Não fazia muito tempo desde que Haru deixara seu gabinete pela porta da frente tão serena quanto havia entrado. O diálogo havia sido breve, a ametista já sabia do que se tratava aquele convite feito pelo demônio mascarado do Sexto. Warui ficou em sua sala admirando por alguns segundos a beleza singular daquele céu sem lua pela grande janela aberta nos fundos do gabinete.

　　Uma brisa invadiu, sempre muito bem-vinda, e apagou as velas que ele havia acendido mais cedo, deixando-o a sós com a escuridão outra vez. O cheiro da cera queimada se mesclava ao de terra molhada, os silvos dos ventos se tornavam mais altos e ele podia até ouvir um farfalhar mais intenso de folhas do lado de fora.

　　É noite de tempestade.

　　Um trovão ecoou ainda manso ao longe e seu coração sentiu-se em paz. A decisão que tomara junto de sua assistente fora como um alento, fazendo-o relembrar sua verdadeira essência, agora adornada de toda a sabedoria que os últimos anos lhes trouxeram. Não será nada simples, ele refletia consigo mesmo, mas será necessário.


(...)


Jigoku, horário desconhecido;
um ano depois da queda

　　— O que pensa em fazer com o reino dos homens, garoto? — o rei negro indagou do alto de seu trono.

　　— O que já deveria ter sido feito há muito tempo. — ele respondeu, plácido, tomando um gole de café servido por Hannya. Fechou seus olhos por alguns segundos e suspirou ao sentir o calor da bebida descer por sua garganta e lhe aquecer o peito. — Homens brincando de deus são fruto de toda a podridão do sistema como ele é.

　　Viu Shirayuki sorrir de canto, com toda a elegância de uma verdadeira rainha, cobrindo parcialmente os lábios finos com as pontas dos dedos. Recebeu da outra um olhar afiado, como se estivesse ansiosa pelos primeiros passos da Sombra da Água.

　　— Diferente de quando era mais jovem, agora você entende perfeitamente que apenas poder não irá ser o suficiente. — notou que ela não questionava; afirmava.

　　Warui anuiu.

　　— Subjugar o mundo inteiro não me tornaria nem um pouco diferente de Shin. — seus olhos vermelhos se perdiam no horizonte alaranjado sempre presente no Jigoku. — Convencer pela palavra é um bom primeiro passo. Firmar as alianças certas com as nações certas, — confessava aqueles segredos aos seus demônios. — e eliminar pela espada pessoas estupidas demais que foram colocados em cargos de poder de forma irresponsável.

　　— Pessoas estupidas são fáceis de manipular, meu pequeno. — alertou a rainha branca, com um tom de voz quase tenro.

　　— Basta então que eu elimine a marionete e a titereira. — virou mais um bom gole de seu café.

　　— Será esse seu primeiro passo? — era a voz de Dokuro alcançando seus ouvidos.

　　— É claro que não. — ele respondeu de imediato, rispido. — Não terei pressa em agir. A Névoa tem seus próprios problemas, afinal.

　　O Sexto terminou o café, entregou a xícara nas mãos do demônio mascarado e se levantou.

　　— Quis apenas confidenciá-los do que pretendo daqui em diante. — mirou nos dois o seu olhar mais imperturbado. — As batalhas começarão silenciosas, mas peço que estejam prontos para lutar ao meu lado em breve.

　　— É sempre uma honra, Mizukage-sama. — a voz dela fizera um frio lhe percorrer a espinha, como se fosse a morte sorrindo.


(...)


Névoa, 22:50;
dois anos depois da queda

　　A Sombra se manteve longe dos holofotes nos últimos tempos. Longe das linhas de frente, confiava as batalhas da aldeia nas mãos da espadachim de olhos de âmbar, sua comandante, a arqueira vermelha, Haru e seus caçadores. Pela primeira vez em todo o seu mandato, Warui comandava a Névoa, de fato, das sombras.

　　O fio de sua espada há muito não via uma gota de sangue sequer e ele não sentira falta daquilo. Seus dias se resumiam a estudar cada informação que seus oinins reuniam sobre as outras quatro Grandes Nações, seus planos eram cuidadosamente traçados para que não cometesse um erro sequer quando a hora chegasse.

　　Aquela noite, no entanto, Warui guardou para ela.

　　Suas roupas mais formais deram lugar ao que Ichika julgou que seria mais apropriado. Os encontros dos dois se tornaram mais frequentes ao longo dos últimos anos e muitas das vezes não se reuniam para tratar de assuntos da vila.

　　— Como você vai beijar ela? — lembrou-se da Yamanaka perguntando na preparação para aquele momento – e da sensação da água subindo por suas narinas.

　　Jiro ria sem jeito e Tomoko gargalhava.

　　— Você já beijou uma garota antes, né?! — a loira insistia, podia sentir seu rosto queimar.

　　Ichika estava certa e eu não faço ideia do que fazer.

　　Sentados lado a lado, parte de si temia que seu coração estivesse batendo tão forte que ela pudesse ouvir. Toda a confiança que ostentava mesmo perto de Haru passou a se esvair com o tempo conforme se deu conta do que sentia por ela. O medo que sempre sentiu de perdê-la não era irracional – nunca foi – e a forma como a via era diferente de como tinha a Raposa em sua vida, ele compreendia muito bem.

　　Ela é mais do que minha assistente. Virar seu rosto na direção dela era uma tarefa árdua, como se o peso que carregava sobre seu pescoço fosse de toneladas; mas a Watanabi havia feito o mesmo movimento. Estava nervoso, mas a presença dela o fazia um bem inexplicável. Quando os lábios dela se curvaram, ele também sorriu e sutilmente segurou as mãos delicadas da cientista com as suas.

　　Não precisava dizer uma palavra para que aquele momento se tornasse único – e nem se quisesse, sua garganta parecia ter dado um nó. Ele apenas conseguia sentir o calor que aquele momento despertava em si, mais intenso em seu peito e espalhando-se por cada centímetro do corpo.

　　Os dias que aguardavam o mundo e cada passo que o Sexto tomasse trariam consequências, fossem elas positivas ou negativas. Se algo ameaçasse a vida de Haru, Warui não hesitaria em abandonar completamente seus planos. Jamais escolheria uma vida sem ela. No Reino Sombrio, o rei tem sua rainha ao seu lado, alguém para governar junto e manter a ordem; sendo ele um deus entre os shinobis, há de ter também a sua deusa.

　　Puxou-a para perto de si, com as mãos pegando-a pela cintura.
　　Seu rosto cada vez mais perto do dela.
　　Os olhos se fecharam, de ambos.
　　E os lábios se tocaram, enfim.