UMA BORRIFADA. FRAGRÂNCIA DE rosas, aroma doce e delicado. Haru piscou lentamente duas vezes. Inspirou, sentindo o perfume que restava no ar em sua volta. Não muito doce, mas prazeroso: era a dose certa.

　　　Lançou o olhar à frente, para o próprio reflexo no espelho da penteadeira. Logo após devolver o frasco de conteúdo rosa iridescente à mesa, apanhou a escova que havia do lado; alinhou os cabelos, atirando mechas generosas por cima do ombro. A escova deslizou pelo véu de longos fios escuros que era o cabelo da Watanabi, dotados de uma iluminação violácea. E, com dedos ágeis, enredou as mechas numa única e volumosa trança.

　　　O silvo da serpente soou em ritmo familiar.

　　　Haru terminou de compor os últimos detalhes da trança, jogando-a para trás como uma capa que cobria suas costas, e virou-se para Shiro. De cima da mesa, a serpente albina olhava para ela com um olhar estranhamente humano, pequenos olhinhos vermelhos mas que eram muito expressivos. Seria preocupação?, a cientista indagou-se. Não, não poderia ser. Num instante, ocorreu-lhe que a serpente estivesse ansiosa. Uma ansiedade genuína por ela, pelo o que a aguardava.

　　　O silvo de Shiro ficou mais agitado: a pequenina pareceu interpretar a luz de entendimento que clareou o semblante de Haru.

　　　A mão pálida da Watanabi pousou sobre a serpente. Sentiu o toque gélido das escamas albinas: um arrepio correu por sua espinha. Ela tentava afagar as emoções de sua pequena companheira. Mas a percepção analítica de sua mente sobrepujava até mesmo as ações mais triviais, que deveriam ser genuínas. Ainda que não de propósito, observou a cena numa perspectiva de terceira pessoa. Viu como a própria pele era afim das escamas da cobra: a mesma lividez. Observou também que, talvez, não estivesse afagando as emoções de sua companheira com aquele gesto; sim as próprias emoções.

　　　Afastou a mão depois da sinistra constatação. Meneou a cabeça. Agora, ela sentiu as palpitações exageradas do próprio coração. Como pude deixá-lo desregrar?, pensou Haru. A resposta, no entanto, ela já sabia...

　　　É por ele, afinal.

　　　Levantou-se depressa. Deu uma última olhadela para o espelho. Reviu o reflexo e, de relance, os lábios levemente tingidos; a roupa clássica que vestia, cor de lavanda.

　　　— Até mais, Shiro — disse Haru. — Me deseje sorte.

　　　Ela suspirou, fitando a porta de seu quarto. Num ímpeto fugaz, girou a maçaneta e saiu.

Considerações: