Costumavam dizer que o desenho era o retrato da alma.

Os traços delicados, quase que milimetricamente arquitetados, enfeitavam aquele velho pergaminho perdedor da árdua batalha contra o tempo. Cada pincelada era feita com um tom de inspiração desigual, vindo de uma memória diferente, transformando aquela arte, aos poucos, em um abarrotado de vários estilos que estranhamente geravam harmonia entre si, dando, por fim, forma física ao principal personagem daquele entremeado de tintas. Sob a lua vermelha, agora com a presença de uma enorme cicatriz em seu centro, jazia a figura de sua irmã. O segredo para a paciência monjal de Yasuke estava em sua habilidade de desenhar: agora que havia se tornado um shinobi, o passar do relógio daria conta de envia-lo a missões cada vez mais árduas, e ele ainda não estava pronto para partir — não ainda.

Ainda preciso cuidar dela.

O último rabiscar desenhou uma flor naquela imagem que retratava toda a angústia interna do jovem, representando o fio de esperança — e amor — que jurou carregar consigo até o último de seus suspiros. Por fim, ele enrolou o pergaminho e o depositou na cintura. Já havia passado da hora de voltar ao trabalho, e se demorasse mais um pouco, Midori provavelmente iria começar a pestanejar. — Vamos lá, garota. — Seus dedos repousaram sob os cabelos negros de Midori, acariciando-os suavemente conforme a menina acordava de sua soneca. — Já são três da tarde? — Indagou ela ao esfregar o olho direito. — Na verdade já são três e meia. Perdi noção do horário enquanto desenhava. — Na verdade, simplesmente havia decidido deixa-la dormir um pouco mais, mas ela não precisava saber disso.


Com todas as orquídeas devidamente armadas em seus vasos e os peculiares buquês de tulipas devidamente posicionados na frente da pacata "lojinha", estava tudo pronto para voltar a por a mão na massa. Era apenas um lençol velho transformado em barraca junto de um amontoado de caixas, mas era o que Yasuke e Midori tinham conseguido juntar nos últimos meses, e para eles, estava mais do que perfeito. As diferentes cores e tonalidades das pétalas deixavam a presença de um forte contraste com a aparência decaída do resto daquele pequeno projeto de floricultura, mas o garoto conseguia garantir, até o momento, apenas a qualidade do produto, e não a aparência do estabelecimento. A irmã recolheu com as mãos o cartaz escrito a mão, anunciando a venda das plantas aos potenciais clientes que perambulavam no vai e vem do dia-a-dia naquela rua.

Considerações:

Equipamentos:

— JÁ REPAROU, YUKI, QUE a névoa empalidece as cores? — perguntou Haru.

　　　Os olhos dela, duas joias vibrantes de ametista, viraram-se lentamente para a Tokujō de cabelos curtos e cerúleos, pousando na imagem azulada da garota que a acompanhava. Um gesto simples, mas que carregava uma reflexão: tudo era mais pálido na Névoa...

　　　Até mesmo as tendas dos comércios, que deveriam ser chamativas por natureza.

　　　Andava a ritmo de passeio pelo centro da vila, rumando de modo despretensioso entre os comerciantes locais. Ela era quase como um vulto cor de lavanda no meio da turba, singrando silenciosa e graciosamente feito a pálida neblina do dia a dia. Tratava-se de uma simples sondagem, nada mais.

　　　Delicadamente, levou a destra ao pescoço; os dedos tamborilaram sobre seu colar de escamas lívidas: Shiro. A serpente albina, disfarçada de ornamento, um colar de várias voltas em torno do pescoço de Haru, mantinha-se quieta num cochilo — tão quieta que o leve toque da cientista foi para averiguar sua respiração.

　　　Foi então que um punhado de flores chamou a atenção da Watanabi. O tom aceso das pétalas saltava aos olhos, vencendo o tênue nevoeiro. Estavam dispostas cuidadosamente sobre uma lona estirada no chão, uma espécie de lojinha ambulante. Duas crianças cuidavam delas.

　　　Encantada pelos arranjos de cores vivas, Haru resolveu se aproximar.

　　　— Ali, Yuki — disse a Watanabi, apontando a direção com um único gesto de cabeça.

　　　Passos repletos de sutileza levaram-na até a lojinha de lona. Já bem perto, inclinou-se próxima a um dos vasos onde encontrou ramos de tulipa. Fechou os olhos e inspirou o doce cheiro das flores, enchendo os pulmões: o aroma era puro; nele, Haru identificou o nível de cuidado que o cultivador teve com aquelas flores.

　　　— Quem cuidou dessas flores? — perguntou Haru. — Foi você, garoto?

　　　Os orbes do mais puro violeta analisaram o rapaz. A Viperina o estudou naquele momento — uma vez treinada na arte da observação, era inevitável fazê-lo. Ele detinha uma fisionomia suave, traços finos, carregados com um quê de feminilidade que pontuava muitas linhas de sua imagem. Os cabelos eram longos, lisos, escuros. Os olhos eram eram grandes, expressivos, cativantes, acobreados.

Considerações:

Watanabe. Os passos dela deslizaram pelas ruas úmidas da Névoa com a graciosidade de uma pétala. As cores saturadas de suas flores delicadamente cuidadas entravam em harmonia com Viperina, pois ambas conduziam a primavera consigo por onde passavam. Yasuke não sabia dizer se o que lhe causava medo era a postura confiante, a alta reputação ou simplesmente a serpente adormecida ao redor de seu pescoço — 'medo', talvez fosse uma palavra forte demais. Tensão provavelmente era mais apropriada para aquela situação: sentia-se como se de alguma forma aquela primeira interação tivesse mais significado do que aparentava. Um frio na espinha.

— É um trabalho conjunto meu e de minha irmã. — Seu rosto inclinou-se levemente na direção de Midori, que repleta de todo o entusiasmo que uma criança poderia ter, anunciava aos ares gélidos da aldeia as diversas flores à venda em seu pacato estabelecimento. — Para falar a verdade, a ideia inicial foi dela. — A garota sempre havia nutrido um apreço particular por flores, e vê-la sorrir diante de uma tarefa tão simples e braçal quanto jardinagem lavava a alma do jovem artista. Eram as coisas simples da vida que deviam ser apreciadas. — Alguma delas lhe interessou, Haru-sama? — Seu singelo sorriso era composto da mais genuína generosidade — e inocência — já vista pelos olhos humanos.

— As cores da névoa são pálidas. — Respondeu em tom sereno, voltando-se para a jovem dos cabelos azulados: esta da qual não se recordava de já ter visto ou ouvido falar sobre. — Mas assim como a palidez de um pedaço de papel, ela nos permite pintar a vida com a cor que bem entendermos. — Seus dedos pousaram delicadamente sob o caule do girassol laranja que tanto parecia atrair a atenção daquela peculiar ninja e entregaram à ela, como um simples gesto de cordialidade 'por conta da casa'. — E eu aprecio as cores vivas. — O azul e o púrpura das duas kunoichis formavam uma pintura perfeita na mente do jovem artista. — Muito obrigado. Eu e Midori-chan nos esforçamos para cuidar bem delas. — Agradeceu o elogio proferido por Yukiko, sem se importar com o gênero atribuído erroneamente à ele. As vezes nem eu mesmo sei dizer o que sou.

Considerações: