OS VENTOS QUENTES DO VERÃO NO PAÍS DO FOGO uivavam ao irromper por entre a fresta da janela mal fechada do quarto do renegado da Folha. A luz da lua de sangue mal invadia pelas venezianas, mas o assobiar fantasmagórico era levemente perturbador; Treze já estava habituado a viver com demônios, no entanto.

Do lado de fora, poderia ouvir passos rangendo sobre a madeira velha da estalagem que o abrigava naquela noite e vozes denunciando uma certa agitação. Se decidisse ir até a área comum, veria um movimento intenso onde um grupo de cinco viajantes esperava por um quarto e alguma roupa de cama para passar a noite. Em seus rostos, a expressão pálida como se a vida lhes tivesse sido arrancada, as pernas trêmulas como se tivessem corrido uma maratona e as mãos abraçavam os corpos como se buscasse se aquecer numa noite de inverno que esmagava os ossos.

Nas mesas, os cochichos eram tantos que se mesclavam num canto caótico que quase nublava a audição para um diálogo decente. Se chegasse perto de qualquer um dos que aproveitava a noite, ouviria os mesmos comentários: os murmúrios da floresta retorcida. Sentado num canto isolado, moço demais para estar lá e vivido o suficiente para conduzir uma conversa com qualquer um ali, Gohan tinha seus olhos presos num bom copo cheio de leite quente, ouvidos atentos à cada palavra que não se perdia em meio a tantas vozes e sua mente separava o joio do trigo: cada chama lhe contava uma história diferente sobre cada homem e mulher ali.

Uma única presença destoava das demais, não deixando qualquer dúvida para o arqueiro de que se trataria de um shinobi como ele e que certamente estaria igualmente atento ao que estivesse circulando aquele grande espaço comum da estalagem. Um concorrente, que poderia tomar-lhe uma boa oportunidade de trabalho.

Se corresse os olhos para esquerda, Gohan notaria a filha da estalajadeira, que deveria ter dezessete dias de seu nome, rosto sardento e cabelos cor de fogo cortados acima dos ombros. Ela servia uma mesa e seu olhar esmeraldino era desolado. Aqueles que ela atendia também não estavam tranquilos, ainda que o álcool pudesse distorcer levemente alguns traços dos semblantes.

— É bom para os negócios, não posso negar. — a escutariam dizer se chegassem perto o bastante. — Mas é aterrorizante, é como se algo espreitasse para nos atacar a qualquer hora.

— Eu compartilho do sentimento, garota. — o homem carrancudo de cabelos grisalhos e olhos azuis cristalinos respondia antes de virar uma boa quantia de sua cerveja. Estava bem vestido num quimono azul celeste debruado em um branco perolado. —  Pagaria o que fosse necessário para nos livrarmos do que quer que seja.

— A Folha não pode nos ajudar? — indagava a moça, recolhendo as canecas vazias.

— A Folha virou as costas para nós há anos, minha cara. A Folha e Som. — lamentava-se o outro velho, vestido em negro detalhado em vermelho carmesim por toda o cumprimento da roupa. — Só nos resta rezar.