que restou dele" — Retrucou Nico, saltando para o chão da mesma maneira. Por algum motivo, o Uchiha acreditou que ambos ali concordavam que era alto demais para a moça pousar, mesmo que fosse minimamente treinada na arte ninja.

Com tal pensamento em mente, olhando para o corpo feminino - de relance vislumbrando a calcinha roxa que a mesma utilizava - Saito estendeu os braços e aparou a jovem que apenas agradeceu, mostrando estar de acordo. No solo, ambos caminharam lado a lado na direção do montante de rochas antigas que um dia haviam sido arquitetonicamente colocadas em conjunto para formar o templo de alguma divindade ainda mais antiquada — Acho que aqui encerramos a parte mais fácil do trabalho — Indagou a jovem. Saito manteve-se em silêncio analisando o ambiente a sua volta e certificando-se através de seus sentidos que não haviam sido seguidos. Ali se findava a primeira parte de fato daquela missão de escolta.