Se a noite cálida de Kumo, cercada e protegida por aqueles deuses de pedras que se espraiavam para norte e sul, representava a robustez do lugar, a lua cheia, erguida no céu no auge de sua soberba, lançava sobre a face daquelas almas, sua luz pálida e tênue, projetando em seus rostos o provável desespero do que estava por vir, as proteções dos deuses de pedras sucumbiam, então, diante da noite, assim como a calmaria do mar evapora diante das intempéries.

A alma de um homem é seu barco, naquele momento, todos estavam naufragados, de frente a enorme floresta que se erguia, como se dali pudesse conclamar à todas as rochas angulosas do lugar, que sua presença, por mais paradoxal que fosse, era a prova mais que perfeita de que ela era mais sólida e austera, do que as montanhas angulosas que tendiam a desaparecer, conforme aquela selva se tornava mais densa, ao ponto que um observador, de longe, não pudesse discernir, entre a vegetação, indivíduos entre a grande massa verde de árvores de todos os tipos, cores e tamanhos.

Dali, a vida também cantava um cântico atonal, muito embora não perdesse a harmonia com que as notas chegavam aos ouvidos dos mais desavisados. Insetos, pássaros, criaturas rastejantes, primatas, seja lá o que fossem, formavam o grande coral da vida e da morte, gargalhando de qualquer um que ousasse desafiar o ordenamento daquela existência coletiva e caótica.

A entrada daquele lugar tão obscuro e diverso era contida por um imponente muro de pedras ígneas e um grandioso portão metálico, que exibia em sua superfície o flagelo do tempo, dava a entender que a partir dele algum tipo de caminho começava fluindo até o centro daquela que pretendia ser uma floresta.

Dois ninjas de Kumo jaziam à espera de cada uma daquelas duplas. A fala mecanizada e militar, comum naquele mundo onde o que impera é a disciplina, parecia fazer com que o som da floresta parecesse amistoso. As duplas não estavam mais juntas, cada uma estava em um ponto diferente da massa verde e imponente de árvores, de frente a entradas de aspecto e tamanhos muitos semelhantes.

— O objetivo dessa prova é a recuperação de objetivos, foram distribuídas a criaturas da floresta um broche, esses broches se subdividem em bronze e ouro. Os broches de bronze valem três pontos e são mais fáceis de pegar, os broches de ouro valem 5 pontos e estão em criaturas mais poderosas de serem derrotadas. Classifica-se a dupla que conseguir alcançar os vinte pontos e, obviamente, sobreviver.

Ao terminar a fala, o silêncio fez com que as cigarras assumissem o protagonismo, até que as corujas, por fim, juntamente ao coaxar dos sapos, completassem a melodia.

Os portões se abriram, sem tempo ou espaço para dúvida, a prova se iniciaria e, intrinsecamente relacionada a ela, a chance de embates entre as duplas e até mesmo dentro delas, se tornava, cada vez mais, um destino inevitável.

Considerações:

Do descanso deles, eles sentiram a temperatura cair, algo estava errado em algum lugar por ali e, mesmo à noite, aquela queda brusca de temperatura não poderia ser interpretada como algo comum.

Seguindo ao norte os dois acabariam por subir em direção a vertente que separava a floresta em duas porções, dali, uns dois quilômetros ao leste, eles veriam uma névoa que se expandia lentamente.


Não é assim que se enfrenta a névoa. Aquela substância etérea, acinzentada, vagueava por todo o lugar como uma procissão fortuita, porém solene. De lá, nada saía ou entrava, ao menos a luz do Sol, covarde que era, refletia por meio da Lua um brilho triste, pálido, prestes a se desfazer por completo.

Agora, o que era aquilo? Talvez, nem ao menos os avaliadores soubessem da existência do monstro ou, quem sabe, aquilo fosse meramente uma energia? A energia de todos aqueles que por algum motivo ali adentraram e, agora, agregados em uma só entidade, vagavam por aí como uma aleatoriedade perversa, maldita, buscando nada mais que se encontrar.

O ataque do rapaz não surtiu efeito, com sua velocidade debilitada devido a névoa e sua visão limitada a dois metros, nada fez que acertar seus golpes a cinco metros da terrível criatura.

De tão perto, ele poderia sentir um cheiro terrível, como se aquilo não passasse de um cadáver que, por algum motivo, tivesse a capacidade de perambular por aí.

Sem mexer a boca a criatura começou a falar, sua voz parecia vir do interior de seu estômago, ao mesmo tempo que inúmeros sussurros repetiam sempre a última palavra que ela falava. Sua voz era doce, pura, como a de uma criança, enquanto ao entorno da névoa as vozes se tornavam mais firmes, frias e  variavam entre o grave, mais masculino e um agudo, mais feminino.

— Não devemos nos precipitar, pequenino… Nós não gostamos de presas tão fracas. O que tem para nós?

O corpo da criatura aos poucos se dissolveu na névoa, posicionando-se a dois metros, nas costas de Yoshiro.

— Vejo que você usa uma espada, vamos, levante-se, honre sua espada e vamos duelar.

Nós sempre quisemos isso.

A criatura ficou completamente estática, quase como uma pedra, enquanto sua espada reluzia. Passos vindos de todas as direções, poderiam ser ouvidos pelo rapaz, como se a procissão estivesse se aproximando dele.

A procissão cantava em uníssono:

“A carne e a alma…”

O rapaz, todavia, nada via. Estavam apenas ele e a aquela criatura completamente estática.




Os dois permaneceram parados e nada aconteceu, a floresta talvez estivesse a ponto de perder a paciência com os dois, isso, porém, só o tempo dirá.

Os Desafios:

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Considerações: