— Olá, meu garoto. Tem uma moeda?

Tem dias que memórias aleatórias vêm à tona. Talvez seja efeito das drogas que me obrigaram a usar nos tempos de cobaia, mas verdade seja dita, por vezes sou subitamente transportado até lembranças há muito esquecidas e lembro-me exatamente das feições, sabores ou cheiros presentes nos acontecimentos. Dessa vez, num dia comum em Konoha enquanto me voltava do quartel general após um dia simples de trabalho em que eu havia-o marcado com minha fórmula, um homem tão sujo quanto suas roupas me parou na rua estreita entre os amontoados de prédios da vila. Não suficiente, antes que eu pudesse responder, um garoto passou correndo rente ao meu lado e pude notar um fino fio de lã amarrado na ponta de seu indicador, enquanto na outra ponta uma libélula estava presa, voando como se de estimação. Isso foi o suficiente. Segundos depois, eu não estava mais ali.


— E é por isso, Treze, que você precisa ter um tempo com seus insetos. Ouvi-los, tentar entendê-los e prestar atenção na forma como vivem. Eles têm muito a ensinar. Quanta sabedoria há no funcionamento perfeito de uma colônia, por exemplo? — É ele… Nobu? Nossa, quanta saudade do meu tutor. Quase não consigo acreditar que se foi, olhando-o assim agora — Você não está prestando atenção mais uma vez, imbecil? Acho bom você colocar sua cabeça pra funcionar, moleque, ou prometo que você nunca vai se tornar um ninja.

Acho que me lembro desse dia, éramos apenas nós frente ao riacho límpido e azul que ficava nos arredores da vila. Eu gostava de imaginar que aquele era um dos meus lugares secretos, daqueles que quase ninguém na vida além de nós havia pisado. Eu devia ter o que? Nove anos de idade? Ainda estava descobrindo sobre o mundo, visto que há pouco tempo havia fugido do laboratório. O som desse riacho era a coisa mais bonita que eu já havia ouvido, sendo que na sala esterilizada em que fui mantido durante toda a primeira infância eu acabei não tendo contato com várias coisas que são comuns às pessoas normais. Então, vez ou outra Aburame Nobu trazia-me até aqui para que eu pudesse contemplar a natureza e me conectar com “o todo”, como ele mesmo dizia. Pensando agora, esse homem foi realmente o meu pai e eu nunca tive a chance de agradecê-lo devidamente.

— É porque… cada um sabe o seu lugar? Ninguém tenta pegar o trabalho do outro, é isso, Nobu-sensei? — Eu respondi com minha voz infantil. Era estranho lembrar de tempos assim — Todos são muito obedientes. E, pelo menos, disseram que é isso que o Senhor do Fogo quer que a gente seja pra que as coisas funcionem.

— Na verdade, erm… Não é bem isso — O homem parecia desconcertado. Eu não me lembrava que ele se sentia assim, ou não tinha a percepção e sagacidade para observar na época — Entendo que te doutrinaram assim, Treze, mas a verdade é que o Senhor do Fogo é uma fantasia que inventaram para conseguir manipular as pessoas. Você gostava? De ficar preso lá… e não poder ouvir o riacho, ou conversar com seus insetos?

— Eu não gostava, sensei.

— E é por isso que as pessoas sofrem, garoto. Outras pessoas as obrigam a fazer coisas que elas não querem, passam por cima de suas vontades e não se importam com nada além de si só porque são mais fortes — Ele procurava alguma maça na mochila, mordendo-a ao encontrá-la — Nós não somos assim. Nós usamos a nossa força para proteger os outros, e não oprimi-los. Somos guardiões, entende o que eu digo? Se não entender isso, não vale a pena que seja forte… Se quiser ser realmente um shinobi, quero que entenda que a generosidade é o que move a colônia. Todos estão pensando no próximo, sabem que a vida devolve o bem se você for bom. Quero que você tenha a sorte de um fio de lã.

— A sorte de um fio de lã, sensei?

— Bom, é uma pequena história — Ele sabia que eu adorava histórias — Há muitos anos, um pobre senhor era chamado de Sr. Palha, pois não tinha muito o que comer e por isso era tão magro quanto uma palha. Certo dia, cansado das injustiças da vida, ajoelhou-se na rua e pediu aos céus para que sua sorte mudasse. No mesmo instante, ele pôde ouvir bem perto de seu ouvido “a próxima coisa que tocar lhe trará grande prosperidade”, e mesmo que tenha se achado apenas um louco à princípio, começou a andar e logo tropeçou, encontrando no chão um fio de lã de um metro. “Esse fio de lã não vale nada, mas ainda assim vou guardá-lo comigo”, e então o colocou em seu bolso. Continuando seu caminho, encontrou uma libélula que voou ao seu redor, e por mais que ele tentasse o inseto não foi embora. “Pois bem, se quer vir comigo, então que venha”, disse enquanto a amarrava num lado do fio de lã, e com a outra ponta fez um nó em seu cinto. Uma senhora que vendia flores na barraca estava com o filho no colo, o garoto não parava de chorar e parecia entediado até que viu a libélula presa no fio de lã e estendeu o braço, sorrindo. O homem, sem pestanejar, a entregou ao garoto. “Não tem problema, tomara que ele se distraia agora. Então, a mulher muito agradecida deu-lhe uma rosa. Tomou então seu rumo o homem que encontrou outro homem chorando na beira da estrada. Ele pediria a noiva em breve, mas era pobre. “Eu também sou pobre, mas se quiser pode ficar com essa rosa”, disse o Sr. Palha. O homem abriu um largo sorriso e ofereceu ao velho tudo que tinha no momento: Um cantil d’água. Logo, o homem partiu e tomou seu rumo, mas logo foi parado por um carroceiro que disse estar viajando há dias e tinha muita sede. “Pois tome o meu cantil”, disse o senhor. Muito grato, o comerciante deu-lhe uma seda dobrada e se despediu. Mais à frente, encontrou uma carroça que transportava uma princesa. Ela procurava exatamente pela seda que o Sr. Palha tinha em mãos pois era aniversário do Daimyo. “Se é seu aniversário, então ofereço como presente”. Notando a generosidade do homem, a princesa ofereceu-lhe uma grande quantia de joias, estas que foram vendidas por um bom preço e Sr. Palha conseguiu comprar um campo de arroz, onde plantou, trabalhou duro e continuou ajudando quem tinha fome, mesmo após melhorar sua vida. Entende, Treze, que muitas vezes é melhor estar suscetível à sorte do fio de lã? Além de ser grato, também é preciso ser generoso. Ser um guardião é a maior generosidade de todos, porque você oferece o seu bem mais precioso ao próximo: sua própria vida.


— Sim, senhor. Eu tenho uma moeda. Aliás, tá com fome? Vem, já ouviu falar do Samurai Lámen, com certeza. Eu precisava mesmo jantar.