“Samurai Lámen”, li no letreiro sobre o balcão.

Era bom estar ali de novo, afinal até a sensação de conforto da cadeira acolchoada era nostálgica. Nos últimos tempos eu havia me tornado isso, um amontoado de memórias e saudosismo, mas como um bom inseto entendo que às vezes é necessário se fechar em casulos em benefício do desenvolvimento pessoal. Assuntos que só você pode resolver antes de quebrar a casca como um ser melhor. Todos entendemos sobre isso, aquelas sagas que ninguém mais pode te acompanhar, independente do quão próximo um amigo pode ser. Talvez o caminho ninja seja repleto dessas questões, mas ainda assim manter os companheiros por perto era um exercício saudável e necessário.

Foi pensando nisso que enviei Denka, minha invocação felina pessoal e de menor rank para entregá-los o bilhete que convidava-os para esse encontro. Porque não fui pessoalmente? Você sabe, é assim que agimos nesse mundo. O papel era um recorte simples que dizia apenas “Hoje. Time 1. Samurai Lámen. 18:00hr”. Até mesmo tentei a confirmação de Amiyo sensei, mas ela havia saído em missão recentemente sem data de retorno.

Olhei de relance para o sino na porta que tocou quando ela foi aberta, mas não era nenhum dos dois que eu aguardava. Então meus olhos caminharam até uma outra mesa e eu vi um jovem de cabelos castanhos, chapéu e colar de contas, um garoto de franja sobre o olho esquerdo com cara de quem cheirou cebola e, por fim, o menor deles se achando descolado com um nariz de palhaço no meio da cara e mantendo uma atitude totalmente irritante. Parte dele, aliás, ainda era muito de mim, embora eu tenha literalmente treinado muito para tentar ao máximo segurar esse ímpeto confiante demais. Não que eu tenha deixado de ser, preciso dizer. Os garotos sumiram da minha visão como fumaça, eram apenas miragens sorridentes do incrível time 1.

— Garçom — Levantei o indicador e consegui a atenção do homem — Três saquês, por favor.

Um sorriso malicioso brotou em meus lábios. Será que eles se lembram de como foi da vez em que viemos comemorar a graduação para Chuunin? Só sei que agora temos muitas comemorações acumuladas e eu não deixaria que recusassem. Eu já sou um Jonin, cara. Quem sabe eu possa usar isso como desculpa pra tentar convencê-los…

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— Tava com saudade, chorão? — Sorri e apontei para a cadeira convidando o Uchiha a se sentar, empurrando em seguida um dos três copos de madeira recheados de saquê em sua direção através da mesa — Agora só falta… Ah, não falta mais!

Meu outro chamativo companheiro chegava, barulhento e confiante como sempre. Abri um sorriso ainda maior e me levantei, correspondendo ao seu abraço efusivo e captando o cheiro de álcool que o ninja de cabelos rosados exalava àquela altura. Ele era como um irmão mais velho, daqueles que a mãe pede pra que o exemplo não seja seguido - e isso era uma das coisas que eu mais adorava em Gen: o fato de que mantinha um ar leve e livre em seu modo de viver, mas que se tornava um demônio (literalmente) quando era necessário.

Sem demora, entreguei-lhe o copo que derramou um pouco do líquido e estendi para o alto o que estava na minha mão.

— Um brinde ao gigantesco time 1 — Joguei a bebida toda de uma vez através da garganta e senti o gosto amargo queimar e esquentar todo meu interior — Ah, Samurai Lámen, o melhor e mais suspeito estabelecimento onde menores de idade podem beber se comprovarem que são ninjas. Aqui não é cheio de lembranças?

Descansei o copo vazio na mesa e me sentei de forma relaxada. Em breve, carne no espeto e outra rodada de saquê seriam servidos, então me dei ao luxo de olhar cada um dos meus amigos e reparar no quanto pareciam crescidos agora. Usava um tom costumeiro e despretencioso, era bom encontrá-los em uma situação que não fosse em uma guerra ou coisa do tipo.

— Então, como vocês estão? Alguma novidade nessa vida de cão? — Com o indicador, desenhava círculos na superfície da mesa — Vocês não vão acreditar… Recentemente, fui designado capitão de um esquadrão nomeado como Hakai. Os integrantes são meio malucos e tentaram me matar no primeiro encontro, mas até agora tenho conseguido levar numa boa. Acho que depois da Amiyo-sensei, poucas pessoas realmente vão conseguir botar medo na gente.

Agradeci o saquê que chegou e virei mais um copo. Fiz uma careta e me aproximei mais da mesa como alguém que está prestes a contar um segredo.

— Ouviram falar do ataque ao País das Ondas que acontecerá em três dias? Vocês estarão, eu espero — Arranquei um pedaço de carne do espeto e mastiguei como chiclete — As coisas não andam nada bem, amigos. Soube que o país que sediou o torneio Tokujo se fortaleceu longe dos olhos das Grandes Nações e criou o próprio exército para enganar a todos naquele ataque. Fui o guarda que acompanhou Danzou, o Hokage interino, durante a reunião secreta que aconteceu entre todas as Sombras. Lembram de Warui, da Névoa? Ele é o Mizukage agora, e aquele Hatake de cabelo branco também se tornou o líder de Kumo. Estarão todos lá no que esperam ser a derradeira batalha.

Já sentia minha fala mais arrastada e o mundo girando levemente devagar. Chamei o homem com a bandeja na mão que mostrava-se entediado pela falta de clientes além de nós e pedi:

— Outro saquê, por favor.  

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O susto que a notícia totalmente inesperada me causou quase fez com que eu cuspisse o saquê novamente ao copo de dose. Precisei de alguns segundos para absorver a informação, mesmo que ele a tenha dado de forma tão casual, como se não fosse nada demais. Quero dizer, Gen vai ser pai! Dá pra acreditar? Repeti em voz alta essa informação como se para me acostumar a ela, mas além da frase incrédula que saía da minha boca, também havia um grande sorriso. De orgulho. De júbilo. Por entender que eu teria ainda mais motivos para buscar um futuro seguro para essa criança, ou simplesmente por perceber que pela primeira vez eu poderia estender meu afeto através de laços que transcendiam os sanguíneos.  

— Quer dizer que… eu vou ser titio?

Minha voz estava meio embargada, seja por emoção ou pela embriaguez que começava a turvar minhas vistas. Talvez pelos dois. Certa vez, li que um grande sábio um dia declarou que os pequeninos são o Rei, a peça de shougi. Peões como eu tinham o dever de protegê-lo, mas ainda mais, como seu “tio”, sabia que amaria esse pequeno ser. Era uma sensação estranha no meio, como se algum canto obscuro fosse tocado pela energia de uma nova vida sendo formada. Vai entender.

Deixei meus olhos descansarem sobre Shishio Genryuusai, o Demônio da Folha. O nome não fazia jus à sua aura leve e engraçada, mas só estando ao seu lado em batalha - como eu estive tantas vezes - é que seria possível o porquê de ser chamado assim. No entanto, não era o aspecto de ninja que eu observava agora no mais velho de cabelos rosados, e sim o homem que ele havia se tornado desde então. Sempre imaginei como alguém com uma personalidade tão festeira e despreocupada conseguia se manter assim mesmo enfrentando os desafios e a dor que o mundo trás quando estamos nessa profissão, mas assim era. Independente do que acontecesse, Gen sempre esteve ali para nos colocar de novo no rumo e mostrar que a vida é melhor quando a gente sorri.

E disso eu nunca poderia me esquecer.

Não guardei tudo isso pra mim. Nós três passamos um tempo falando sobre sensações amargas e doces, sobre força e inimigos. Sobre amor e amizade. Queria que o time 1 soubesse o quanto eram importantes pra mim. Queria que ouvissem da minha boca que se não fosse por eles, provavelmente eu seria só mais um fodido da cabeça sem muita perspectiva. Tê-los ali me ajudou a ter um norte, a não abraçar a escuridão quando a luz estava tão longe. Para uma cobaia de testes de drogas, poder chamá-los de amigos era um tesouro precioso demais. Em meio às rodadas de álcool, então, me vi cantarolando alguma canção ao lado deles. Assim como bons marujos, em homenagem ao velho Shishio. Tomados pela sinceridade que só o saquê pode trazer.

No entanto, uma hora as luzes se apagaram e as portas do Samurai Lámen foram trancadas. A rua parecia mais torta do que deveria, ou eram meus passos que não conseguiam se manter retos. Olhei uma última vez para o lugar que sempre nos servia de ponto de encontro e lembrei de quando Gen trouxe máscaras minhas e de Squall em nome de sua piada na festa de graduação. Lembrei das quedas de braço entre ele e Amiyo. Em meio à tanta angústia, quem sabe, alguém que consegue trazer alegria é na verdade o detentor do poder mais precioso. Coisas que só se percebe estando no time 1.  

— Ei, parabéns, irmão — sorri —, e obrigado por tudo.

Não sabia porque, mas agradecê-lo foi a última coisa que fiz naquela noite.

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