O ar frio da noite invadia meus pulmões após o jantar enquanto eu mantinha a cabeça projetada para fora da janela, com os olhos fitando um ponto invisível no céu estrelado. Minha mente estava tranquila, sem nenhum pensamento específico passando por ela além da beleza do céu naquela noite. A luz da lua não expulsara as estrelas, mas sim compartilhara o imenso palco noturno que se projetava acima da minha cabeça.

Essa era uma vista que eu raramente tive na prisão, já que geralmente ficávamos confinados em nossa cela durante a noite e as janelas eram pequenas demais para que pudéssemos apreciar a paisagem de fora.

Dei um sorriso breve antes de voltar meu olhar para as agora escuras ruas do vilarejo. Diferente da visão anterior, essa não era bonita, ou agradável, ao menos na minha perspectiva. Becos escuros possuíam um contexto completamente sombrio para mim, foram neles em que eu joguei fora a minha vida e as esperanças de quem acreditava em mim. Não tinha reparado naquele pedaço de rua à noite desde que saíra da cadeia para essa nova casa, mas agora que o fizera, não era uma vista agradável.

Sinceramente, esse beco era mais arrumado do que os que estava acostumado, mas esse simples fato não era suficiente para manter os demônios longe. Alcancei então minha garrafa de água que estava em cima de uma escrivaninha ao lado e dei um longo gole, esperando que qualquer movimento interessante ocorresse na rua e tirasse minha mente do passado.

Por mais que não gostasse de admitir esse tipo de coisa, eu estava solitário. É bem como eu disse antes, eu havia ganhando a minha liberdade, mas não estava realmente pronto para ela. Cá estava eu esperando que algo me tirasse do passado, mas tudo que precisava era de alguém. Não alguém para desabafar ou me dizer que estava tudo bem, eu provavelmente odiaria isso. Era bem diferente... O que eu precisava era de alguém que me trouxesse problemas, metas, qualquer coisa que mudasse a direção que meus pensamentos seguiam.

Será que eu ficaria assim pra sempre? Duvidei, a vida como ninja até esse ponto tinha me trazido uma quantidade considerável de surpresas. Eu não me surpreenderia se a próxima delas passasse por aquelas ruas naquele instante.

Minha atenção foi roubada por um trio de pessoas que cruzava a região. A iluminação fraca, juntamente com a distânica, deixava difícil de vê-los com clareza, mas pude mesmo assim deduzir por suas silhuetas que se tratavam de um grupo incomum de pessoas. Dois deles eram bastante altos, podia dizer que eram homens, ou pelo menos que se assemelhavam bastante.

Pelo ângulo em que estava era difícil de ver seus rostos mas um deles possuía cabelo branco e um andar despreocupado, do tipo que você não perceberia em cidadãos comuns passando por becos como aquele à essa hora da noite. Isso por si só fora suficiente para prender minha atenção neles, não fosse a terceira que os acompanhava.

Essa era uma mulher, uma linda mulher, até mesmo de longe dava para perceber isso. Mas havia algo de errado com ela. O homem de cabelos brancos andava de maneira demasiadamente descansada, o que o acompanhava não apresentava nenhum comportamento específico, apesar de que sua aparente normalidade perante aqueles dois o desse um ar um tanto "dominante", como se os outros dois o seguissem. Mas já aquela mulher parecia cansada, para dizer o mínimo. Seu ritmo era menor do que o dos outros, e apesar de ter dito que ela era bela, ela também estava suja, como alguém que acabara de passar por poucas e boas.

Dois homens em um beco escuro acompanhando uma mulher que, pelo que me parecia, era indefesa. Estaria mentindo se dissesse que conheço a cidade, mas de onde eu venho aquele era um claro sinal de que algo ruim poderia estar acontecendo.

Tentando não chamar muita atenção, alcancei minha bolsa cuidadosamente e apanhei uma kunai, mantendo-a fora de vista para quem estava do lado de fora e tentando escutar o que eles diziam.

Minhas tentativas foram em vão, mas logo surpreendi-me com um par de olhos escarlates me observando através da escuridão da noite. O líder do bando me fitava com aqueles olhos sobrenaturalmente vermelhos. Senti medo por um momento, como se aquele olhar por si só pudesse me machucar, mas não era só isso.

Quando dei-me conta os três olhavam para mim. Deveria me preocupar? Tentei refletir sobre isso rapidamente, mas não me fora dado tempo o suficiente.  A garota, que por um momento eu julguei ter que proteger, foi a primeira a me confrontar.

Primeiro ela gritou para mim, não entendi muito bem, não era como se eu não já estivesse observando. Mas a grande surpresa foi quando em um único e rápido movimento um pilar de madeira ergueu-a do chão até a altura de minha janela, trazendo a mulher consigo.

O susto me fez dar um passo para trás e a pressa me fez tropeçar em mim mesmo, caindo de bunda no chão em um único movimento desajeitado. Com a kunai ainda em mãos observei aquela mulher. Ela não estava só suja, mas também ostentava diversas escoriações pelo corpo. Pelo seu traje, agora mais perto, pude deduzir algumas coisas.

- Meu nome é Kaito... - Comecei me levantando do chão e me empoleirando na janela, apoiado com os pés na base e a mão esquerda no topo da mesma, o resto do corpo pendendo para fora do prédio de modo a manter um contato mais direto com a mulher e a kunai ainda repousando na mão direita.

Meus olhos fitariam diretamente os de Biskka, que estava mais perto. E apesar do tombo, manteria o olhar impassivo.

- Por um momento tive a impressão errada, mas... Vocês são ninjas não é mesmo?... Se me permite me aproximar... -

Se julgasse que conseguiria chegar lá, e que lá caberiam dois de nós, me projetaria graciosamente no ar até pousar na estrutura de madeira juntamente a mulher.

- E algo me diz que são ninjas bem fortes... Quem são vocês? -

A situação havia mudado rápido demais, e em um instante me vi cercado pelas três figuras que observava mais cedo.

Em um primeiro instante achei que seria atacado, o que teria sido meu fim se fosse o caso. Mas pelo jeito que o homem com os olhos vermelhos, que identifiquei como o chefe de polícia Saito, falou comigo, imaginei que suas intenções não eram hostis, pelo menos ainda.

Notando pela primeira vez a impressão que a kunai em minha mão poderia causar, traitei de guardá-la e lançar-lhe um olhar apaziguador, que não lhe denotasse medo, mas que também não o desafiasse.

- Acho que todos nós tivemos a ideia errada aqui. Acredite, minhas intenções não são nada além das melhores.

Deveria tomar cuidado, apesar de não ter dito nada, o homem de cabelos brancos também estava presente, e seu silêncio me era um lembrete de que provavelmente estaria pronto para atacar ao comando do chefe de polícia.

Quando a jovem mulher em minha frente adentrou em minha casa pela janela, pensei em protestar sua falta de modos, mas pela minha situação atual, achei melhor tentar manter a hospitalidade ao máximo.

Viraria o olhar para os dois homens e faria um sinal com a cabeça para que se juntassem a mim enquanto seguia a ninja, entrando pela janela assim como a mesma fizera.

- É como sua amiga disse, foi só um susto. - Comentaria para quem estivesse dentro da casa.

Ver a mulher desabar em sua cama causou um certo desconforto em mim, quão excentrica e poderosa aquela pessoa poderia ser? Com certeza a loucura e o poder não eram uma boa mistura para se manter dentro de minha casa, mas também estava certo de que o melhor jeito de se agir seria ficar do lado bom de seu julgamento, sendo assim, tentei agir como se tivéssemos a intimidade que ela fazia parecer que tínhamos.

Ouvindo seu comentário sobre ter gostado de minha casa, respondi-a do melhor jeito que pude sem revelar minhas origens criminosas, afinal, não imaginei que fosse uma boa ideia trazer isso a tona em frente ao chefe de polícia que a acompanhava.

- Obrigado, eu me mudei a pouco tempo para cá e ainda estou me acostumando, pra ser sincero. A decoração não foi exatamente minha ideia mas provavelmente foi para o melhor. É bom ter uma opinião feminina sobre esse tipo de coisa. -

Olharia ao meu redor, encarando quem possivelmente poderia ter-nos seguido para dentro de casa e anunciaria:

-Não sei do que deveria chamar vocês, com excessão do senhor Saito, sua reputação é conhecida.

Havia ouvido falar dele na prisão, por meio de histórias de outros detentos, claro, nunca comentaria isso com ele.

Esperaria uma resposta sobre seus nomes, que caso recebesse, usaria para responder a pergunta da mulher sobre a presença de comida.

- Claro Biskka-kun, acho que tem algumas costeletas de porco no armário. - Diria saindo do quarto e fazendo um sinal para que todos me seguissem.

Chegando na cozinha, colocaria a churrasqueira em cima da mesa e retiraria a carne do armário, já coletando alguns pedaços e jogando-os na churrasqueira para assar.

- E então, o que estavam fazendo por aqui? Ver o estado da Biskka me deixou um pouco preocupado, mas imagino que era só eu pensando demais, certo? -