I




— Eu não sei o que você estava pensando, — sua voz rompeu calmamente o silêncio quando viu o outro abrir os olhos ao despertar. — mas não me parecia o tipo de morte que o Treze que eu conheci desejaria.

　　No quarto da velha estalagem, estavam a sós cada um sobre uma cama de solteiro cobertas com lençóis desbotados. O Sexto não trazia consigo a longa capa branca que gritava seu título por onde passava; no lugar, um grosso abrigo negro o cobria até os tornozelos. O capuz estava recolhido e as brisas de verão invadiam pelas frestas das venezianas trazendo consigo o doce cheiro de terra molhada, uma chuva é muito bem-vinda neste país abafado.

　　Há dias, os relatos de seus caçadores atuando nas proximidades do Fogo chegaram até sua mesa, a possível conclusão de uma busca intensificada após os ocorridos na Nuvem um ano atrás. O debate com sua assistente sobre possíveis alianças trouxe à tona a lembrança do besouro samurai quando se lamentou pela fragilidade no comando da Folha desde que este desapareceu. Lembrava-se de pedir a Doninha e Corvo que o sigilo daquela tarefa não fosse quebrado em hipótese alguma. Fora com o bater de asas escuras que a mensagem o alcançou meses depois.

　　Nem sempre trazem palavras escuras, afinal; ele estava ali, diante do lendário combatente que dera cabo ao interino corrompido que tinha o chapéu vermelho sobre a cabeça. A aparência era bastante diferente, mas a assinatura Warui reconheceria de longe, literalmente. Fora pessoalmente investigar o local onde seus homens alegaram ter visto o Aburame; e os deuses pareciam querer aquele reencontro. Um segundo de atraso e ele estaria morto, uma história perfeita cuidadosamente escrita em linhas tortas.

　　A mão esquerda apontou para o criado mudo ao lado da cama do renegado, onde deixou um copo de café e um cubo de açúcar se o outro assim desejasse. Seu olhar impassível analisava cada centímetro de Treze: a fuligem em sua pele, a roupa com manchas de sangue aqui e ali que também respingavam no rosto e nenhum arranhão sequer, como esperado. Ele estava em uma batalha, não lhe restava dúvida e a pilha de cadáveres em que se deitava quando o encontrou era obra do próprio, mas pouco importava naquele momento.

　　— Eu quase não o reconheci sem o nariz de palhaço. — um sorriso de canto torceu-se nos lábios da tempestade. — Não sei por onde andou, nem o que fez nesse tempo desaparecido e tampouco o que aconteceu para pensar que a morte solucionaria algum problema...

　　Apanhou com a mão esquerda um copo que havia pegado para si igualmente preenchido com a amarga bebida quente, já levemente adoçada. Virou um bom gole quando sua boca tocou o vidro e deixou a queimação descer a garganta até que lhe arrancasse um suspiro de satisfação. No olhar do deus inseto, já havia notado a diferença que gritava mesmo que ainda não tivesse dito uma única palavra. Está morto por dentro.

　　— A lua tingiu-se de vermelho sangue e este é o menor dos problemas que temos enfrentado, Treze. — aquele era um dos nomes que ele jamais esqueceria. — Para as batalhas que estão por vir eu definitivamente vou precisar de você, mas antes... — seu semblante permaneceu brando, ainda que seus olhos parecessem ter sido abraçados pela escuridão. — ...eu preciso entender o que deixou você deste jeito.